O Bahia entra em campo nesta terça-feira (18) para o seu jogo mais importante em três décadas. Primeiro clube brasileiro a disputar a Libertadores, o Esquadrão retorna à competição internacional após 36 anos desde a última participação.
A equipe de Rogério Ceni enfrenta o The Strongest, da Bolívia, nos mais de 3,6 mil metros de altitude do estádio Hernando Siles, em La Paz, pela segunda fase da Libertadores.
Esta será a quarta vez que o Tricolor de Aço disputa o principal torneio de clubes das Américas. Na última vez que participou, em 1989, foi mais longe que qualquer outro nordestino na história da competição, mas a eliminação ficou marcada por polêmicas.
Para René Simões, então técnico do Bahia na época, o jogo que marcou a despedida do time naquela edição não deveria ter acontecido.
Em entrevista exclusiva à CNN Brasil, o treinador, que disse querer voltar ao futebol, contou os detalhes da noite de 26 de abril de 1989, dia do jogo da volta entre Bahia e Internacional, na antiga Fonte Nova, pelas quartas de final da Libertadores.
Naquela partida, o Esquadrão precisava reverter a vantagem do Internacional, que tinha vencido a partida de ida por 1 a 0, no Beira-Rio. Já a equipe gaúcha, que esteve no mesmo grupo do Bahia na 1ª fase, queria a revanche pela derrota na decisão do Brasileirão de 1988, vencida pelo time de Salvador.
“Chovia muito na Bahia, muito. Caiu o mundo. Eu lamento muito que o Arnaldo Cezar Coelho tenha dado jogo. Eu fui ao campo com ele, ele jogava a bola e a bola não rolava. Eu dizia: ‘Arnaldo, não dá para jogar. Não dá. É impossível, isso não vai ser jogo, vai ser polo aquático’”, relembra Simões à CNN.
Antes do confronto, em meio ao temporal, o treinador — que anos depois comandaria a Seleção Brasileira Feminina, Botafogo, Fluminense e o rival Vitória, entre outros — chegou a conversar com o então presidente do Bahia, Paulo Maracajá, pedindo que ele fizesse algo para que a partida não acontecesse.
Eu disse: ‘Presidente, não pode ter esse jogo. Não é jogo de futebol, não podemos jogar isso. Dê um jeito, acabe com a luz, faça qualquer coisa, mas não pode. É desonesto ter esse jogo’. Mas o Arnaldo bateu o pé e teve jogo, lamentavelmente
René Simões
A situação, segundo ele, também deixou os atletas do Tricolor revoltados: “Aquilo deixou eles muito aborrecidos. Não teve jogo”.
“O nosso time era mais leve e mais técnico do que o do Internacional. O Internacional era acostumado a jogar em campos pesadíssimos, essa é uma realidade do Sul, não era o nosso caso. E aí o jogo foi completamente eles tirando [a bola]. Estavam com 1 a 0, e a gente tinha que fazer gol”, acrescentou.
Mesmo com o campo encharcado e as dificuldades para jogar, a torcida do Bahia empurrava o time, que seguiu tentando marcar. Em uma das oportunidades, o centroavante Charles perdeu um gol que poderia ter mudado o destino do time.
“Numa dessas o Charles consegue se livrar do Taffarel e tocar para dentro do gol. Só que ele tocou rasteiro, né? Essa bola parou quase em cima da linha do gol. Ela não entrou.”
No fim, o jogo terminou 0 a 0, e o Bahia deu adeus ao sonho do título continental. No entanto, para René Simões, a equipe mostrou que poderia ir mais longe na Libertadores.
“Com o time que nós tínhamos, eu tinha certeza que a gente ia chegar lá, mesmo não tendo toda a experiência que eu tenho hoje. Talvez fizesse um jogo um pouco diferente, com a bola um pouco mais longa. Mas, mesmo assim, nós não jogamos mal. Eu acho que nós merecíamos ganhar aquele jogo. Foi um resultado que foi a água mesmo, não foi o adversário”, pontuou.
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Na época, o jovem treinador de 37 anos já não contava no elenco com Bobô, principal jogador na conquista do Brasileirão de 1988 e que tinha se transferido para o São Paulo. No entanto, ele destaca que, mesmo sem o astro do título nacional, o Tricolor de Aço ainda era um time forte.
Primeira coisa que a gente tem que enfatizar é que, se fosse hoje, eu teria sido campeão tranquilo com aquele time. Pelo que eu sei de futebol, pelo o que eu tenho estudado nos últimos tempos. Por toda vivência. Eu era um garoto. O Bahia tinha um timaço
René Simões
Nas semifinais, o Internacional de Abel Braga caiu para o Olimpia, do Paraguai, em uma eliminação traumática. O Colorado abriu vantagem em Assunção, mas perdeu no Beira-Rio, levando a partida para os pênaltis. Nas cobranças alternadas, os paraguaios se saíram melhor e avançaram para a final.
O Decano, porém, perdeu a decisão, também nos pênaltis, para o Atlético Nacional, da Colômbia — clube que na época tinha uma relação estreita com o traficante Pablo Escobar e o Cartel de Medellín.
Há 36 anos, o Bahia, que já tinha disputado as edições de 1960 e 1964 da Libertadores, iniciou a competição no Grupo 2, junto com Internacional (seu futuro algoz), Marítimo e Deportivo Táchira, os dois últimos da Venezuela.
A equipe baiana, então comandada por Evaristo de Macedo, avançou em primeiro lugar no grupo (10 pontos), invicto, com quatro triunfos e dois empates. Deportivo Táchira e Inter passaram em segundo e terceiro, respectivamente.
😍 Taça Libertadores. 1989.
Não nos deixaram chegar ainda mais longe… Quem sabe agora? #JuntosVoltaremos pic.twitter.com/Ga9Uy7zOP3
— Esporte Clube Bahia (@ecbahia) November 23, 2017
René Simões assumiu o time já nas oitavas de final, contra o Universitario, do Peru. O jogo da ida em Lima terminou 1 a 1, e o Esquadrão avançou após vencer a volta, na Fonte Nova, por 2 a 1.
Na fase seguinte, o Esquadrão enfrentou o Colorado e acabou eliminado.
A desclassificação pesou para a demissão de René Simões, que deixou o clube pouco tempo depois, antes da decisão do Campeonato Baiano daquele ano.
“Era um título que deixava a torcida super empolgada. Tinha um cara de TV [em Salvador] que me dava um apoio absurdo. Depois desse jogo, ele começou a me massacrar. Anos depois, eu vi no jornal ‘A Tarde’ uma entrevista em ele que dizia que o maior sonho da vida dele era conhecer o Japão. Então, na cabeça dele, eu acabei com o sonho dele. Nós perdemos o jogo.”
Para 2025, René Simões projeta o Bahia como “um dos 10 times que vão brigar pelo Brasileirão”. No entanto, ele ressalta que a disputa da Libertadores é “outra história”.
“Acho que vai ser muito interessante o Campeonato Brasileiro deste ano, a Libertadores também. Boca Juniors e River Plate estão se reforçando. Então a briga vai ser bem grande”, afirmou.
Perguntado se o time deste ano é melhor que o de 1989, Simões foi cauteloso. “Era um futebol diferente. Essa comparação é difícil de fazer”.
No entanto, o ex-treinador do Bahia destacou uma das peças daquele time que fez história ao ir até as quartas de final da Libertadores.
“O meu cabeça de área era muito elegante. O Paulo [Rodrigues] era muito elegante. Guardando todas as proporções, ele tinha a elegância do Falcão jogando, a elegância do Didi. Eu gostava muito de ver ele jogar”, concluiu.