Na semana passada, o projeto de lei (PL) que estabelece a eleição direta para presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) andou no Congresso Nacional. O texto passou para a relatoria da deputada federal Bia Kicis (PL-DF).
Apresentado pelo ex-deputado Guiga Peixoto (PSC-SP), o texto foi idealizado pelo jurista Alfredo Scaff, pré-candidato a presidente da seccional da OAB em São Paulo. “Trata-se de uma resposta à vontade expressa da maioria dos advogados”, constatou Scaff, sobre o projeto.
Conforme o advogado, a OAB tem se distanciado da sociedade. “Precisamos restabelecer a dignidade e o respeito pela profissão de advocacia junto aos órgãos de Justiça e, igualmente importante, perante a sociedade civil”, observou, ao mencionar que a Ordem se tornou ideologizada.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Por que o senhor defende a eleição direta para presidente da OAB?
Trata-se de uma resposta à vontade expressa da maioria dos advogados, que veem na eleição direta um ato de respeito individual a cada membro da advocacia e ao resultado democrático da maioria. Em 1984, a OAB liderou e promoveu as eleições diretas para a Presidência da República. Portanto, é inconcebível que a mesma entidade, essencial à administração da justiça e a maior organização civil liberal e autônoma do país, continue a ignorar o direito de escolha de 1,3 milhão de colegas. O direito fundamental da democracia representativa, de eleger legitimamente o presidente do Conselho Federal, deve ser garantido. A situação atual é inadmissível e inaceitável.
Na hipótese de o senhor se tornar presidente da OAB futuramente, como será sua gestão?
Será uma gestão direcionada para alcançar resultados concretos e atender às expectativas de toda a classe. Isso implica restabelecer a dignidade e o respeito pela profissão de advocacia com os órgãos de Justiça e, igualmente importante, perante a sociedade civil. Esse tem de ser o passo inicial para recuperar o tempo perdido por administrações anteriores que nos deixaram com derrotas diárias, tanto no exercício livre da profissão, respeitando nossas prerrogativas, quanto na percepção da sociedade civil, que atualmente desconfia da entidade. É essencial que a entidade retome seu papel de liderança na defesa e na proteção da advocacia, bem como na participação ativa e assertiva nas discussões sobre problemas legais e constitucionais que impactam toda a sociedade civil e a ordem jurídica. Temos a liberdade e a independência de uma entidade que não depende de recursos públicos; nossos recursos provêm exclusivamente das contribuições dos colegas. Portanto, precisamos de uma liderança corajosa e independente capaz de representar efetivamente a voz da advocacia diante do ordenamento jurídico e da sociedade civil. Uma OAB silenciosa é uma OAB inexistente.
Como o senhor tem avaliado a atuação da OAB nos últimos anos?
Não tem atuado, não reage. O que temos visto é uma postura reativa diante de desafios impostos por certos agentes de poder. A falta de respeito pela advocacia é atribuída à própria entidade, que não tem se posicionado com a devida firmeza e autoridade diante dos outros órgãos judiciais. Essa postura resulta na desvalorização da profissão perante a sociedade civil e gera dificuldades cotidianas para os advogados no exercício de suas funções nos tribunais e com a população. É imperativo que a OAB recupere sua estatura e influência. Atualmente, a instituição é vista como diminuída, silenciosa, omissa, temerosa e ineficaz. A OAB atual não tem gerado resultados concretos nem contribuído para a valorização da advocacia em um contexto mais amplo. É urgente que a OAB atue de maneira a assegurar o respeito devido por parte de todos e para todos; e que exija o cumprimento das normas constitucionais processuais, em especial o devido processo legal e a presunção de inocência, que são garantias fundamentais para toda a sociedade.
“Uma OAB silenciosa é uma OAB inexistente.”
A Ordem está ideologizada?
Sim. Infelizmente, os atuais dirigentes têm adotado uma postura ideológica que não corresponde aos anseios objetivos e construtivos necessários ao cotidiano laboral da classe. O desejo é que os líderes possuam a capacidade de guiar com firmeza, a coragem de fazer reivindicações justas e a autonomia de ação que é inerente à entidade, assegurando assim uma voz ativa e constante dentro dos princípios constitucionais. O que se busca é a aplicação direta e íntegra da lei, sem favorecimentos nem privilégios.
O que o senhor pensa sobre a “saidinha”?
É fundamental que o processo legislativo seja integralmente respeitado. A OAB possui o direito de sugerir alternativas e soluções durante esse processo, mas não deve interferir na decisão final de veto ou sanção, pois tal ação desrespeita a autonomia do Parlamento e o término de um processo legislativo independente. Qualquer alteração na legislação deve ser conduzida pelo Congresso Nacional, refletindo assim a vontade popular. Quando a OAB se posiciona politicamente, pode fazer parecer que não atende aos desejos da classe que representa, assumindo um papel que não lhe compete. O papel da OAB é debater, expressar opiniões e tomar posições, sempre respeitando a produção legislativa, que é a manifestação da vontade popular baseada nos fatos que impactam a sociedade. Caso o instituto da “saidinha” tenha perdido sua finalidade e represente um risco para a sociedade, cabe aos deputados e senadores decidirem sobre possíveis mudanças.
Qual a sua avaliação a respeito do ministro Alexandre de Moraes?
É fundamental que todos os ministros das Cortes Superiores possuam a capacidade jurídica necessária para desempenhar suas funções jurisdicionais. Naturalmente, espera-se que esses indivíduos sirvam como exemplo para todo o Poder Judiciário, visto que detêm a responsabilidade final na aplicação da lei aos casos concretos. Algumas decisões têm sido interpeladas por desrespeitarem princípios constitucionais básicos, o que sugere a necessidade de revisão pelo colegiado. A existência de um órgão colegiado visa justamente a evitar que decisões equivocadas e individuais prevaleçam, causando injustiças. O Judiciário deve, acima de tudo, atuar como pacificador, e cada magistrado deve estar ciente de que medidas extremas devem ser tomadas apenas quando absolutamente necessárias, diante de um risco social iminente. Um Judiciário percebido como pacificador e que respeita as garantias constitucionais fortalece a segurança jurídica e contribui para o desenvolvimento do país. Nesse contexto, é importante que ministros, como Alexandre de Moraes, assim como seus colegas, estejam dispostos a revisar suas decisões em prol da justiça e do respeito às normas constitucionais.
“A falta de respeito pela advocacia é atribuída à própria entidade, que não tem se posicionado com a devida firmeza.”
O senhor defende a anistia para os presos do 8/1?
Primeiramente, é essencial esclarecer que toda conduta criminosa deve ser individualizada, assim como o processo, respeitando o devido processo legal, a presunção de inocência e o contraditório, bem como a competência do foro conforme previsto legalmente. Se qualquer dessas garantias constitucionais for violada, entendo que o processo é nulo e deve ser declarado como tal. A anistia representa a última alternativa que a Constituição oferece ao Poder Legislativo para reverter certos fatos e eventos em favor da pacificação e da tranquilidade social. Ela é o recurso final após um processo judicial ter sido completamente esgotado, em que o legislador atende a um desejo social de alteração radical de qualquer decisão proferida, justa ou injusta. Devemos aguardar a manifestação da sociedade, que certamente deve ser considerada pelo Parlamento.