Apesar de pequeno, este rato de laboratório pode ter um impacto gigantesco. Com bigodes encaracolados e cabelos ondulados e claros que crescem três vezes mais do que os de um rato de laboratório comum, o roedor geneticamente modificado incorpora vários traços semelhantes aos do mamute lanoso, de acordo com a empresa de biotecnologia Colossal Biosciences.
A empresa privada de Dallas, nos Estados Unidos, está por trás dos esforços para ressuscitar o mamute e outros animais extintos.
A companhia disse que seu rato lanoso permitiria que os cientistas testassem hipóteses sobre a ligação entre sequências específicas de DNA e características físicas que permitiram que o mamute, extinto há cerca de 4.000 anos, se adaptasse à vida em climas frios.
“É um passo importante para validar nossa abordagem para ressuscitar características que foram perdidas para a extinção e que nosso objetivo é restaurar”, disse Beth Shapiro, diretora científica da Colossal, em um comunicado à imprensa na terça-feira (4).
Para criar o rato lanoso, a Colossal disse ter identificado variantes genéticas nas quais os mamutes diferiam de seu parente vivo mais próximo: o elefante asiático.
Os cientistas da empresa, então, identificaram 10 variantes relacionadas ao comprimento do cabelo, espessura, textura, cor e gordura corporal que correspondiam a variantes de DNA semelhantes e conhecidas em um rato de laboratório.
Por exemplo, os cientistas miraram um gene conhecido como FGF5 (fator de crescimento de fibroblastos 5), que mira o ciclo de crescimento capilar, criando cabelos mais longos e desgrenhados. Eles também alteraram a função de três genes relacionados ao desenvolvimento e estrutura do folículo capilar para criar textura de cabelo lanoso, pelagens onduladas e bigodes enrolados, disse a empresa em um comunicado à imprensa.
Outros genes-alvo incluíam o MC1R (receptor de melanocortina 1), que regula a produção de melanina, para produzir camundongos com pelos dourados em vez do pelo escuro usual e uma variante associada a mudanças no peso corporal.
No total, a equipe fez oito edições simultaneamente, usando três técnicas de ponta, em sete genes de camundongos.
A Colossal compartilhou um artigo científico não publicado, ou pré-impresso, descrevendo a pesquisa, que não passou por revisão por pares.
“Acho que a capacidade de editar múltiplos genes ao mesmo tempo em camundongos, e fazer isso e obter a aparência lanosa esperada, é um passo muito importante”, disse Love Dalén, professor de genômica evolutiva na Universidade de Estocolmo. Dalén é consultor da Colossal e foi coautor do artigo.
“É uma prova de princípio que a Colossal tem o know-how para fazer esse tipo de edição genética, incluindo a inserção de variantes genéticas gigantescas em uma espécie diferente.”
Apenas “ratos fofos e peludos”?
A pesquisa descrita no artigo não publicado foi tecnicamente impressionante e as mudanças genéticas precisas e eficientes, disse Robin Lovell-Badge, chefe do Laboratório de Biologia de Células-Tronco e Genética do Desenvolvimento do Instituto Francis Crick, em Londres.
“Meu maior problema com o artigo é que não há nada abordando se os camundongos modificados são tolerantes ao frio — por meio da introdução de características que são aparentes em mamutes — que é a justificativa dada para a realização do trabalho”, completou Lovell-Badge.
“Do jeito que está, temos alguns camundongos peludos e fofos, sem nenhuma compreensão de sua fisiologia, comportamento etc. Isso não os deixa mais perto de saber se eles eventualmente seriam capazes de dar a um elefante características úteis de mamute, e aprendemos pouco sobre biologia.”
A Colossal arrecadou US$ 435 milhões (cerca de R$ 2, 5 bilhões) desde que foi fundada em 2021 pelo empreendedor Ben Lamm e pelo geneticista da Universidade de Harvard, George Church.
A empresa planeja recriar o mamute, o dodô e o tigre da Tasmânia, ou tilacino, editando o genoma do parente vivo mais próximo de cada espécie para criar um animal híbrido que seria visualmente indistinguível de seu antecessor extinto. No final das contas, a empresa quer restaurar a fauna ao seu habitat natural.
No caso dos mamutes, a empresa argumenta que ter criaturas semelhantes a mamutes vagando pelo Ártico comprimiria a neve e a grama que isolam o solo, diminuindo a taxa de degelo do permafrost e a liberação de carbono contido neste frágil ecossistema. A Colossal disse anteriormente que está a caminho de introduzir os primeiros bezerros de mamute lanoso em 2028.
Os céticos argumentam que as enormes somas de dinheiro investidas no projeto poderiam ser melhor gastas em outro lugar. Criar e reproduzir os animais híbridos, eles dizem, poderia colocar em risco animais vivos usados como substitutos.
“Embora saibamos muito sobre genética de camundongos, sabemos muito menos sobre mamutes e elefantes. Ainda não se sabe quais seções do genoma são vitais para atingir os caracteres (necessários) para tornar um elefante apto para a vida no círculo polar ártico”, disse Tori Herridge, professora sênior da Escola de Biociências da Universidade de Sheffield, em uma declaração compartilhada pelo Science Media Centre. “Genes que estão ligados a pelos e gordura em animais bem estudados como camundongos são alvos óbvios, mas o diabo está nos detalhes.”
“A menos que você decida fazer TODAS as edições necessárias … no genoma, você só vai criar uma aproximação grosseira de qualquer criatura extinta, com base em uma ideia incompleta de como ela deveria ser. Você nunca vai ‘trazer de volta’ um mamute”, acrescentou ela.
Camundongos de laboratório são comumente geneticamente modificados para terem certas características, incluindo características humanas, a fim de conduzir pesquisas sobre doenças e desenvolvimento de medicamentos.
Rob Taft, cientista principal do The Jackson Laboratory, uma instituição de pesquisa biomédica que ajudou a criar ratos de laboratório humanizados, explicou que o rato lanoso era uma “extensão inovadora do uso do rato como um sistema modelo e uma abordagem inovadora para entender a fisiologia de animais que agora estão extintos”.
Sua maior dúvida era como a Colossal traduziria essa pesquisa de volta para os elefantes.
“Trabalhar com camundongos ou mesmo gado é relativamente fácil”, disse Taft. “Sabemos muito sobre reprodução nessas espécies e as tecnologias de reprodução assistida são bem desenvolvidas e usadas rotineiramente nessas espécies, mas há muito sobre reprodução de elefantes que não é conhecido e as tecnologias de reprodução assistida não são bem desenvolvidas para uso em elefantes.”