Lin En poderia ter chegado ao destino em seis horas se tivesse escolhido o avião. Mas, numa viagem no início deste ano, o jovem de 23 anos preferiu uma viagem de ônibus de três dias para cruzar de Xinjiang, no noroeste da China, até Astana, capital do Cazaquistão.
Não se engane: não havia entretenimento premium, refeições de primeira classe ou assentos ergonômicos para tornar a viagem mais confortável.
A jornada foi exaustiva. Lin passou dezenas de horas preso no assento, o que lhe causou dores nas costas, como ele contou depois em um vídeo na plataforma chinesa Xiaohongshu (Pequeno Livro Vermelho).
Mesmo assim, ele continuou. No último ano, Lin fez várias viagens similares, usando apenas ônibus e trens de longa distância para chegar aos seus destinos.
Ele não está sozinho. Um grupo crescente de viajantes chineses está adotando esses meios de transporte extremos em suas férias.
Eles se autodenominam “viajantes de ferro”, inspirados pelo tempo que passam em assentos desconfortáveis que os fazem sentir como se fossem de metal.
Conhecido como “tieding” em mandarim, o fenômeno já acumulou 19,8 milhões de visualizações com a hashtag #viajantedeferro. O lema deles é: “Quem tem traseiro de ferro desfruta do mundo primeiro”.
Em sua maioria, são jovens viajantes, como recém-formados, que têm mais tempo livre do que dinheiro.
As incertezas econômicas, agravadas pela crise imobiliária prolongada da China, a demanda fraca dos consumidores e as altas taxas de desemprego entre os jovens, tornam esses viajantes mais inclinados a buscar aventuras baratas.
“O principal motivo é o orçamento. Viajar como ‘traseiro de ferro’ me permite visitar mais lugares por menos dinheiro”, disse Peng Fei, viajante de 27 anos do grupo, à CNN Travel.
Esses viajantes aproveitam as paradas para experimentar comidas locais e fazer novas amizades ao longo do caminho. Mas, primeiro, precisam sobreviver à viagem.
Experiência intensa
Viajar em ônibus noturnos é algo comum para mochileiros no mundo todo, mas os chineses elevaram esse desafio a outro nível.
Para a viagem de Lin a Astana, a jornada começou às 6h da manhã em uma estação de ônibus em Xinjiang. Com poucas paradas, ele passou um total de 46 horas no ônibus.
A cada poucas horas, ele tinha o “luxo” de esticar as pernas quando o motorista parava para os passageiros comerem. Além disso, passou a maioria do trajeto com as costas eretas.
“Não consegui dormir devido à dor nas costas, então fiquei acordado a noite inteira”, disse ele em seu vídeo no Xiaohongshu. “Na manhã seguinte, estava completamente exausto”.
“A cada minuto que passava era uma tortura. Eu queria chegar logo — estava mais ansioso do que o motorista!”, ele recordou.
Perto do fim da viagem, ele ainda pegou um resfriado. A experiência foi tão intensa que ele sentiu como se estivesse em pé o tempo todo.
“Quando saí do ônibus, parecia que tinha passado a vida toda em pé e só então pude me sentar,” comentou.
Isso, no entanto, não significa que ele e seus colegas “de ferro” precisem abdicar da diversão.
Experiência “pé no chão”
Lin gosta da forma “pé no chão” que a viagem proporciona, disse ele à CNN Travel. No sentido chinês, “pé no chão” significa uma conexão com o local.
“Muita gente escolhe o ônibus porque é barato e muitos estão indo para o trabalho ou visitando a família,” explicou.
“Conheci muitas histórias interessantes pelo caminho — sobre cultura, família ou como as pessoas ganham a vida — tudo é superenvolvente,” disse Lin, que já fez 10 viagens de trem desde o ano passado, acumulando mais de 300 horas em ônibus e trens.
Uma de suas experiências mais memoráveis foi uma viagem de ônibus de 20 horas de Kunming, no sudoeste da China, até Huay Xai, no Laos.
Ao chegar ao terminal, encontrou trabalhadores migrantes que estavam a caminho do Triângulo Dourado, uma região conhecida pelo tráfico de drogas, onde as fronteiras da Tailândia, Laos e Mianmar se encontram.
Muitos disseram estarem indo em busca de trabalho por falta de opção. “Perguntei se eles tinham medo. Mas responderam precisarem sustentar a família,” relembrou. “Meu coração ficou apertado”.
Muitas dessas rotas de ônibus e trens, especialmente na China, têm um propósito prático. Oferecem opções acessíveis para trabalhadores de megacidades como Pequim e Xangai visitarem suas famílias nas cidades natais.
Essas pessoas muitas vezes não escolhem viajar dessa forma por querer seguir uma tendência. Fazem isso porque não podem arcar com voos ou trens de alta velocidade, optando por alternativas acessíveis que exigem mais tempo na estrada, apesar de poucos dias de férias no ano.
Agora, no entanto, os viajantes redefinem — ou talvez tornem mais sofisticada — essa forma de viajar.
Durante uma viagem de trem de 53 horas de Guangzhou até Lhasa, no início deste ano, Lin pôde ver de perto o vasto Planalto Tibetano, o Deserto de Gobi e as majestosas cadeias de montanhas.
“Você consegue ver muito mais na estrada — coisas que simplesmente não dá para ver de um avião,” ele disse.
Chance de ampliar conexões
Recentemente, Peng Fei gastou 10.000 yuans (R$ 7.992) para viajar por sete países, de partes da Ásia Central até a Europa.
Ela percorreu do Cazaquistão até a Turquia principalmente de ônibus, parando na Armênia e Geórgia ao longo do caminho. O único voo que pegou foi do Uzbequistão aos Emirados Árabes Unidos, que custou apenas 300 yuans (R$ 239,78).
Em seu emprego anterior como especialista em marketing digital, a rotina era tão monótona que ela decidiu largar o salário razoável para buscar novas experiências por meio de viagens marcantes.
Durante essas jornadas, os viajantes passam dezenas de horas sentados lado a lado. Conversar é a forma mais natural de passar o tempo e, nesses compartimentos limitados, amizades se formam e florescem.
Peng disse que conheceu muitas pessoas inspiradoras. “Encontrei muitos jovens com o mesmo espírito na estrada. Muitos são estudantes de período sabático ou recém-formados — ambos com pouco dinheiro. Não estão com pressa para entrar no mercado de trabalho ou se encaixar em moldes sociais,” contou ela à CNN Travel, do Egito, onde está agora.
“A maioria deles quer explorar outras possibilidades,” disse.
Essas pessoas a inspiram a aproveitar o momento, já que ela duvida se conseguirá manter o ritmo quando envelhecer: “Quero ver o máximo do mundo enquanto sou jovem”.
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