Com vista privilegiada para o rio Danúbio, o Hotel Gellért sempre foi um símbolo de esplendor arquitetônico e orgulho de Budapeste, na Hungria.
Desde sua inauguração em 1918, esse marco do estilo Art Nouveau recebeu membros da realeza, artistas e líderes mundiais, consolidando seu lugar na história de uma cidade que chegou a ser uma das capitais mais impressionantes da Europa antes de enfrentar o declínio imposto por décadas de comunismo.
O Gellért testemunhou todos esses períodos turbulentos — e, inevitavelmente, sentiu os efeitos do tempo. Após funcionar ininterruptamente por décadas, fechou as portas em 2019, com sua riqueza e os interiores visivelmente desgastados.
Nos últimos anos, apenas o spa vizinho, ainda que também com sinais de desgaste, seguiu funcionando como uma das principais casas de banho termais de Budapeste. Já o hotel permaneceu fechado, com seu saguão antes movimentado tomado por móveis antigos, visível apenas através de janelas empoeiradas.
Agora, mais de um século após sua estreia, o icônico hotel vive um renascimento completo. Com reabertura prevista para 2027 sob a renomada rede Mandarin Oriental, o novo Gellért promete unir sua rica história à sofisticação contemporânea.
Alta sociedade
Projetado pelos arquitetos húngaros Ármin Hegedűs, Artúr Sebestyén e Izidor Sterk, o hotel foi revolucionário para sua época: oferecia telefone nos quartos, água termal encanada e até torneiras com água gaseificada.
Os hóspedes podiam pagar em suas moedas de origem e contavam com o primeiro serviço de transfer do aeroporto na Hungria — pequenos detalhes que estabeleceram grandes padrões na hotelaria do início do século XX.
As termas do hotel se tornaram um enorme atrativo, atraindo visitantes de perto e de longe.
Na década de 1930, o Gellért já era o epicentro da alta sociedade de Budapeste. Ao longo dos anos, passou a receber figuras como o Marajá de Kapurthala — um dos últimos soberanos dinásticos da Índia —, o prefeito de Nova York Jimmy Walker e o xá Reza Pahlavi, do Irã.
O ex-presidente Richard Nixon hospedou-se no Gellért, assim como estrelas de Hollywood como Jane Fonda, que buscava discrição dentro de seus muros. O violinista Yehudi Menuhin encontrou inspiração na tranquilidade do local. Elizabeth Taylor e Richard Burton ficaram no hotel durante filmagens na cidade — e conta-se que foi ali que Burton lhe deu o famoso diamante Krupp.
O fascínio em torno do Gellért chegou ao cinema: elementos do filme “O Grande Hotel Budapeste”, de Wes Anderson, parecem ter sido inspirados em seu charme excêntrico. Assim como o fictício hotel do filme, o Gellért teve seu glamour do período entre guerras ofuscado nos anos seguintes — no caso real, por uma funcionalidade fria de estilo soviético nos anos 1970.
Felizmente, o hotel da vida real está prestes a renascer. Reconhecendo seu valor cultural, o grupo de investimentos húngaro BDPST adquiriu o imóvel em 2022 e iniciou, em outubro de 2024, uma ambiciosa restauração. Guiado por rígidos princípios de preservação do patrimônio, o projeto quer devolver ao Gellért seu lugar de prestígio na cidade.
“Costumamos pensar em edifícios históricos como parte da nossa vida — mas, no caso do Gellért, vejo o contrário: somos nós que, por um breve momento, fazemos parte da vida dele”, diz Zoltán Kecskeméthy, diretor da BDPST Real Estate Development.
Tesouro nacional
Para Kecskeméthy, o Gellért é um verdadeiro tesouro nacional — testemunha de guerras, revoluções e gerações da vida húngara. “Não é só um hotel”, ele afirma. “É um símbolo.”
“Queremos que os visitantes internacionais sintam que estão entrando em uma história muito maior que eles — e que os húngaros voltem a sentir que esse prédio também é deles. Se fizermos bem o nosso trabalho, vamos entregar algo ainda mais significativo do que encontramos.”
A nova versão do hotel contará com 134 quartos, incluindo 34 suítes, combinando tradição e conforto contemporâneo. Espaços emblemáticos como o saguão, o Salão Danúbio e a Sala Gobelin estão sendo restaurados com base em fotografias antigas e plantas originais.
O estúdio britânico Alexander Waterworth Interiors assina o design de interiores, enquanto o escritório húngaro Archikon Architects cuida do projeto arquitetônico.
Demolições recentes na Sala Gobelin revelaram elementos originais há muito escondidos. Sob camadas de tinta adesiva verde, ressurgiram padrões decorativos em vermelho. Um teto artesonado, antes ocultado por um forro da era comunista, foi cuidadosamente descoberto, revelando o requinte da construção original. Essas descobertas vêm guiando a equipe na missão de devolver ao espaço o esplendor de 1918.
Embora os alicerces do hotel sejam históricos, o futuro está no centro da renovação. “Acreditamos que a inovação faz parte do DNA do Gellért”, diz Kecskeméthy.
“Na sua época de ouro, o hotel foi pioneiro em muitos aspectos: alguns hóspedes chegavam de hidroavião vindos de Viena; todos os quartos tinham telefone — algo raro à época. A água termal era canalizada diretamente para os banheiros, e havia até torneiras com água com gás. Tudo isso virou notícia no mundo inteiro. A piscina de ondas do spa também era extremamente avançada para a época.”
Esse espírito visionário continua vivo. Entre as novidades, haverá um sky bar no terraço — uma adição moderna que dialoga com o arrojo do design original. “Queremos resgatar o espírito de progresso que sempre fez do Gellért algo especial. Respeitando sua história e tradição, queremos que ele volte a ser isso — com um olhar voltado para o século XXI.”
Palco da história
A transformação vai além da arquitetura. Como observa Gábor Zsigmond, diretor do Museu Nacional Húngaro, “o Gellért sempre foi um símbolo de Budapeste — um espaço central da vida social e cultural, sinônimo de luxo, bem-estar e gastronomia.”
De bailes glamorosos no período entre guerras a encontros diplomáticos importantes, o hotel foi palco da história húngara. Arquitetonicamente, é um dos exemplos mais marcantes do Art Nouveau húngaro, enriquecido por toques orientais e modernos que o tornam único na cidade.
“No passado, era conhecido por seus eventos sociais, pelo luxo e pelos hóspedes ilustres”, diz Zsigmond. “No futuro, como parte da rede Mandarin Oriental, deve seguir destacando seu legado histórico e cultural, agora aliado ao conforto de alto padrão contemporâneo — o que deve atrair também as novas gerações.”
A restauração respeita as peculiaridades do passado. Enquanto as famosas Termas Gellért, vizinhas ao hotel, continuam sob administração municipal, o novo spa da propriedade oferecerá experiências exclusivas da Mandarin Oriental. A gastronomia também vai unir tradição e inovação, com restaurantes pensados para agradar tanto os moradores locais quanto os visitantes de fora.
Kecskeméthy faz questão de ressaltar o desejo de que o hotel volte a ser relevante para os húngaros. “Queremos que nossos restaurantes sejam frequentados pelos moradores, como eram antigamente. Este hotel já foi o centro da vida social de Budapeste. Queremos reviver esse sentimento.”
A parceria com a Mandarin Oriental é vista como essencial para esse objetivo. “Eles não impõem um padrão. Trabalham em colaboração para criar algo único”, diz ele. “Eles se importam com a cultura, os parceiros, o lugar — e isso é especialmente importante quando se trata de desenvolver um spa dentro de um hotel como este.”
Cada decisão, desde os tratamentos até o design, é pensada com foco na durabilidade. A equipe avalia quais experiências e elementos estéticos serão atemporais na reabertura e continuarão relevantes nos anos seguintes.
À medida que o Gellért se prepara para escrever um novo capítulo, seus idealizadores se orgulham de reimaginar esse pilar do passado de Budapeste — agora pronto para voltar a receber o mundo com elegância, imponência e um toque de ousadia.
