A excelência da gastronomia romana vai muito além de seus ingredientes perfeitos, como a imensa variedade de tomates saborosos, suas carnes de porco (guanciale, pancetta, bacon) e as tradicionalíssimas pastas, que eles incluem em seus almoços e jantares religiosamente todos os dias.
Por trás de estabelecimentos históricos, que podem abranger três, quatro e até seis gerações, existe muita paixão, amor, trabalho e respeito aos antepassados.
A autêntica cozinha romana é a mesma praticada há décadas. São receitas transmitidas de pais para filhos, netos e sobrinhos, em sua maioria, romanos, que honram seus legados familiares (sim, quase todo mundo que comanda um posto em Roma tem parentes que nasceram na cidade).
Mergulhar no passado de um restaurante histórico é também entender como Roma reagiu à sua própria história durante mais de um século.
No Pommidoro dal 1890, por exemplo, as paredes contam como o negócio e o bairro de San Lorenzo sobreviveram a um bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial, e como um episódio de homofobia, na década de 1970, imortalizou o lugar como um templo ao cineasta e poeta Pier Paolo Pasolini.
Herdeiros de Armando Gargioli, do Armando al Pantheon, por sua vez, lembram de uma outra época quando o nonno (avô em italiano) resolveu empreender e não tinha dinheiro para bancar o primeiro aluguel do imóvel que fica próximo a um dos monumentos mais famosos do mundo.
Já no Pecorino, que fica no bairro Testaccio, a coda alla vaccinara, uma espécie de rabada romana, relembra como as carnes nobres eram reservadas para o clero e a burguesia. Por necessidade e com muita criatividade, trabalhadores criaram o prato com rabos de boi — algo muito semelhante ao que se diz sobre a origem da feijoada no Brasil.
Com frequência, os descendentes que administram negócios quase centenários se emocionam ao lembrar do passado empreendedor da família, como Alessandra Bravi, do Pommidoro. “Quando meu pai Aldo morreu, trabalhávamos com lágrimas nos olhos para conseguir seguir em frente”, recorda.
Nenhuma história gastronômica italiana pode existir sem o trio: família, emoção e muita, muita comida, a alma do país. Então, prepare-se para conhecer restaurantes históricos da cidade, lembre-se de fazer a reserva, pois são lugares muito disputados, e: Mangia che te fa bene!
- Da Francesco – tradição renovada e carta de vinhos extraordinária
No começo, em 1957, nem comida eles serviam. Era apenas um lugar onde se podia comprar vinho — famílias de origem simples e trabalhadores traziam suas próprias refeições e podiam usar as mesas do estabelecimento, que ficavam — e ainda ficam — a 100 metros da Piazza Navona.
Com o tempo, graças à iniciativa da matriarca Amalia Tognoloni, casada com Francesco Boni (o nonno que deu nome ao local, nascido em Amatrice, no Lácio, comuna que batizou o prato all’amatriciana), começaram a vender frango.
A hospitalidade da família trouxe sucesso para o restaurante, que nunca mudou de endereço, paixão herdada pelo filho Giancarlo, que continuou a administração. Já na década de 1990, Francesca, da terceira geração, casou-se com o sommelier Federico Esposito e o Da Francesco, que significa Do Francesco, passou por uma transformação.
“Se você parar para pensar, todo posto tradicional de Roma vai servir carbonara, pizza, tripa. Nossa proposta é também oferecer uma excelente carta de vinhos, uma refeição muito bem apresentada, sem nunca abandonar a tradição que atravessa essas três gerações”, diz Esposito.
O cliente do Da Francesco chega a pagar 1.700 euros (cerca de R$ 10.435) por uma garrafa de vinho para acompanhar uma pizza margherita. O capricho dos dois salões que foram renovados, sem perder a característica vintage das paredes com tijolos aparentes (térreo e primeiro andar, onde um dia foi a residência dos Boni), é notável.
Lá são encontradas mesas, cadeiras e luminárias pretas; serviço de mesa com monogramas nos copos de vinho e no porta-talheres, além de uma decoração afetiva com livros de fotografias, guias de viagem e temperos que são utilizados à mesa.
No cardápio, há espaço para a “tradição renovada”, como define Esposito. Fettuccine alla gricia com tartufo nero; cubos de coda alla vaccinara fritos em crosta de panko (farinha de pão); e maritozzo (em uma versão salgada) com burrata, aliche e tomates secos são alguns destaques.
As carnes são fornecidas pela Macelleria Feroci, outro estabelecimento histórico da cidade de Roma, em operação desde 1900. Esposito orgulha-se de ter conseguido manter o restaurante e espera que, um dia, seus filhos, Marcello e Isabella, herdem a mesma paixão.
Da Francesco: Piazza del Fico, 29, 00186/Tel.: (+39) 06 686 4009/Horário de funcionamento: todos os dias, das 12h às 16h; e das 19h às 23h30/Só atende com reservas pelo telefone, site ou Instagram
- Pecorino – a rabada romana nasceu no bairro do Testaccio no século 19
O romano Alfredo Lucarini sempre teve um sonho: ser um embaixador da autêntica gastronomia romana. Criou a sua família no bairro Trastevere, cozinhando desde os seus 15 anos.
Em 2005, aos 60, assumiu o Pecorino, restaurante que estava sob outra direção desde 1905, e podemos dizer que ele já fez história.
Aos 76 anos, ao lado das filhas Francesca e Silvia, ele inspeciona as panelas do restaurante todos os dias (exceto às segundas) e ajuda a receber os clientes no bairro Testaccio.
As filhas herdaram a paixão pela comida da família — são sete gerações com a “mão na massa”, desde os avós de Alfredo.
“Eu não estudei, eu aprendi olhando a minha avó Albina preparar os pratos, eu cresci na cozinha”, diz Francesca, uma apaixonada por alcachofra, presente em todo o cardápio — antipasti (antepasto), i primi (pasta), i secondi (carnes e peixes). “Só não temos doce de alcachofra”, completa.
A irmã Silvia também tem mão especial para os doces, o infalível tiramisù e crostate di viscioli (cereja), semifreddo allo zabaione e outras tentações.
A famiglia Lucarini não se rendeu às redes sociais. “Não temos instagram, apenas um site, e fazemos reserva pelo telefone ou por email, quando o cliente liga de fora da Itália. Somos tradicionais”, diz a cozinheira, que acredita no poder do passaparola, ou seja, o boca a boca.
Entre os clientes, os italianos são maioria. Além deles, estão muitos asiáticos, que chegam com recomendações escritas em suas línguas querendo provar o spaghetti alla carbonara, o prato típico que nasceu depois da Segunda Guerra Mundial, feito com queijo pecorino, “o príncipe dos queijos”, segundo Francesca, usado também no rigatoni all’amatriciana e no fettucine alla gricia.
Em uma manhã perto da hora do almoço, Alfredo supervisionava o polvo, fazia purê de batata com guanciale e a coda alla vaccinara, que simboliza a cozinha povera e di ricupero (pobre, feita de aproveitamento).
No passado, apenas uma pequena minoria tinha condições de comprar cortes finos de carne, e a criatividade foi colocada à prova. A preparação típica com sobras e miúdos nasceu no final do século 19 neste mesmo bairro, na zona do matadouro, o Mattatoio, hoje um centro cultural.
Pecorino: Via Galvani, 64, Testaccio/Tel.: (+39) 06 5725 0539 /Horário de funcionamento: terça a domingo, das 12h30 às 14h30, das 19h30 às 23h00/Reservas pelo telefone ou informações pelo site.
- Pommidoro dal 1890 – o restaurante preferido de Pier Paolo Pasolini e que foi abrigo na guerra
São 134 anos de história e cinco gerações da dinastia Bravi à frente do Pommidoro dal 1890, localizado no bairro de San Lorenzo. Aldo, sua mãe Alessandra (reservas e recepção) e o pai Amedeo (grelha) orgulham-se do legado deixado pelo nonno Aldo e o bisnonno Ettore, que inicialmente vendia apenas vinho, em um lugar chamado Al Vero Frascatti.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a fachada do imóvel ficou totalmente destruída e os moradores da vizinhança se abrigaram dentro do restaurante para fugir do ataque. A avó Dina, grávida de sete meses, e duas filhas morreram soterradas.
Algumas décadas depois, já com o avô Aldo no comando, o nome mudou para Pommidoro, pois diziam que o patriarca, assim como o tomate (pommodoro em italiano), “é um ingrediente que vai bem com tudo”.
O local foi o epicentro do encontro de intelectuais, como o escritor Alberto Moravia, a cantora lírica Maria Callas e o cineasta e poeta Pier Paolo Pasolini, símbolo da resistência cultural de Roma.
“Depois que meu pai morreu, com 86 anos, trabalhamos com lágrimas nos olhos, ele recebia muito bem, sabia conversar, era muito estimado”, diz Alessandra.
A história de Aldo e Pasolini começa na praça que fica em frente ao Pommidoro. Cercado por 20 pessoas e brigando em um episódio de homofobia, o artista foi salvo a tempo e trazido para dentro do restaurante.
Como agradecimento, o cineasta jantava com frequência ali. Trazia seus amigos e ganhou uma mesa cativa, no fundo de um dos salões, com vista para a Piazza dei Sanniti, o endereço do local.
Seu prato preferido era bisteca com salada. Sua última refeição, antes de ser assassinado em Óstia, em circunstâncias nunca esclarecidas, foi feita no local.
O Pommidoro é repleto de lembranças nas paredes, como obras de arte que foram deixadas pelos frequentadores. Um dos destaques é o livro escrito pelo ator e apresentador da CNN Stanley Tucci, Ci Vuole Gusto, um apreciador assíduo da carbonara do local. Ele brinca ao desafiar o cliente a não dizer “cazzo!” depois de provar o prato.
Mas, segundo Aldo, o neto, um dos fatores do sucesso do local é que o azeite de oliva extravirgem é cultivado na fazenda da família em Sabina, que fica a uma hora de Roma. Tudo lá é feito com ele.
Muito ativo nas redes sociais, o ex-advogado tem 39 anos, criou uma carta de vinhos sofisticada e recebe os clientes sempre com um sorriso aberto. Com o restaurante sob seu comando, ele honra o nome dos Bravi (que em italiano significa valentes, esforçados) como ninguém.
Pommidoro dal 1890: Piazza dei Sanniti, 44/46/Tel.: (+39 06 445 2692)/Horário de funcionamento: segunda, das 19h às 23h; terça a quinta, das 19h às 23h30; sextas e sábados, das 12h30 às 15h30; das 19h às 23h30/Reservas pelo telefone ou pelo Instagram.
- Armando al Pantheon dal 1961 – charme à porta da arquitetura monumental romana
Uma história pitoresca, “das antigas”, deu início ao Armando al Pantheon, restaurante próximo ao monumento histórico com nome semelhante.
Armando Gargioli, o nonno, havia trabalhado em outros lugares de Roma e resolveu empreender. Sem dinheiro para pagar o primeiro aluguel, recebeu o aval do proprietário do imóvel, Renato Marsicola, para seguir em frente e acertar quando pudesse. “Gente de outro tempo”, diz Fabiana, a neta sommelier, que ao lado de mais de uma dezena de pessoas da própria família (incluindo seu ex-marido Mario Rinaldi e o atual Roberto Appolloni) comanda a gestão.
Quando nasceu, o local era muito simples, com toalhas de papel, atendendo trabalhadores em busca de vinho ou de um cardápio fixo, que oferecia a pasta all’amatriciana; peito de vitela alla fornara; sopa de brócolis e pasta com grão-de-bico.
Não havia forno próprio – usavam um emprestado de um vizinho. Quando o primogênito Claudio substituiu um garçom a pedido do pai, nasceu a vontade de modernizar o menu. Neste momento, ele recorreu ao livro De re coquinaria (compilado em dez volumes há mais de dois mil anos), atribuído ao extravagante Marco Gavio Apício, um dos primeiros especialistas em gastronomia do mundo, contemporâneo do imperador Tibério (42 a.C. – 37 d.C.).
Consultou outro caldeirão de referências e transformou o estabelecimento em um verdadeiro sucesso, que recebeu nomes como Jean-Paul Sartre, Astor Piazzolla, Dario Fo, Ettore Scola, Renzo Piano e Massimo Bottura.
O Armando al Pantheon, como a maioria dos restaurantes históricos de Roma, só funciona com reserva. Não há mesas na rua, apenas dentro dos dois salões decorados com obras de arte, fotografias do passado, recortes de jornal, vinhos e livros.
Da cozinha saem os concorridos faraona ai funghi porcini (galinha com cogumelos) e l’anatra alle prugne (pato com ameixas). O Armando al Pantheon foi reconhecido em 2023 como uma das quatro melhores trattorias de Roma pelo Gambero Rosso, grupo editorial italiano de comida e vinho fundado na década de 80.
Armando al Pantheon: Salita De Crescenzi, 31/Horário de funcionamento: todos os dias. das 12h30 às 15h. e das 19h às 23h/Reservas podem ser feitas pelo site ou pelo e-mail: [email protected]
- Roscioli- um império construído em cima do pão que se diversificou
Parte da história do império Roscioli começa nos Apeninos, em 1959, em Rocca di Montemonaco, situada nos Monti Sibillini, em Marche, uma das vinte regiões da Itália. Ali vive Marco Roscioli (1947-2024), que, ainda muito jovem, parte para Roma para se unir aos seis irmãos de sua mãe Jolanda, todos no ramo da panificação.
Marco começou com seu tio Franco e, depois de alguns anos de aprendizado, decidiu assumir, em 1972, o forno da família Belmestieri, um estabelecimento do século XIX na Via dei Chiavari, famoso por vender pão a preços acessíveis para pessoas carentes, por ordem do Vaticano em 1824.
Na década de 70, nasce o l’Antico Forno Roscioli, que é apenas um dos estabelecimentos dessa família em Roma, oferecendo pizza romana; pães de fermentação natural com diversas massas e farinhas; os supplìs; as saborosas tortas de forno; o panettone no Natal, além da colomba na Páscoa. A ele se somam a Salumeria, o Caffè Pasticceria, e, mais recentemente, em uma iniciativa moderna, o Rimessa Roscioli e o Wine Club, todos no centro histórico de Roma.
De olho em um público exigente, o Rimessa é mais do que um restaurante e um bar de vinhos; ele promove combinações acertadas entre comida e vinho, em formato de aula, além de jantares tradicionais.
São quatro gerações mantendo acesa a chama da família Roscioli, hoje representada por Alessandro e Pierluigi, dois irmãos que honram o legado dos empreendedores gastronômicos.
Eles também não esquecem da sustentabilidade: as entregas têm emissões zero, com uma frota composta por oito veículos elétricos, incluindo o e-Jumpy, 100% elétrico e isolado termicamente para o transporte de pão, adquirido com a contribuição de 14 mil euros da região do Lácio.
Roscioli Salumeria con Cucina: Via dei Giubbonari, 21/Tel.: (+39) 06 687 5287/Horário de funcionamento: todos os dias, das 12h30 às 16h; das 19h às 23h30/Todos os endereços e informações sobre os estabelecimentos da família podem ser encontrados neste link.
- Checchino – 137 anos a serviço da arte de fazer comida que agrada
Desde 1870, Lorenzo e Clorilda, tataravós dos atuais proprietários, administravam uma taverna que inicialmente vendia vinho e pratos simples como queijo pecorino, azeitonas e coppiette (carne seca picante).
Em 1887, obtiveram licença para refeições para os trabalhadores do matadouro nas proximidades, no bairro Testaccio. A cozinha da bisavó Firminia passou a incluir, então, o “quinto quarto” dos animais (cabeça, rabo, patas e vísceras), uma forma de pagamento aos açougueiros, que levavam essas partes para serem preparadas na região.
Ao longo dos anos, o local se atualizou integrando ao cardápio verduras da estação como alcachofras; chicória; escarola; e brócolis, além de sopas clássicas como pasta e ceci (massa com grão-de-bico) e pasta e fagioli (massa com feijão). O menu também tem pratos tradicionais, como a saltimbocca; o garofolato (picadinho de carne e tomate cozidos com cravo); o peito de vitela à fornara; e o cordeiro à caçadora.
A família sempre foi muito cuidadosa com a combinação de vinhos, oferecendo o melhor da produção do Lácio, da Itália, e das principais regiões vinícolas do mundo (na década de 50, havia pelo menos cinco rótulos de vinhos franceses, algo inovador para uma trattoria à época).
No comando do lugar que celebra 137 anos em 2024 estão os irmãos Mariani: Elio (chef), Francesco (sala de jantar e carta de vinhos) e Marina (sobremesas e contabilidade).
Simone Minia, filho de Marina, administra o bar anexo ao restaurante. É autor do bloody mary alla vaccinara, preparado com o molho picante da rabada. A combinação entre a cozinha tradicional e as bebidas é uma inovação excepcional para quem está no ramo há seis gerações.
Checchino: Via di Monte Testaccio, 30/ Horário de funcionamento: de quarta a domingo, das 12h30 às 15h; e das 19h30 às 23h/Mais informações pelo site.
- Taverna Trilussa – um estábulo que virou referência de comida há 114 anos
Massimo Pirola faz questão de esclarecer que nem sempre quem estuda para ser cozinheiro se dá bem na cozinha. “O estudo é uma coisa, a prática é outra bem diferente. Restaurante não é um negócio para aventureiros”, diz o representante da terceira geração no comando da Taverna Trilussa, que ganhou o nome em homenagem ao poeta romano de mesmo nome – Carlo Alberto Salustri..
Há mais de cem anos, a nonna Ercilia e o nonno Guido ocupavam um estábulo no bairro de Trastevere e o transformaram em um lugar de sucesso frequentado por clientes do mundo inteiro. Aos poucos foram vendendo vinho, queijos, presuntos, até chegar nas refeições.
A Taverna Trilussa só abre para o jantar — a família entende que é preciso tempo para viver bem — o famoso dolce far niente. Junto com o irmão Maurizio, que cuida dos fornecedores, Massimo supervisiona a gestão administrativa.
O site do empreendimento dá o tom da acolhida aos que buscam uma autêntica experiência romana: “Desde 1910 puxamos essa carruagem que alimenta bonitos, feios, cultos, rudes, artistas, baixinhos, esportistas, ministros, escrivães, cantores, atores, desempregados, ricos, pobres, intelectuais e ainda imbecis, o importante é que no final todos comeram e beberam muito bem. Esta é a única coisa com a qual realmente nos importamos”, diz o texto.
Taverna Trilussa: Via del Politeama 23/Tel.: (+39) 06 58 18 918/Horário de funcionamento: segunda a sábado, das 19h às 23h. Fechado para férias de verão de 11 a 25 de agosto.
- Trattoria dal Cordaro – nome inspirado na cordas dos barcos do Papa
A Trattoria dal Cordaro tem um nome que não vem de uma família. Encravada no centro de um triângulo de bairros, Trastevere, Testaccio e Porta Portese (onde todos os domingos acontece um mercado de rua desde a década de 1940), o lugar foi batizado por causa de uma antiga cordoaria (corderia, em italiano) usada para preparar os barcos do Papa e para os reparos dos barcos comerciais que chegavam ao Porto de Ripa Grande e abasteciam a cidade de Roma com todos os tipos de mercadorias.
Logo ali, ao passar embaixo da Porta Portese, o negócio existe desde 1902, fundado pelo patriarca Arcangelo Dori sob o nome de Cantina Dori. Vale aqui explicar que para um italiano, a denominação restaurante se aplica a postos mais sofisticados — eles preferem se referir aos seus próprios negócios como hosteria ou trattoria. Quando o irmão Augusto assumiu, em 1922, trocou o nome, acompanhado do filho Dorino.
David Centioni, representante da quarta geração e sobrinho do Zio Augusto e da Zia Giuliana, lembra que a tia fazia a pasta alla gricia mais deliciosa de toda a cidade. “Ela tinha uma maneira de fazer o guanciale mais asciugato, ou seja, mais seco e crocante, então isso trazia um sabor especial para o prato”, lembra.
O proprietário de um local gastronômico verdadeiramente romano se orgulha de poder ter os melhores produtos locais. No Dal Cordaro, as carnes curadas para os petiscos vêm da fazenda Ulivarella, da região de Velletri, e o guanciale, da histórica Norcineria Iacozzilli. As pastas tonnarelli (com ovo) são as que ganham destaque. Por serem mais porosas, absorvem melhor os ingredientes. A Trattoria dal Cordaro também tem uma filial em Milão.
Trattoria dal Cordaro: Piazzale Portuense, 4/Tel.: +39.02.34.53.11.49/Horário de funcionamento: segunda a sábado, das 12h30 às 14h30, e das 19h às 23h/Mais informações podem ser encontradas no site.
- Trattoria Sora Lella – cozinheira, empresária, atriz, a “nonna” é a cara da romanità
Se fosse hoje, Sora Lella — ou Elena Fabbrizi — seria uma celebridade instantânea e não efêmera. A história de uma das “nonnas” mais famosas de Roma se diferencia da maioria, quando um homem empreendedor toma a frente do negócio e começa a oferecer refeições.
Sora Lella abre uma trattoria com seu nome em 1940, o Da La Sora Lella. Com uma habilidade incrível para a cozinha, ela seduz não apenas aqueles que buscam a típica gastronomia romana, como também alimenta crianças e soldados com fome, vítimas da guerra. O ponto alto de sua generosidade se dá quando o gueto judaico de Roma é invadido pelos alemães, em 1943, e a romana abriga judeus dentro do restaurante.
Irmã do ator Aldo Fabrizi, que atuou no clássico Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini, Sora Lella também frequentou os sets de filmagem com Totò; Marcello Mastroianni; Vittorio Gassman; e foi dirigida por Mario Monicelli e Ettore Scola. Sora Lella ganhou dois David di Donatello, o Oscar italiano.
O empreendedorismo e sua coragem fizeram abrir a Trattoria Sora Lella em 1959, na Isola Tiberina. Seus pratos eram tão famosos que, em 1967, ela foi convidada pela televisão RAI para ser entrevistada pelo ator Gigi Ballista e ensinar como preparava seu pollo coi pepperoni (frango com pimentão). As câmeras a acompanham ao mercado do Campo Marzio, onde ela seleciona bravamente os ingredientes e depois ensina como fazer. Uma aula de romanità. O vídeo pode ser visto aqui. Hoje o negócio está nas mãos dos netos Mauro, Renato, Elena e Simone.
Trattoria Sora Lella: Via di Ponte Quattro Capi, 16/Tel.:+39 06 686 1601/Horário de funcionamento: segunda a sábado, das 12h às 14h30; das 19h às 22h30/Mais informações podem ser encontradas no site do local.
- La Carbonara – disputa na origem do prato simples que leva ovo, guanciale e queijo pecorino
Existe uma celeuma sobre a origem da pasta alla carbonara, o prato mais famoso da culinária romana. É tão importante que existe o Carbonara Day (em inglês mesmo), celebrado em 6 de abril, onde os criadores de conteúdo digital, em 2024, se divertiram mostrando receitas com atum e outras “invenciones”.
Provavelmente isso nunca será solucionado, pois o drama faz parte da cultura italiana. Alguns acreditam que foi inventado por soldados americanos alocados no país, acostumados a comer bacon e ovos no café da manhã. Para os locais, isso é quase um insulto – tudo começa muito antes, no início do século 20. Uma vertente acredita que o nome vem de carbonari, ou seja, trabalhadores de carvoarias que comiam o prato (carvão em italiano é carbone). Outra corrente prega que é uma evolução da pasta alla gricia, com os mesmos ingredientes guanciale e pimenta, mas vai ovo, bem amarelo.
Dramas à parte, o restaurante La Carbonara, que fica no bairro de Monti desde 1906, informa que o local foi batizado pela divertida coincidência de que a primeira proprietária e cozinheira era esposa de um carvoeiro.
Comandado pela família Rossi há anos, inspiradas pela mamma Teresa, as filhas Rosy e Tiziana cresceram a “pão e restaurante”, como gostam de se definir. Além dos tradicionais pratos, as menções especiais vão para o ravioli de ricota e nozes, vísceras fritas e claro, a carbonara verace (verdadeira), que, segundo Rosy, só se come em Roma mesmo.
“O guanciale, o ovo, o pecorino, os melhores existem aqui, não tem como reproduzir isso fora da Itália. Capito?”, diz a romana, sem pudor. Uma “carbonara” em Roma pode custar entre 10 e 15 euros (R$ 61 e R$ 91)– sempre muito fartos e inesquecíveis.
La Carbonara: Via Panisperna, 214/Tel.: /Horário de funcionamento: segunda a sábado, das 12h30 às 14h30; das 19h às 22h/Mais informações podem ser encontradas pelo site.
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