Ninguém neste país está seguro se viver ao alcance da juíza Barbara Iseppi, da Justiça Federal de São Paulo — e de sabe lá Deus quantos dos 18 mil juízes de Direito hoje em atuação no Brasil. Talvez você tenha ouvido falar dela: foi quem condenou o humorista Leo Lins a mais de oito anos de cadeia, e a uma multa de R$ 1,4 milhão no total, por contar uma piada. Não importa qual tenha sido a piada, nem o que pensam sobre o caso todos os juristas somados, do Brasil e do mundo: é simplesmente impossível para qualquer ser racional, em qualquer circunstância, achar que existe um mínimo de sanidade num sistema judicial onde se toma decisões assim.
Isso não é justiça. É o resultado da deformação constante e perversa do entendimento sobre aquilo que deve ser o império da lei, a sua aplicação pelos magistrados e a finalidade objetiva disso tudo, que é assegurar a proteção de direitos e o cumprimento de deveres. Um Judiciário que se mostra capaz de condenar a oito anos de prisão fechada um cidadão que fez uma brincadeira, num palco que se destina precisamente a isso, deixou de ser funcional. Não serve mais para cumprir sua obrigação fundamental: fornecer justiça às pessoas. Torna-se uma ameaça.
Não há um sistema judicial digno desse quando as suas decisões ficam incompreensíveis. Ninguém pode ser condenado, e muito menos cumprir uma pena patentemente absurda, por contar uma piada, apresentada ao público na condição de piada — independentemente de o juiz achar que seja engraçada ou não, ou de bom gosto, ou em harmonia com as suas opiniões sobre como devem ser as piadas. No caso, a juíza detestou o tipo de humor de Leo Lins. Resolveu então o punir o rapaz que ofendeu seu senso do que é próprio e impróprio e saiu numa pescaria, pelo Código Penal e outras leis, para fisgar algum crime contra ele. Achou, é claro. Sempre se acha.
O que ofendeu a Justiça brasileira, neste caso, foi exatamente o que se poderia esperar do ambiente histérico imposto ao país quando o assunto é homossexualismo, racismo, machismo, “mulheres”, obesidade, “misoginia”, mulher feia e o resto da ladainha. A mínima observação a respeito, mesmo sem malícia ou intenção de ofender, já dispara todas as campainhas do sistema de repressão — tem de punir, tem de processar, tem de prender. É nessa base, hoje em dia, que querem defender as minorias. Chama a polícia — mais a “autoridade”, o procurador, o juiz, o fiscal, os fuzileiros navais. Essa doença se espalhou como uma covid pelo Poder Judiciário. O juiz é um crente da “diversidade” e da “inclusão”? Então as suas crenças valem mais que a lei.
É uma demência, no caso de Leo Lins, que um procurador do Ministério Público tenha usado o seu horário de trabalho para apresentar uma denúncia contra um não-crime — num momento em que a sociedade se vê oprimida todos os dias por criminosos que a Justiça solta nas ruas, é um escândalo. Tendo sido apresentada a denúncia, é uma demência que tenha sido aceita. Tendo sido aceita, é uma demência a sentença que foi dada pela juíza. Ela não gosta de piada “homofóbica” — como poderia não gostar de piada de papagaio, ou de gaúcho. Então diz que é crime, e soca oito anos de cadeia em cima da vítima de sua ira pessoal.
A argumentação exposta na sentença, em mau português e análise lógica de exame do Enem, bem como a dos juristas chamados a dar seus palpites no caso, não reúne os elementos que se exige para ser qualificada como argumentação. É um passeio ao acaso, no qual a juíza nos informa que homofobia, racismo etc. são crimes previstos em lei e não se pode deixar que sejam cometidos sob o “pretexto” da liberdade de expressão. Não diga. Mas o que interessa no processo penal é saber se há provas de que o réu cometeu o crime de que é acusado. Leo Lins contou uma piada — só isso.
O Brasil, cada vez mais e de forma cada vez mais ampla, começa a pagar a destruição sistemática do ordenamento jurídico pelo STF, em sua aventura de abandonar a lei em favor da ação política aberta. Esso tipo de coisa tem consequência. Se o ministro do Supremo pode eliminar o processo legal para salvar a democracia, o juiz lá embaixo também pode suprimir a lei para salvar os gays. Alexandre de Moraes não condenou a 14 anos de prisão, por “golpe armado”, a moça que pintou a estátua de Brasília? Pois então. A juíza Iseppi também pode condenar a oito anos o humorista que contou piada de Aids. É a beleza da nossa atual segurança jurídica.