domingo, maio 11, 2025
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Viajantes acumulam pontos e se tornam “milionários“ em milhas aéreas

Quem diria que se tornar milionário seria tão fácil? Quando a companhia aérea escandinava SAS mudou de aliança aérea no fim de 2024, resolveu transformar a transição em um grande evento — e, de quebra, criou vários “milionários” em milhas.

Durante 27 anos, a SAS fez parte da Star Alliance, um consórcio que reúne 25 companhias aéreas globais, incluindo gigantes como United, Singapore Airlines e Ethiopian.

Mas, no ano passado, a empresa — com sede em Copenhague e hubs também em Estocolmo e Oslo — trocou de lado e passou a integrar a SkyTeam, da qual fazem parte nomes como Delta, Virgin Atlantic e Air France-KLM.

As alianças entre companhias são queridinhas dos viajantes frequentes: elas permitem que passageiros acumulem pontos mesmo voando com outras empresas do mesmo grupo, por meio de voos “codeshare”.

Por isso, quando uma companhia troca de aliança, o impacto para quem já tem hábitos de voar bem estabelecidos pode ser enorme.

“Passamos 27 anos dizendo aos clientes: ‘Voe com essa companhia, ela é a melhor’, então nossos passageiros estavam muito acostumados, por exemplo, a usar a United em viagens domésticas nos EUA,” explica Aron Backström, vice-presidente de produto e fidelidade da SAS.

“Esses hábitos são profundamente enraizados. Agora temos novos parceiros — de altíssima qualidade, mas menos conhecidos do público escandinavo e fora da rotina de nossos clientes. Sentimos que era hora de sacudir as coisas, criar entusiasmo e incentivar o pessoal a experimentar essas novas opções.”

Foi então que surgiu o desafio: qualquer membro do programa de fidelidade EuroBonus que voasse com 15 companhias da SkyTeam, entre 8 de outubro e 31 de dezembro, ganharia um milhão de pontos EuroBonus — o equivalente a cerca de US$ 10 mil (R$ 57,2 mil) em passagens.

Quase 50 mil dos oito milhões de membros do programa aderiram ao desafio. Cerca de 7 mil se inscreveram no EuroBonus só para tentar completar a tarefa.

Ao final, cerca de 900 conseguiram atingir a meta e viraram “milionários em milhas”. Entre eles, um passageiro da Noruega que está no programa desde sua criação, há 33 anos, e uma dupla de mãe e filha que queria passar mais tempo juntas.

Aqui, dois participantes compartilham suas experiências — e explicam por que essa jornada não foi para os fracos.

“Eu sonhava em conhecer o mundo”

Entre os que aceitaram o desafio, cerca de 30% eram mulheres — um número baixo se comparado ao mundo real, mas bastante expressivo em um universo tradicionalmente dominado por homens.

Nara Lee, uma youtuber de viagens de 36 anos, de Chuncheon, na Coreia do Sul, foi uma delas. Essa foi sua porta de entrada no mundo das milhas e programas de fidelidade.

“Eu nem sabia direito o que era uma aliança aérea,” ela conta. “Essa experiência me mostrou como funciona esse sistema.”

Ela nunca tinha ouvido falar da SAS, mas assim que descobriu o desafio — já em meados de novembro, no meio do período de qualificação — decidiu participar.

“Fui manicure por 15 anos, mas desde pequena sonhava em viajar pelo mundo,” diz Nara.

“No ano passado, finalmente comecei a fazer viagens internacionais. Mas, como não falo inglês, acabei só entrando em excursões em grupo”, completou.

Um dia, vi um vídeo no YouTube sobre o desafio da SAS, e meu coração disparou. Mesmo sem saber reservar passagens por conta própria e sem falar inglês, senti uma vontade imensa de tentar. Queria conquistar aquele milhão de milhas e, enfim, realizar meu sonho de infância.


Nara Lee, youtuber de viagens

Nara passou mais de 160 horas voando em classe econômica. Seu roteiro incluiu Ásia, Américas, Europa e sudeste asiático, antes de voltar para Seul.

Desde então, já começou a usar as milhas conquistadas. Em março, viajou para Paris em classe executiva pela Air France, usando 127,5 mil pontos. Em abril, foi para a cidade de Ho Chi Minh: usou 70 mil milhas, voando na econômica na ida e na executiva na volta — pagando apenas os impostos, cerca de US$ 155 e US$ 95 (entre R$ 886 e R$ 543), respectivamente.

Encarando “uma crise de meia-idade”


Barry Collins
Barry Collins alçou voo para enfrentar uma “crise de meia-idade” — com o incentivo da esposa e da família • Courtesy Barry Collins via CNN Newsource

Outro participante inusitado foi Barry Collins, de 44 anos, de Eastbourne, no Reino Unido. Há dez anos, ele é um entusiasta de programas de fidelidade, acumulando pontos principalmente em compras do dia a dia e trocando por voos gratuitos.

Quando leu sobre o desafio no site Head for Points, sentiu que era o momento certo. Havia encerrado recentemente seu negócio e, embora ainda estivesse envolvido em outras atividades, estava meio perdido, “andando pela casa sem rumo”. Segundo ele, era uma “crise de meia-idade”.

A esposa, Cheryl, incentivava-o a viajar sozinho. Chegou a mandar mensagens do tipo: “Você precisa sumir por uns dias e escalar os Andes ou algo assim.” Mas, embora já tivesse explorado destinos de mochileiros na juventude, Barry não queria fazer parte de excursões em grupo.

Com o apoio da esposa, percebeu que o desafio da SAS oferecia justamente o tipo de conquista individual que ele buscava. “Era algo que eu podia fazer sozinho e que me daria um senso de realização,” conta. “Era exatamente o que eu precisava.”

Ele impôs algumas regras: só voaria em classe econômica — para que fosse realmente desafiador e o retorno do investimento valesse a pena. “Deitar numa poltrona e beber champanhe não é o mesmo que se virar nos assentos baratos,” brinca.

Outra regra: levar apenas bagagem de mão. “Despachar mala em voos com tantas conexões seria pedir para dar problema.”

Terceira: nada de voos diretos — ele aproveitaria para parar em lugares onde nunca esteve.

“Já fui aos EUA mais de 100 vezes, e ao México também, mas nunca conheci Seul ou o Vietnã,” diz. “Me interessava mais explorar o novo. Além disso, tinha que estar em casa para levar as crianças à escola.”

Isso levou à última regra: nada de largar a vida real. Em vez de dar a volta ao mundo de uma vez, fez viagens em etapas, sempre voltando para casa entre uma leva e outra.

Na viagem aos EUA e México, por exemplo, saiu na sexta de manhã e voltou no domingo à noite — e segunda-feira já estava de volta à rotina.

Começou com férias em família em Madri. Depois, embarcou em voos pela Europa: Paris, Bucareste (onde passou a noite), Amsterdã e Estocolmo.

Na sequência, fez uma maratona no fim de semana por Atlanta, Cidade do México e Paris novamente.

E, por fim, veio a odisseia pelo Oriente Médio e Ásia: Jidá, Jacarta, Singapura, Ho Chi Minh City, Taipei, Xiamen, Xangai, Seul, Guangzhou, Bangkok, Xangai de novo e, por fim, Londres Gatwick.

No total, foram 22 voos com 19 companhias, sendo 16 delas da SkyTeam. Não é surpresa que ele diga que o maior desafio foi aguentar o ritmo físico da maratona aérea.

Como sobreviver a horas dentro de um avião

O que essas jornadas ensinaram aos dois viajantes determinados? Para começar, a dormir dentro de um avião.

A arma secreta de Collins foi um travesseiro de pescoço com design especial da marca TRTL. Ele combinava com uma máscara de dormir e fones de ouvido ou protetores auriculares.

Se a ideia é dormir, o conselho é parar de beber líquidos uma hora antes do voo e usar o banheiro pela última vez logo ao embarcar.

“A melhor dica para dormir num avião é estar exausto”, brinca Lee. “Se você acha que a classe econômica é desconfortável demais pra dormir, talvez o problema seja que você ainda não está cansado o suficiente. Eu estava tão esgotada que conseguia dormir em qualquer lugar, sem precisar de truques.”

Os dois — que nunca se encontraram — também destacam os choques culturais vivenciados ao longo das viagens.

Para Collins, o aeroporto de Jeddah, na Arábia Saudita, contrariou completamente suas expectativas. “Todo mundo falava inglês perfeitamente, as placas estavam em árabe e inglês, e tanto o aeroporto quanto a sala Vip eram excelentes”, conta. Apesar disso, ele não chegou a visitar o país — apenas fez conexão.

Ele se encantou especialmente por Seul e Bucareste, cidade à qual já planeja voltar em uma viagem rápida. “A cidade tem aqueles blocos de concreto típicos da era comunista, mas de repente você entra no centro histórico, com ruas de paralelepípedos, cafés e bares.”

Entre os aeroportos, destacou a tranquilidade de Estocolmo e Amsterdã — em contraste com as longas esperas em Bucareste e Cidade de Ho Chi Minh. Um destaque (nada positivo) foi para o Departamento de Segurança Interna dos EUA, que o interrogou pesadamente.

“Os americanos têm um jeito: eles te chamam de ‘senhor’ ou ‘senhora’ e mesmo assim te deixam desconfortável”, diz. Bem diferente do atendimento em Jacarta, onde o liberaram mesmo sem ele ter comprado o visto de turista.

“Um dos privilégios de viajar sendo um homem branco, de meia-idade e classe média é que ninguém te incomoda”, diz ele. O mesmo vale para achar hospedagem — parte fundamental da sua economia de custos.

“Na Cidade de Ho Chi Minh, um taxista me deixou numa avenida e apontou para um beco. Eu tive que entrar, virar à esquerda em outro beco ainda menor. O privilégio de ser um homem branco de meia-idade é poder dizer ‘tudo bem, vou sim’, coisa que talvez uma mulher não se sentisse confortável fazendo. Eu me senti super seguro andando sozinho por Taipé de madrugada. Não sei se uma mulher viajando sozinha teria a mesma experiência.”

De fato, Lee teve que planejar com muito mais cuidado. Muitas vezes dormiu em aeroportos, mas “sempre ficava em áreas movimentadas ou usava cafés e restaurantes 24 horas”. Ela evitava sair tarde da noite e estava “sempre em alerta.”

O momento mais tenso foi em Nova York. “Na Coreia, é muito raro ver pessoas sob efeito de drogas, mas em Nova York isso era comum. Ninguém me ameaçou, mas só de ver gente naquele estado já era assustador”, relata.

Ambos também aprenderam a mudar os planos no improviso quando as coisas saíam do controle. Por confusão nas regras da promoção, alguns voos — como o de Collins com a Delta para Atlanta — acabaram não sendo contabilizados. Ele teve que ajustar o roteiro, indo de Seul para Guangzhou e de lá incluir um voo com a Kenya Airways, que faz a rota Guangzhou–Bangcoc.

Lee, por sua vez, enfrentou uma tempestade severa logo no primeiro voo, saindo de Seul. Acabou presa dentro do avião da China Eastern por 10 horas e perdeu duas conexões: uma com a China Airlines e outra com a XiamenAir. Embora tivessem prometido remarcá-la e hospedá-la num hotel, isso não aconteceu. Ela mesma teve que encontrar um jeito de chegar até Guangzhou para não perder o voo com a Kenya Airways até Bangcoc.

10 mil dólares em pontos

No fim das contas, os dois acumularam milhares de dólares em pontos — agora prontos para serem convertidos em passagens.

Collins gastou £4.784,54 (cerca de R$ 36,5 mil), dos quais a maior parte (R$ 30,1 mil) foi em passagens. Com hospedagens simples e independentes, ele gastou menos com acomodação (R$ 1.792) do que com estacionamento no aeroporto de Heathrow (R$ 1.962).

Lee desembolsou cerca de 5 milhões de wons sul-coreanos (aproximadamente US\$ 3.800) em voos e mais 1 milhão de wons (US$ 4.347) com alimentação e hospedagem. E claro, surgiram lugares favoritos (e decepções) pelo caminho.

Collins elegeu a China Eastern como melhor custo-benefício: “O que entregaram pelo preço pago foi fenomenal.” O pior custo-benefício foi a XiamenAir, e a que menos gostou foi a Kenya Airways: “Não foi ruim, só não foi boa. O avião estava meio desgastado, e precisei segurar o fone no encaixe.”

Lee adorou voar com a Korean Air pela ausência de barreiras linguísticas, e com a Garuda Indonesia: “Os comissários foram incrivelmente calorosos, e só isso já fez a experiência valer a pena.” A decepção foi a KLM, num voo barulhento rumo a Bucareste. “A tripulação não fez nada para conter o barulho. E lembro até hoje da refeição: um sanduíche bem decepcionante.”

“Faça uma loucura”

Valeu a pena? Para a SAS, sem dúvida. Aron Backström afirma que os 900 “milionários” criados pela campanha — que tecnicamente receberam US$ 10 mil (R$ 57,2 mil) em voos — já trouxeram retorno, principalmente em visibilidade.

Lee, por exemplo, passou de completa desconhecedora da empresa a fã declarada, bem a tempo do lançamento da nova rota Copenhague–Seul em setembro. O site da companhia dedicado à SkyTeam registrou um “enorme aumento” no tráfego, especialmente dos EUA, China e Coreia do Sul.

Claro que houve críticas por incentivar voos em plena crise climática, mas Backström afirma que a maioria dos participantes já planejava viajar intensamente. “Somos uma companhia aérea. Não podemos ter vergonha de divulgar nosso produto”, diz ele.

Lee, que nunca havia se interessado por programas de fidelidade, hoje é apaixonada pela SkyTeam. “Agora, toda companhia da aliança parece uma vizinha de longa data”, diz.

“Sempre que embarco, quase consigo ver a versão exausta de mim mesma, encolhida num assento qualquer, durante a jornada da SAS. Depois de tudo que passamos juntas, acho que não vou voar com outras empresas com tanta frequência.”

Assim que os pontos caíram na conta, ela correu para agendar a viagem a Paris. Já havia passado pelo aeroporto Charles de Gaulle durante o desafio.

“Mesmo só conhecendo o aeroporto, fiquei encantada — parecia que eu estava dentro de uma sala de concerto”, lembra. “Na época, eu estava acabada, nem parecia eu mesma. Prometi que da próxima vez voltaria bem vestida, de classe executiva. E foi exatamente o que aconteceu. Parecia um sonho. Sentar na executiva foi surreal.”

Collins, que ainda não usou seus pontos, diz que a experiência foi o que o tirou de um momento difícil.

“Foi transformador”, confirma sua esposa, Cheryl. “Antes da viagem, ele estava triste. Sempre foi emocionalmente equilibrado, mas era a primeira vez em 12 anos que o vi assim. Agora, está animado de novo. A confiança voltou, aquele brilho nos olhos também.”

E claro, agora tem uma história pra contar pro resto da vida.

“As melhores coisas acontecem quando você faz algo meio maluco”, diz. “A gente olha pra trás com lentes cor-de-rosa. Esquece que o corpo tremia depois de 30 horas acordado, que se dormisse e perdesse um voo, tudo iria por água abaixo.”

“Esquece que quase vomitou e alucinou de tanto cansaço. Você lembra mesmo é do frango frito em Seul, de madrugada.”

“Faça uma loucura — e ganhe uma história para contar.”

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Via CNN

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