domingo, novembro 24, 2024
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O curso de acordo da PGR oferecido a presos do 8 de janeiro

Hitler foi um ditador de direita e esse espectro político é um dos responsáveis pelo Holocausto”; “O STF é o Poder Moderador”; “As Forças Armadas são submissas ao tribunal”; “A urna eletrônica é segura e há lisura no processo eleitoral”. Esses são alguns tópicos que uma professora paulistana de 47 anos teve de escutar durante o Curso da Democracia, oferecido a presos por causa do 8 de janeiro que assinaram o acordo de não persecução penal (ANPP) da Procuradoria-Geral da República (PGR). O ANPP é uma forma que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), encontrou para se livrar de milhares de pessoas acorrentadas a tornozeleiras eletrônicas e perturbadas diariamente por “medidas restritivas” há mais de um ano. O acordo da PGR é oferecido apenas aos detidos no Quartel-General do Exército, em Brasília, em 9 de janeiro de 2023. Quem não aceita a proposta corre o risco de ir ao julgamento em “lotes” no plenário virtual do STF e passar os próximos 17 anos na cadeia.

“Aquilo me pareceu um tremendo processo de lavagem cerebral”, resumiu a Oeste a docente obrigada a escutar o palavrório dividido em quatro módulos pela Escola Superior do Ministério Público da União. A primeira fase dos estudos trata de democracia e abrange o desenvolvimento histórico e direitos fundamentais. A segunda e terceira etapas consistem na explicação de como funcionam Executivo, Legislativo e Judiciário, além de discorrer a respeito da “submissão das Forças Armadas aos Poderes Civis constituídos”. Por fim, os alunos aprendem o “conceito de golpe militar”, rememoram a “ditadura e suas violações”, entendem a importância do surgimento da Comissão da Verdade e se debruçam sobre os crimes contra o Estado Democrático de Direito. “É interessante não terem citado Cuba, Venezuela ou China na aula”, recordou a acadêmica.

8 de janeiro
O Brasil tem milhares de presos políticos acorrentados a tornozeleiras eletrônicas e cumprindo ‘medidas restritivas’, devido ao 8 de janeiro | Foto: Wellington Firmino

Quando os “estudantes” chegam ao local das aulas, no fórum criminal especificado pela Justiça, são orientados a desligar o celular, não usar qualquer tipo de aparelho eletrônico e evitar conversas paralelas entre si. As aulas são observadas atentamente por servidores do Judiciário, que fiscalizam os manifestantes do 8 de janeiro. Segundo a professora, o clima é bastante “policialesco e intimidador”. Há inúmeros relatos de colegas dela em outros Estados que são obrigados a entregar o smartphone antes de entrar no local para acompanhar as sessões no tribunal.

As 12 horas do curso de quatro dias, que já pareciam intermináveis, somaram-se a outras medidas que prolongaram a agonia da professora. Para se livrar da tornozeleira eletrônica, teve de depositar R$ 5 mil em juízo — há casos em que a multa chega a R$ 10 mil. A quantia foi obtida com a ajuda de parentes. Divorciada, a mulher que vive com dois filhos, sendo um menor de idade, sobrevive graças à ajuda de um irmão. Em virtude do estigma de ter sido presa, mesmo sem o cometimento de algum crime, ela tem dificuldade para encontrar emprego. Um dos entraves foi o cumprimento de 150 horas de um “serviço social” previsto no ANPP. Num primeiro momento, teve de limpar banheiros de uma escola pública, mas depois conseguiu fazer serviços menos braçais e passou a desempenhar funções administrativas em uma creche. “Tudo isso sem ter feito nada de errado, pois minha intenção era me manifestar pacificamente, mas acabei admitindo uma série de coisas que não fiz nesse ANPP”, observou a mulher, em alusão aos dois crimes de menor potencial que precisou assumir no inquérito do STF: associação criminosa e incitação ao crime.

Via Revista Oeste

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