O advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, analisou que a carta enviada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), evidencia que o Brasil ultrapassou os limites legais ao tentar impor decisões judiciais fora do seu território.
“A carta do departamento de justiça dos EUA a Moraes explicita que fomos nós, não eles, que violamos a soberania”, afirmou Marsiglia. O documento, que trata especificamente do caso da plataforma Rumble, repreende o STF por exigir da empresa ações diretas nos Estados Unidos, como bloqueio de contas, suspensão de transferências bancárias e fornecimento de dados ao tribunal brasileiro.
A crítica norte-americana se estende também ao procedimento utilizado pelo Supremo para tentar notificar a empresa, sem seguir os trâmites exigidos pelos acordos internacionais dos quais Brasil e Estados Unidos são signatários, como a Convenção de Haia e o Tratado de Assistência Jurídica Mútua entre os dois países.
“A carta explica a Moraes, com o didatismo usado a explicar a estudantes, que ele não pode, por decisão judicial, ordenar ações específicas dentro do território dos EUA, nem pode intimar/citar empresas estrangeiras sem obedecer tratados internacionais válidos”, sinalizou Marsiglia.
Para o especialista em liberdade de expressão, o episódio mostra que, ao tentar impor sua autoridade no exterior, o ministro do STF acabou desrespeitando normas diplomáticas e constitucionais internacionais.
“Moraes ouviu dos EUA que seu ímpeto em fazer valer sua própria vontade feriu a soberania daquele país e violou direitos de cidadãos estrangeiros”, acrescentou o advogado.
A carta dos EUA para Moraes
Endereçada ao Ministério da Justiça com destino final ao ministro Alexandre de Moraes, a carta enviada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos afirma, de forma direta, que ordens judiciais brasileiras não são executáveis em território norte-americano sem o devido reconhecimento legal.
No documento, obtido pela CNN Brasil, os EUA esclarecem que não vão se pronunciar sobre a validade das decisões do STF no Brasil, mas deixam claro que, quando essas ordens envolvem ações a serem cumpridas dentro dos Estados Unidos, elas “não são ordens judiciais executáveis”.
O texto ainda ressalta que, para que qualquer decisão judicial estrangeira seja efetivada nos Estados Unidos, é necessário que se inicie um processo de reconhecimento em uma corte americana competente.
“Para executar uma sentença cível estrangeira ou outra ordem judicial estrangeira em matéria cível nos Estados Unidos, a pessoa que busca a execução geralmente precisa iniciar um processo judicial nos Estados Unidos para reconhecer e executar a ordem estrangeira perante um tribunal norte-americano competente”, informou a carta.
O Departamento de Justiça também manifestou “preocupação quanto à forma de citação” feita pelo STF à empresa Rumble, observando que o Brasil ignorou o procedimento legal previsto por tratados internacionais.
Além disso, o órgão reforça que há barreiras legais nos EUA para reconhecer decisões estrangeiras, sobretudo em casos que envolvam possíveis violações ao devido processo legal ou conflito com os princípios de liberdade de expressão.