A UFG (Universidade Federal de Goiás) empossou a primeira professora indígena concursada da história da instituição. Trata-se de Eunice Pirkodi Caetano Moraes Tapuia, 40, que leciona sobre epistemologia indígena no curso de Licenciatura em Educação Intercultural desde maio de 2024.
O curso de Educação Intercultural, que atende apenas alunos indígenas, é fruto de uma demanda histórica não só dos Tapuia, mas também de outros territórios que habitam a região dos rios Araguaia e Tocantins, o Parque Indígena do Xingu e da Terra Indígena Xakriabá.
A página do curso de Educação Intercultural da UFG destaca que ele foi construído coletivamente, considerando as necessidades dessas comunidades “que sonhavam com outro tipo de escola, ou seja, uma escola que atendesse às suas demandas e não às políticas externas”.
É justamente esse o trabalho, de ensinar com base nas demandas das comunidades, que Eunice vem desenvolvendo em mais de 20 anos de educação.
Antes de lecionar na UFG, Eunice dava aulas na Escola Indígena dos Tapuia, que fica na Aldeia Carretão, na região do Vale do São Patrício, a 280 km de Goiânia. Esta escola foi a primeira instituição indígena reconhecida oficialmente pelo estado de Goiás.
Em entrevista à CNN, Eunice descreve esses primeiros meses como professora na UFG como “um misto de emoções, desafios e aprendizado”.
“Na aldeia, além de ser professora, também era e sou liderança. Isso fazia com que a responsabilidade com a educação escolar fosse pensada e trabalhada de forma que nossos estudantes pudessem dominar os conhecimentos formais e científicos ao mesmo tempo que também pudessem valorizar, respeitar e vivenciar os conhecimentos tradicionais”, afirma Eunice.

A multidisciplinaridade não só faz parte do curso da UFG como também da trajetória de Eunice. Ela conta que na aldeia Carretão já deu aulas de língua portuguesa, inglês, espanhol, artes, história, filosofia e cultura indígena.
Segundo a professora, a principal diferença entre dar aulas na aldeia e na universidade é a variedade de visões de mundo com a qual ela convive.
Cada povo percebe, interage e valoriza a sua própria epistemologia de acordo com as cosmologias e cosmovisões próprias, e isso também tem a ver com como cada povo transmite e produz conhecimentos. O desafio é também a riqueza, com a diversidade de povos, culturas, línguas e tradições.
Eunice Pirkodi Caetano Moraes Tapuia, professora
A UFG conta com um total de 491 alunos que se identificam como indígenas, sendo que 309 deles estão matriculados no curso de Educação Intercultural.
Eunice conta que a relação dela com a educação veio a partir da saúde frágil que ela tinha durante a infância. Isso a fez ficar mais próxima dos adultos e anciãos da aldeia e receber os ensinamentos deles.
“A educação foi a minha válvula de escape, uma vez que era muito ‘doentinha’. Me agarrava em tudo que se relacionava à escola, ia no período normal e no de reposição mesmo sabendo que não precisava fazer a reposição. Chegava em casa e mergulhava em outros mundos que se apresentavam para mim por meio dos livros”, relembra Eunice, que foi a escolhida para ser professora quando a aldeia conseguiu a escola que possui até hoje.
Eunice é formada na Licenciatura Intercultural para Formação e Habilitação em Linguagem, fez especialização em Gestão Pedagógica, é mestra em Performances Culturais e doutoranda em Direitos Humanos, todas elas pela UFG.
Além das pesquisas e aulas, ela também é a primeira secretária da Associação do Índios Tapuia do Carretão, integra a Coletiva de Mulheres Indígenas e Negras Quilombolas, foi delegada da CONEEI (Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena) e é uma das coordenadoras do GT Português Indígena da Década das Línguas Indígenas da Unesco.
“O fato da menor de um povo ter chegado nesse lugar passa uma mensagem: é possível para qualquer um de nós chegar nos variados lugares que ainda carecem de nossa representatividade. É difícil, é desafiador e sofrível, mas não é inalcançável”, completa.