A operação da Polícia Federal (PF) deflagrada na última quinta-feira (8) expôs uma reunião que revela “arranjo de dinâmica golpista” da alta cúpula do governo Jair Bolsonaro, segundo decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião, diversos ministros da antiga gestão fizeram declarações que foram incluídas no documento como potencialmente incriminatórias.
Foram citados trechos atribuídos ao ex-ministro da Justiça Anderson Torres, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno e ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira.
Confira os trechos:
Na documento que autorizou a operação, o então ministro da Justiça Anderson Torres é acusado de ter defendido a necessidade de se propagar notícias falsas sobre o processo eleitoral, além de ter reiterado conteúdo inverídico e feito “imputações graves” relacionando o Primeiro Comando da Capital (PCC) ao PT.
Torres começa citando o ocorrido com Jeanine Añez, ex-presidente da Bolívia, que foi condenada a 10 anos de prisão por articular um golpe de Estado que a levou ao poder em 2019.
De acordo com o ex-ministro, o episódio no país vizinho era “um grande exemplo” do que poderia ocorrer em caso de grave crise política.
“Eu quero começar, presidente, com uma frase que o senhor colocou aí. [Para] muitos aqui, é a primeira [vez] que participam dessa reunião. Tem muitos aqui que eu não sei nem se tem estrutura para ouvir o que a gente está falando aqui, com todo respeito a todos. Mas eu queria começar com uma frase que a gente colocou aqui que eu acho muito verdadeira e o exemplo da Bolívia é um grande exemplo para todos nós. Senhores, todos vão se f*der! Eu quero deixar bem claro isso. Porque se, eu não estou dizendo que, eu quero que cada um pense no que pode fazer previamente, porque todos vão se f*der. Eu não tenho dúvida disso“, afirmou.
Os investigadores mencionam ainda que Anderson Torres citou “conteúo falso” divulgado em uma live presidencial de 29 de julho de 2021 sobre o trabalho da PF e a lisura do sistema eleitoral. De acordo com a decisão, o então ministro estaria insinuando que a Polícia Federal teria feito diversas sugestões não acatadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“A Polícia Federal sempre esteve aqui, sempre esteve com um outro viés, e com um outro olhar. Sempre foi com um viés colaborativo. ‘Olha, cuidado com isso, cuidado com aquilo’. E esses cuidados têm seis, sete anos que tão … que foi naquela … naquela live que eu li esses relatórios e eles iam lá desdizendo um monte de coisa, e quando eu li os relatórios, me jogaram para dentro do inquérito. Por que vai falar o quê? De um relatório de um perito criminal da Polícia Federal? Que já há seis, sete anos tá dizendo: ‘tem que fazer isso, cuidado com aquilo. Olha, aqui tá ruim.’ O quê que foi feito? Acataram isso? Fizeram isso?”, afirmou Torres.
Mais a frente em sua fala, o ex-ministro da Justiça relaciona o PCC ao Partido dos Trabalhadores (PT).
“Mas estamos aí, Presidente, desentranhando a velha relação do PT com o PCC. A velha relação do PT com o PCC. Isso está vindo aí através de depoimentos que estão há muito guardados aí… isso aí foi feito ó. Tá certo? Isso tudo está vindo à tona. Isso não é mentira. Isso não é mentira. Então, muita coisa está vindo à tona aí. Muita coisa que a população sabe, mas tudo precisa ser rememorado”, disse.
De acordo com a investigação, tratam-se de “imputações graves”.
Duas das falas do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno, durante a reunião de 2022, foram citadas na decisão de Moraes.
Em um primeiro momento, Heleno sugere ter mantido conversas com o diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre a infiltração de agentes da organização nas campanhas eleitorais.
“Conversei ontem o Victor (Carneiro), novo diretor da Abin. Nós vamos montar um esquema para acompanhar o que os dois lados estão fazendo. O problema todo disso é se vazar qualquer coisa aí…Muita gente se conhece nesse meio. E, se houver qualquer acusação e infiltração desses elementos da Abin em qualquer dos lados…”, disse Heleno na reunião.
Antes de concluir o raciocínio, Bolsonaro interrompeu o general e pediu que o assunto fosse tratado em conversa privada.
“General, eu peço que o senhor não fale, por favor. Peço que o senhor não prossiga mais na sua observação. Se a gente começar a falar ‘não vazar’, esquece, pode vazar. Então, a gente conversa particular na nossa sala sobre esse assunto”, afirmou o ex-presidente na ocasião, de acordo com as imagens reveladas.
Após a interrupção, o ex-ministro volta a falar e insiste no tema das eleições.
“Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições”, disse Augusto Heleno.
Os investigadores da PF sustentam que a fala do então ministro evidencia a necessidade de os órgãos de Estado vinculados ao governo federal atuarem para assegurar a vitória de Bolsonaro.
“Eu acho que as coisas têm que ser feitas antes das eleições. E vai chegar a um ponto que nós não vamos poder mais falar. Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas. Isso pra mim é muito claro”, acrescentou o general.
Na decisão de Moraes, o nome do ex-ministro da Defesa é citado em momentos em que ele expôs desconfiança com o TSE, além de ter feito “imputação grave” ao tribunal, dizendo que a Comissão de Transparência Eleitoral seria “para inglês ver”.
Em outro momento, segundo os investigadores, Nogueira trata o TSE “como um inimigo”.
No trecho destacado pela decisão, o ministro descreve a situação em linguagem militar: “o que eu sinto nesse momento é apenas na linha de contato com o inimigo. Ou seja, na guerra, tem linha de contato, linha de partida. Eu vou romper aqui e iniciar minha operação. Eu vejo as Forças Armadas e o Ministério da Defesa nessa linha de contato. Nós temos que intensificar e ajudar nesse sentido para que a gente não fique sozinhos no processo”.
A fala de Nogueira termina com o então ministro defendendo que ações sejam tomadas “para que a gente possa ter transparência, segurança, condições de auditoria e que as eleições se
transcorram da forma como a gente sonha! E o senhor, com o que a gente vê no dia a dia, tenhamos o êxito de reelegê-lo e esse é o desejo de todos nós”.
A CNN entrou em contato com os citados, mas não obteve resposta.
*Com informações de Gabriela Prado, Teo Cury
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