O incidente desta semana no Aeroporto Chicago Midway, nos Estados Unidos, onde uma aeronave da Southwest quase colidiu com um jato particular, é o mais recente de uma série de ocorrências que têm deixado passageiros apreensivos.
Nos EUA, esse episódio soma-se a um acidente fatal sobre o Rio Potomac, próximo ao Aeroporto Nacional Ronald Reagan, à queda de um jato Medevac, na Filadélfia, e ao desastre de uma companhia regional na costa de Nome, no Alasca, que resultou na morte de 10 pessoas.
Outros incidentes em fevereiro incluíram um voo da Delta, que precisou fazer um pouso de emergência em Atlanta devido a uma cabine tomada por fumaça, e o voo 4819 da mesma companhia, que sofreu um pouso forçado, capotou e ficou de cabeça para baixo no Aeroporto Internacional de Toronto Pearson – uma ocorrência surpreendentemente sem vítimas.
Esses acontecimentos na América do Norte vieram logo após os trágicos acidentes envolvendo a Jeju Air e a Azerbaijan Airlines, em dezembro de 2024, sem esquecer o preocupante desprendimento de um painel de porta de um Boeing, nos EUA, e a colisão em solo no Japão, ambos no ano anterior.
Diante desse cenário, a ansiedade entre os viajantes aumentou. Mas há motivo para preocupação?
“Não sei se os passageiros deveriam estar assustados, mas é fundamental que exijam das autoridades e das empresas aéreas o máximo de esforços para garantir a segurança dos voos”, afirma Anthony Brickhouse, especialista em segurança da aviação nos EUA.
Mesmo considerando os acidentes graves, ele ressalta: “Estatisticamente, é mais seguro estar em um avião do que dirigir até o aeroporto.”
Segundo Brickhouse, que tem décadas de experiência em engenharia aeroespacial e investigação de acidentes, “o transporte aéreo continua sendo o meio de locomoção mais seguro”.
Padrão preocupante
Após um acidente aéreo, a investigação para entender as causas e evitar novas tragédias é essencial, diz Brickhouse. No entanto, ele destaca que o Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA (NTSB), responsável por essas análises, não tem poder regulatório.
As recomendações do NTSB precisam ser implementadas por órgãos como a Administração Federal de Aviação (FAA), o que nem sempre acontece ou pode levar anos. “Esse processo precisa ser agilizado”, alerta Brickhouse.
Sobre o desastre em Washington, ele admite que, embora triste, não ficou surpreso. “Na segurança, observamos padrões – eventos que se repetem. E quando há sucessivos quase acidentes, mais cedo ou mais tarde, um deles se concretiza.”
A sequência de incidentes em aeroportos dos EUA no início de 2023 levou a FAA a criar uma equipe independente de revisão de segurança. O relatório final, divulgado em novembro do mesmo ano, apontou fatores preocupantes como financiamento instável, tecnologia ultrapassada, falta de controladores de tráfego aéreo e requisitos de treinamento excessivos – desafios que comprometem a segurança.
A FAA anunciou medidas emergenciais, incluindo a contratação e o treinamento de novos controladores. No entanto, a escassez desses profissionais ainda pressiona o sistema aéreo americano.
No dia do acidente em Washington, um único controlador acumulava duas funções e gerenciava tanto o tráfego local quanto o de helicópteros, o que, segundo uma fonte da aviação, não é incomum.
“Extremamente seguro”
Apesar dos desafios, os dados continuam favoráveis à segurança da aviação.
“O acidente em Washington foi um evento trágico, mas isolado”, diz Guy Gratton, professor de aviação e meio ambiente na Universidade de Cranfield e piloto comercial no Reino Unido e nos EUA.
O relatório de segurança da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), publicado em fevereiro de 2025, mostra que, em 2024, ocorreu um acidente a cada 880 mil voos – sete deles fatais em um total de 40,6 milhões de decolagens. Foram registradas 244 mortes a bordo, um aumento em relação às 72 do ano anterior. O relatório de 2023 já havia classificado aquele ano como “excepcionalmente seguro”.
A taxa de acidentes foi de 1,13 por milhão de voos em 2024, um leve aumento em relação ao índice de 1,09 em 2023. No entanto, os números mostram uma melhora significativa ao longo dos anos: entre 2011 e 2015, a média era um acidente a cada 456 mil voos, enquanto agora é um a cada 810 mil.
Ainda assim, dados da Bloomberg indicam que 2024 foi o ano mais fatal para a aviação desde 2018, quando mais de 500 pessoas perderam a vida em acidentes, incluindo o da Lion Air, o primeiro causado por falhas no Boeing Max.
Segundo a IATA, a segurança aérea melhorou 61% na última década. Estudo liderado por Arnold Barnett, professor do MIT, destaca essa evolução. Entre 2018 e 2022, o risco de morte em um voo foi de 1 em 13,7 milhões de embarques – estatisticamente menor do que a chance de ser atacado por um tubarão ou de dar à luz quadrigêmeos.
Esse número já havia melhorado em relação ao período entre 2008 e 2017 (1 em 7,9 milhões) e caiu drasticamente comparado aos anos de 1968 a 1977, quando o risco era de uma morte a cada 350 mil embarques.
Nos últimos 50 anos, a segurança aérea avançou significativamente. “Hoje, o risco de morrer em um acidente de avião é 38 vezes menor do que na década de 1970”, afirma Barnett.
Após a tragédia em Washington, Brickhouse espera que as falhas do sistema ganhem mais visibilidade. “Colocar um holofote nessas questões pode nos dar a oportunidade de melhorar onde for necessário”, conclui.
Gratton concorda. “Claramente, houve uma falha nos sistemas”, disse ele sobre o acidente em Washington, acrescentando que as recomendações para evitar novas tragédias serão aplicadas imediatamente nos EUA e, em seguida, em outros países.
“O simples fato de que isso acontece é o que torna a aviação tão segura”, afirmou.
Ele comparou a resposta global da aviação a acidentes aéreos com a maneira como outros tipos de tragédias são tratados.
“Se um acidente de trânsito matasse 20 pessoas na rua da sua casa, haveria um relatório detalhado em um ano, com recomendações sendo implementadas nacionalmente? Não, porque o sistema de transporte rodoviário não é nem de perto tão rigoroso quanto a aviação na investigação de falhas e na implementação de melhorias. E é isso que garante a segurança dos voos.”
Aprendendo com os erros
No entanto, nem tudo é tranquilizador. Tanto Gratton quanto Geoffrey Thomas, editor do site de aviação 42,000 Feet e fundador do AirlineRatings, apontam que a ocorrência de três acidentes fatais em um único mês — com as companhias Jeju Air, Azerbaijan Airlines e American Airlines — reflete um cenário mais complexo, marcado pelo aumento do tráfego aéreo e pelo crescimento de zonas de conflito.
Gratton também alerta para um fenômeno chamado “normalização da deviação” no acidente em Washington — quando práticas irregulares vão sendo aceitas como normais, em vez de seguir rigorosamente os protocolos de segurança.
“Um exemplo clássico é que, até 1912, era comum que os navios cruzassem o Atlântico Norte em alta velocidade, mesmo em áreas repletas de icebergs”, disse ele. O naufrágio do Titanic mudou essa prática.
“Mas estamos em 2025, não em 1912 — o que precisamos fazer é antecipar problemas, analisar os quase-acidentes, avaliar probabilidades estatísticas e usar esses dados para aprimorar a segurança”, continuou.
“Quando deixamos de fazer isso e seguimos com práticas inseguras, chamamos isso de normalização da deviação. E acho que há um argumento sólido para dizer que foi isso que aconteceu nesse caso.”
Gratton afirma que um helicóptero não teria permissão para sobrevoar em baixa altitude sob uma aeronave em procedimento de pouso no Aeroporto de Heathrow, em Londres. Após o acidente em Washington, o corredor aéreo usado pelo helicóptero foi fechado indefinidamente pela FAA, segundo um porta-voz da agência.
Já Thomas fez críticas à classe política dos EUA em relação à série de incidentes recentes.
“Minha opinião é que o Congresso dos EUA tem sistematicamente negado à FAA o financiamento necessário, comprometendo a qualidade da supervisão da aviação e do controle de tráfego aéreo”, disse ele logo após o acidente em Washington. “Quase todos os anos vemos disputas políticas sobre o orçamento da FAA.”
Em julho de 2024, grupos do setor aéreo pressionaram o Congresso a cobrir os déficits de financiamento da agência.
“Agora há um jogo de empurra, mas a verdade é que tanto republicanos quanto democratas cortaram recursos da FAA, impedindo que os EUA tenham o melhor sistema de controle de tráfego aéreo do mundo”, disse Thomas.
“É um ótimo sistema — esse foi o primeiro acidente fatal desde 2009 e o mais grave desde 2001 — mas é o melhor? Não.”
Mesmo assim, os especialistas reforçam que voar continua sendo o meio de transporte mais seguro.
“As pessoas tendem a pensar apenas no voo que estão prestes a pegar, mas a realidade é que há mais de 100 mil voos comerciais por dia no mundo. É extraordinariamente seguro”, disse Thomas.
“Voar é incrivelmente seguro”, reforçou Gratton. “E todos os processos criados ao longo dos anos para garantir essa segurança ainda estão em vigor.”
Lidando com o medo de voar
Se a preocupação com a segurança dos voos persiste, saiba que você não está sozinho. Segundo a Cleveland Clinic, a aerofobia — medo de voar — afeta mais de 25 milhões de adultos nos Estados Unidos. Diferente da ansiedade ocasional, a aerofobia se caracteriza por um medo intenso que interfere na vida da pessoa por seis meses ou mais.
Cancelar um voo pode parecer a solução mais fácil, mas, segundo a psiquiatra Gail Saltz, do Weill Cornell Medical College, isso pode reforçar o medo e dificultar sua superação.
“Cada vez que você evita um voo, seu mundo fica um pouco menor, enquanto seu medo se torna maior”, explicou Saltz ao CNN Travel.
Ela também alerta que recorrer a álcool ou medicamentos para lidar com a ansiedade pode ser prejudicial. A solução, segundo ela, está na terapia de exposição — ou seja, enfrentar o medo, idealmente com o acompanhamento de um profissional.
Isso não significa embarcar em pânico. Saltz recomenda técnicas como meditação, relaxamento muscular progressivo e respiração profunda ritmada por 10 minutos antes do voo. Assistir a um filme, ouvir música ou conversar com um companheiro de viagem também pode ajudar.
Muitas pessoas com medo de voar se sentem mais confortáveis ao entender melhor como os aviões funcionam. Algumas companhias aéreas europeias oferecem cursos específicos para isso. O mais famoso é o Flying with Confidence, da British Airways, que inclui palestras com pilotos e tripulantes, apoio de um psicólogo e um voo real no final do treinamento.
Outros passageiros ansiosos apostam em métodos alternativos, como hipnoterapia ou EFT tapping (técnica de estimulação de pontos de acupuntura). O mais importante, segundo Saltz, é saber que a aerofobia é “altamente tratável”. Basta encontrar o que funciona melhor para você.
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*Pete Muntean, Alexandra Skores, Kristen Rogers, Jacopo Prisco, Rebekah Riess e Lex Harvey, da CNN, contribuíram para esta matéria