A SpaceX lançou uma tripulação de astronautas que assumirá as funções na Estação Espacial Internacional, substituindo os astronautas da Nasa Sunni Williams e Butch Wilmore — permitindo que a dupla retorne para casa após uma jornada que deveria durar alguns dias, mas se transformou em uma estadia de nove meses marcada por questões políticas.
A missão Crew-10, parte de uma rotação rotineira de equipe operada conjuntamente pela Nasa e pela SpaceX, decolou às 20h03 (horário de Brasília) nesta sexta-feira (14), a partir do Centro Espacial Kennedy, na Flórida.
Uma cápsula Dragon da SpaceX, transportada por um foguete Falcon 9 da empresa, levou os quatro astronautas da Crew-10 — Anne McClain e Nichole Ayers, da Nasa, Takuya Onishi, da Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial (JAXA), e o cosmonauta Kirill Peskov, da Roscosmos — para a órbita.
Os quatro tripulantes devem acoplar-se à estação espacial por volta das 0h30 (horário de Brasília) no domingo (16). Eles passarão alguns dias realizando um período de transição com Williams, Wilmore e seus companheiros da Crew-9, Nick Hague, da Nasa, e Aleksandr Gorbunov, da Roscosmos.
A cápsula da Crew-9 está acoplada à estação espacial desde setembro. Se tudo correr conforme o planejado, Williams, Wilmore, Hague e Gorbunov embarcarão na espaçonave da Crew-9 e retornarão à Terra no dia 19 de março.
A Nasa havia programado o retorno de Williams, Wilmore e dos outros astronautas da Crew-9 já para domingo. No entanto, sua partida depende da chegada segura da equipe de substituição — e a SpaceX cancelou uma tentativa de lançar a missão Crew-10 na quarta-feira devido a problemas nos sistemas terrestres da plataforma de lançamento da empresa.
A nova data se aproxima mais do prazo de partida previsto para o final de março, que a Nasahavia comunicado aos astronautas em dezembro, antes de a SpaceX decidir trocar a cápsula Dragon utilizada para a Crew-10, na tentativa de acelerar o retorno de Williams e Wilmore.
Tentativas de lançamento são frequentemente canceladas por questões técnicas, mas o pequeno atraso na decolagem da Crew-10 reacendeu discussões sobre Williams e Wilmore estarem “presos” ou “abandonados” no espaço — descrições que os dois astronautas rejeitam.
“Essa tem sido a narrativa desde o primeiro dia: presos, abandonados, encurralados — e eu entendo, nós dois entendemos”, disse Wilmore a Anderson Cooper, da CNN, em fevereiro. “Ajude-nos a mudar essa narrativa. Vamos mudá-la para: preparados e comprometidos, apesar do que você tem ouvido. É assim que preferimos.”
Após a transferência de responsabilidades para os astronautas da Crew-10, a Crew-9 poderá embarcar em sua cápsula e desacoplar — um marco que dará início à etapa final da jornada desafiadora de Williams e Wilmore.
Embora sua permanência no espaço tenha se tornado cada vez mais politizada, com o CEO da SpaceX, Elon Musk, e o ex-presidente Donald Trump afirmando que o governo Biden abandonou a dupla no espaço, Williams e Wilmore sabiam desde pelo menos o último verão que retornariam à Terra com a Crew-9 como parte da rotação rotineira da equipe.
A administradora interina da Nasa, Janet Petro, disse durante a transmissão do lançamento na sexta-feira que conversou com Williams, Wilmore e seus colegas de tripulação na semana passada.
Ela afirmou que suspeita que os quatro astronautas terão “emoções conflitantes”.
“Toda vez que alguém tem a chance de ir ao espaço — que é o que todos os astronautas querem — nunca se sabe se será a última vez, porque pode ser que não sejam selecionados para outra missão”, disse Petro. “Então, aposto que eles têm sentimentos mistos ao deixar seus colegas na estação espacial. Tenho certeza de que estão ansiosos para voltar para casa, pisar na Terra e passar tempo com a família — mas também acho que aproveitaram bastante sua estadia no espaço.”
Da Starliner à Crew Dragon
Williams e Wilmore iniciaram sua viagem para a Estação Espacial Internacional em junho, quando pilotaram o voo de teste tripulado inaugural da cápsula Starliner, da Boeing. No entanto, vários problemas surgiram durante o trajeto até a estação, incluindo falhas no sistema de propulsão e vazamentos de hélio. Esses desafios levaram a Nasa a estender a estadia de Williams e Wilmore na estação enquanto as equipes da missão avaliavam as questões técnicas.
Por fim, a Nasa decidiu, no último verão, que seria arriscado demais trazer Williams e Wilmore de volta a bordo do veículo da Boeing. Em agosto, a agência espacial anunciou que, em vez disso, os incorporaria à equipe oficial da estação espacial — tornando-os parte da rotação rotineira da tripulação —, o que os colocou no cronograma de retorno com a missão Crew-9 da SpaceX.
Os diretores da NASA tomaram essa decisão em vez de lançar uma missão separada fora do cronograma regular da estação, o que poderia custar milhões de dólares.
Steve Stich, gerente do Programa de Tripulação Comercial da Nasa, disse a repórteres em agosto que “simplesmente não fazia sentido acelerar um voo da SpaceX para trazer Butch e Suni de volta mais cedo.” Ele acrescentou que a Nasa “nunca considerou essa opção” — referindo-se à ideia de lançar uma missão separada da SpaceX dedicada exclusivamente a resgatar Williams e Wilmore, em vez de trazê-los de volta em um voo rotineiro já programado.
Em suas postagens mais recentes sobre o assunto na plataforma X, no entanto, Musk afirmou que a SpaceX poderia ter trazido Williams e Wilmore de volta para casa meses atrás, mas a oferta foi recusada por “razões políticas.”
Um ex-alto funcionário da NASA, no entanto, disse à CNN que a SpaceX nunca comunicou tal oferta à liderança da agência — e que, de qualquer forma, a Nasa provavelmente não teria considerado a ideia.
Se Musk fez a oferta a alguém fora da liderança da Nasa, a fonte observou: “Tenho certeza de que a resposta teria sido algo como: ‘Bem, isso nos custaria vários centenas de milhões de dólares a mais, que não temos, para uma nova cápsula Dragon e um Falcon 9.’”
Musk afirmou posteriormente que a oferta não foi feita à Nasa, mas levada diretamente à Casa Branca do governo Biden, que “se recusou a permitir.”
Não está claro por que tal acordo teria sido discutido com a Casa Branca, que normalmente não tem envolvimento nas designações de tripulação da NASA nem na gestão de pessoal da estação espacial.
Um ex-funcionário da Casa Branca não respondeu a um pedido de comentário.
Williams e Wilmore reagiram
Por sua parte, Williams e Wilmore afirmaram repetidamente que estão aproveitando sua estadia no espaço.
“Este é o meu lugar feliz”, disse Williams em setembro. “Adoro estar aqui no espaço. É simplesmente divertido. Todo dia você faz algo que é ‘trabalho’, entre aspas, mas pode fazer de cabeça para baixo, de lado, então isso adiciona uma perspectiva um pouco diferente.”
A dupla também tentou refutar as alegações de que o governo Biden os teria deixado para trás.
Embora reconheçam que houve momentos difíceis na missão, Williams e Wilmore insistiram que estavam bem preparados para prolongar sua estadia e que não foram abandonados.
“Temos roupas de sobra. Estamos bem alimentados”, disse Wilmore em janeiro.
Williams acrescentou: “Temos uma equipe incrível e — não, não sentimos que fomos abandonados.”
“Eventualmente queremos voltar para casa”, continuou ela, “porque deixamos nossas famílias há um tempo, mas temos muito a fazer enquanto estamos aqui.”
Ainda assim, Wilmore alimentou especulações sobre as declarações de Musk a respeito da suposta oferta para trazer os astronautas de volta mais cedo, durante uma coletiva de imprensa realizada da Estação Espacial Internacional em 4 de março.
“Só posso dizer que o que o Sr. Musk afirma é absolutamente verdadeiro”, disse Wilmore.
No entanto, ele acrescentou: “Não temos qualquer informação sobre um possível acordo oferecido pela SpaceX. O que foi oferecido, o que não foi, para quem foi oferecido, como esse processo ocorreu — essas são informações que simplesmente não temos.”
Como a Crew-9 trará Williams e Wilmore de volta
A cápsula da SpaceX que servirá como transporte para Williams e Wilmore de volta à Terra foi lançada em setembro, com Nick Hague, da Nasa , e Aleksandr Gorbunov, da Roscosmos, voando na Dragon da SpaceX com dois assentos vazios reservados para Williams e Wilmore.
Desde então, os quatro astronautas têm desempenhado atividades típicas da estação espacial — realizando caminhadas espaciais, conduzindo experimentos científicos e cuidando da manutenção rotineira da estação. Williams até assumiu o cargo de comandante da estação.
O retorno de Williams e Wilmore sempre esteve condicionado ao lançamento bem-sucedido da missão Crew-10. A Nasa tem enfatizado que é essencial que as duas equipes passem por um período de transição, pois essa troca é fundamental para a continuidade das operações da estação espacial.
Permitir que a Crew-9 retornasse antes da chegada da Crew-10 também deixaria apenas um astronauta dos EUA a bordo da estação espacial — Don Pettit, da Nasa, que chegou em setembro a bordo de uma espaçonave russa Soyuz. A Nasa e a agência espacial russa Roscosmos operam conjuntamente o laboratório orbital, junto com a Agência Espacial Europeia, a Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial (JAXA) e a Agência Espacial Canadense.
A Nasa busca manter pelo menos quatro astronautas dos Estados Unidos ou de agências parceiras a bordo da estação espacial o tempo todo.
Com a possibilidade de uma paralisação do governo, o porta-voz da Nasa , Steve Siceloff, disse à CNN que a missão Crew-10 não seria afetada, pois é considerada “crítica para a missão.”
“Você pode notar algumas mudanças no canal de transmissão caso a paralisação aconteça”, disse ele, referindo-se à Nasa TV. “Não seria uma situação em que o sinal desapareceria, mas provavelmente haveria menos cobertura”, acrescentou.