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Como um turista dos EUA driblou regras para visitar a Coreia do Norte

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Para grande parte do mundo, os dias sombrios da pandemia já parecem uma lembrança distante. Na Coreia do Norte, a situação ainda é bem diferente, segundo Justin Martell, o primeiro americano conhecido a entrar no país desde o início da covid-19, há mais de cinco anos.

O país mantém rígidas medidas sanitárias, como uso obrigatório de máscaras e checagem de temperatura. Além disso, pontos turísticos populares, como mercados locais, continuam fechados por medo da transmissão do vírus.

Martell relata que a paranoia com a pandemia continua profundamente enraizada na Coreia do Norte. Ele até ouviu teorias bizarras sobre a origem do vírus.

“Há um boato de que a covid-19 entrou no país por meio de balões enviados da Coreia do Sul”, conta Martell, cineasta nascido em Connecticut e fundador da Pioneer Media, uma produtora especializada em documentar lugares exóticos e de difícil acesso.

Ele fez parte de uma pequena delegação de operadores de turismo que visitou o país na semana passada para preparar o terreno para a retomada das viagens turísticas.

Após passar cinco dias na Coreia do Norte organizando essa reabertura limitada ao turismo ocidental, o grupo cruzou a ponte sobre o gélido rio Tumen e voltou para a China.

Agora, Martell e seus colegas — incluindo o australiano Rowan Beard, da Young Pioneer Tours (YPT), e o húngaro Gerg Vaczi, da Koryo Tours — já estão prontos para a próxima etapa.

Nesta quinta-feira (20), eles devem levar pequenos grupos de turistas ocidentais para Rason, uma remota região da Coreia do Norte na fronteira com a China e a Rússia. Viajantes da Alemanha, França, Reino Unido, Canadá, Austrália, Macau e Jamaica já garantiram seus lugares.

Beard, que guia excursões para a Coreia do Norte há mais de uma década, vê essa reabertura como um grande avanço após anos de isolamento extremo para um país que já era isolado.

“Estou nas nuvens por finalmente levar um grupo para lá esta semana”, diz Beard. “Há muito entusiasmo por parte dos norte-coreanos. […] Mas é um reinício difícil, e vai levar tempo para encontrar um equilíbrio.”

Por enquanto, algumas experiências marcantes, como visitar o mercado de Rason e negociar com moeda local, ainda não são permitidas. Mesmo assim, Beard se mantém otimista, afirmando que as operadoras de turismo estão em contato com autoridades locais para retomar gradualmente essas atividades e reconstruir a confiança.

Curiosamente, a conta bancária que Beard abriu em Rason há mais de dez anos continua com o mesmo saldo: cerca de 25 yuans chineses (R$ 0,78).

Durante a visita, os operadores discutiram novas atrações para os turistas, como uma experiência em um cinema local. Nos últimos anos, a Coreia do Norte revitalizou sua indústria cinematográfica sob o governo de Kim Jong Un, lançando filmes como os dramas de guerra “72 Horas” e “Um Dia e Uma Noite”.

Apesar da reabertura parcial, a capital Pyongyang continua fora do roteiro para turistas ocidentais — russos já tem permissão para visitar a cidade desde o ano passado, reflexo dos laços cada vez mais próximos entre Moscou e Pyongyang.

Passaporte milionário

Embora a pandemia tenha fechado as fronteiras norte-coreanas para todos, os americanos já estavam proibidos de entrar no país desde 2017. O governo dos EUA impôs um veto a viagens para a Coreia do Norte após a morte de Otto Warmbier, um estudante americano de 22 anos preso no país que retornou aos EUA em estado vegetativo, falecendo pouco depois.

Martell, que já havia visitado a Coreia do Norte 11 vezes antes da proibição, estava lá quando a restrição entrou em vigor.

“Eu estava cruzando a fronteira de Sinuiju para Dandong quando a regra passou a valer”, lembra. “Acho que fui o último turista americano a sair do país com um passaporte dos EUA.”

Mas ele não desistiu de voltar. “Não queria parar de ir”, afirma. “Não queria que a conversa terminasse.”

Para driblar a proibição, Martell conseguiu a cidadania de São Cristóvão e Névis, um pequeno país caribenho conhecido por seu programa de cidadania por investimento. Doando uma quantia de seis dígitos para o fundo nacional de lá, ele obteve um segundo passaporte, permitindo que viajasse legalmente para a Coreia do Norte sem infringir as leis americanas.

“O processo levou cerca de um ano”, explica. “Incluiu checagens de antecedentes, declaração financeira… todo um dossiê.”

Desde o início da guerra na Ucrânia, os preços desse tipo de programa dispararam. “O número de russos tentando obter um segundo passaporte fez os preços dobrarem ou triplicarem”, diz Martell. “Agora custa uns 250 mil dólares (R$ 1,4 milhão). Paguei bem menos.”

Mesmo assim, ele considera o investimento válido. “Tem que querer muito ir”, diz. “Mas se for gastar tempo e dinheiro, escolha um passaporte que te leve a mais lugares. O de São Cristóvão, por exemplo, me permite entrar na Rússia sem visto, o que meu passaporte americano não faz.”

Beard revela que um influenciador de viagens bastante conhecido no YouTube está no meio de um processo semelhante, tentando obter um passaporte espanhol por quase 200 mil dólares (R$ 1,1 milhão).

Conversas delicadas

As tensões políticas globais surgiram em algumas conversas com os guias norte-coreanos. Mas, enquanto os acontecimentos nos EUA eram discutidos abertamente, o tema da guerra na Ucrânia era tratado com silêncio ou extrema cautela.

Governos ocidentais e ucranianos afirmam que a Coreia do Norte enviou tropas para lutar ao lado da Rússia, sofrendo grandes baixas.

Vaczi, da Koryo Tours, percebeu a sensibilidade do assunto. “Tive um guia que conhecia muito sobre a Europa Oriental”, conta. “Mas não mencionei a Ucrânia. Parecia um limite que não se cruza.”

Martell, por outro lado, notou que os guias estavam bem informados sobre eventos globais. “Falamos sobre geopolítica, mas, quando o assunto era a Ucrânia, eles mais ouviam do que falavam”, relata. “Era um tema que tratavam com muita cautela, embora demonstrassem apoio à Rússia.”

Já sobre os roteiros turísticos disponíveis, Vaczi não ficou impressionado. “Muita visita a fábricas e escolas. Nada de mercados. Nada espontâneo. Fica repetitivo rápido”, comenta.

Por outro lado, houve mudanças positivas. As rígidas restrições para fotografias foram amenizadas. “Só me repreenderam uma vez”, diz Vaczi. “Foi por filmar um guia.”

Martell, no entanto, ainda sentiu um olhar atento sobre ele, mesmo com seu passaporte de São Cristóvão.

“Me pediram para apagar dois vídeos: um mostrava os preparativos de uma dança de massa e outro porque um guia traduziu errado um slogan de propaganda, e eu fiz um vídeo explicando a tradução errada.”

Mais conexão, menos propaganda

Apesar das restrições, Martell não enfrentou hostilidade. “Não houve comentários antiamericanos”, diz.

“Uma vez, estávamos andando pelo Parque Hae’an e algumas crianças fugiram ao nos ver. Um guia brincou: ‘Talvez saibam que vocês são imperialistas americanos!’. Respondi: ‘Não, só um!’ E todos riram. Não vi aquilo como algo maldoso.”

Até os tradicionais cartazes de propaganda anti-EUA pareciam menos evidentes. “Tive que pedir especificamente por cartões postais antiamericanos na livraria de idiomas estrangeiros, porque não estavam mais à vista.”

No fim, foram os encontros humanos que mais marcaram a viagem. “As crianças não ligavam para política”, diz Martell. “Queriam saber sobre música, esportes… sobre como era a vida nos EUA. Elas queriam conexão.”

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Via CNN

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