Um relatório de inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro revela que o Complexo de Israel expandiu seu domínio para 36 ruas que, antes, eram apenas residenciais, sem histórico de presença do tráfico de drogas. Nessas vias, a remoção de barricadas é constante. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.
De acordo com o documento, a polícia atribui essa expansão à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas. A ação do Supremo Tribunal Federal (STF) restringe operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro.
“Esse avanço foi diretamente influenciado pelas restrições operacionais impostas pela ADPF 635, que limitaram as ações policiais e permitiram a exploração criminosa dessas localidades”, diz um trecho do documento. A polícia compilou boletins de ocorrência e registros da remoção de barricadas.
“Com a limitação da presença policial, o Complexo de Israel expandiu seu domínio para ruas e avenidas estratégicas, onde passou a impor seu controle territorial, instalando barricadas físicas e armadas, explorando serviços essenciais como internet e gás, além de estabelecer cobranças ilícitas e ampliar a influência do tráfico de drogas”, diz o levantamento da corporação.
Em uma dessas vias, criminosos impediram a passagem de um motorista de aplicativo e revistaram o veículo. A câmera do carro filmou a ação.
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O relatório mostra ainda que o disque denúncia registrou cerca de 8 mil ocorrências sobre barricadas na cidade entre 2019 e 2024. A maior concentração está na zona norte. Os bairros de Brás de Pina, Cordovil, Jardim América, Olaria, Parada de Lucas, Penha, Penha Circular e Vigário Geral acumulam quase 2 mil registros desde junho de 2019.
A Polícia Militar informou que removeu aproximadamente 8 mil toneladas de barricadas e desobstruiu 7 mil vias em 2024. Em 2025, já foram removidas 1,5 mil toneladas e liberadas 580 ruas. Mais de 80% das barricadas estão nos bairros identificados pelo disque denúncia.
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Entenda a ADPF das Favelas
O relatório da Polícia Civil foi concluído na sexta-feira 14, depois do início do julgamento da ADPF no STF, que começou no dia 5. A discussão foi suspensa depois da fala do ministro relator, Edson Fachin.
Fachin rebateu críticas do governador Cláudio Castro (PL) e do prefeito Eduardo Paes (PSD), que responsabilizam o STF pelo avanço das facções. “Imputar problemas crônicos e de origem anterior à presente arguição a medidas impostas por esta Corte consiste não apenas em grave equívoco, mas em inverdade”, afirmou o relator.
A ADPF foi movida pelo PSB e tramita no STF desde 2019. O partido argumenta que a política de segurança pública do Rio “incentiva a letalidade da atuação dos órgãos policiais”.
Desde 2020, o STF determinou mudanças nas forças de segurança e restringiu operações em favelas durante a pandemia. Fachin apontou “violação generalizada e sistemática de direitos” na segurança do Rio e sugeriu medidas para conter abusos policiais.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse que retomará o caso em outro momento para nova análise do plenário.
Traficante criou o Complexo de Israel em meio à pandemia
O traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, conhecido como Peixão, fundou o Complexo de Israel em 2021, durante a pandemia. Ele aproveitou-se justamente da diminuição das operações da polícia nas favelas.
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Depois de tomar territórios do Comando Vermelho, Peixão unificou comunidades com pontes, incluindo uma sobre o Rio Pavuna.
A obra facilitou o deslocamento de seus comparsas, conhecidos como Tropa do Arão. Esse foi o nome que ele adotou depois de se converter ao evangelicalismo.
Peixão foi o primeiro líder do tráfico investigado por terrorismo. Segundo a investigação, “a referida facção tem como objetivo auferir lucros com as atividades criminosas praticadas no local, bem como impor uma dominação religiosa na localidade, impedindo que a população local tenha o direito de manifestar ideologia religiosa diversa da que o líder da facção é seguidor”.
Boletins de ocorrência registram a exploração econômica e a expulsão de moradores de outras religiões. Em Parada de Lucas, Peixão ergueu dois espaços luxuosos. Um deles tem um grafite de 10 metros com a frase: “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”.
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