quarta-feira, abril 2, 2025
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Um bar contemporâneo busca o quê? Confira caminhos para maturidade etílica

Nos últimos meses, a coquetelaria global vem mostrando sinais claros de amadurecimento e sofisticação. A indústria está se distanciando das tendências meramente visuais e caminhando para uma reinvenção mais intencional, onde o sabor, a técnica e a experiência sensorial ocupam o centro do palco.

Uma das transformações mais significativas está na forma como bartenders reinterpretam coquetéis clássicos utilizando novas técnicas e mostrando novos caminhos pra construção de sabores. Processos como a clarificação com leite (milk punch), lavagens com gordura (fat-washing) e infusões a vácuo (sous vide) já não são mais comuns, mas seguem presentes nos menus autorais.

Entretanto, começam a ganhar protagonismo o uso de técnicas que demandam equipamentos específicos, como as centrífugas de laboratório, destiladores eletrônicos, liofilizadores e até mesmo o uso de enzimas estabilizantes e ácidos (cítrico, málico e tartárico), permitindo sabores mais puros, texturas aveludadas e complexidade controlada no copo.

Ao mesmo tempo, o público consumidor está cada vez mais aberto ao inesperado. Bebidas autorais com ingredientes inusitados — como martinis aromatizados com pistache, azeite, gergelim ou até cogumelos — estão se popularizando.

Há um apetite crescente por coquetéis que provoquem surpresa, mas que mantenham elegância e equilíbrio. O bar contemporâneo não busca mais apenas replicar fórmulas clássicas, mas reinterpretá-las com identidade e intenção. A personalização, tanto no sabor quanto na apresentação, tornou-se um diferencial decisivo.

Experiência além do copo

Outro eixo dessa transformação é a ambientação. A experiência de beber passou a ser parte de uma narrativa maior, que envolve som, luz, temperatura, decoração e até o comportamento da equipe.

Bares urbanos vêm explorando temáticas imersivas, a exemplo do conceito de “après-ski”, que transporta os clientes para um cenário de montanha, com drinques mais encorpados, iluminação quente e um clima de aconchego.

Paralelamente, cresce a popularidade dos chamados “listening bars” — espaços intimistas que combinam coquetelaria de alto nível com sistemas de som analógico e curadoria musical refinada, muitas vezes com vinil como protagonista. Nestes lugares, o som e o drinque não competem: eles se completam, criando uma experiência sensorial única.

Com a chegada das estações mais quentes no Hemisfério Norte, os menus também refletem a sazonalidade. Ingredientes frescos, florais e frutados dominam os cardápios, trazendo leveza e vivacidade para o copo. Ervas colhidas no dia, frutas locais, pétalas comestíveis e até vegetais fermentados vêm sendo incorporados em receitas que mudam conforme o clima e o tempo.

Essa valorização do frescor e do ingrediente sazonal aproxima a coquetelaria de outras áreas da gastronomia contemporânea, como a cozinha de origem e o movimento farm to glass.

Qual o futuro da coquetelaria contemporânea?

Ao mesmo tempo em que a criatividade floresce, a indústria também começa a olhar com senso crítico para algumas práticas que já não fazem mais sentido.

Há um desejo crescente de abandonar os coquetéis superdecorados, feitos mais para fotos do que para o paladar. Enfeites excessivos, copos desconfortáveis, espumas desnecessárias e apresentações performáticas sem propósito têm sido cada vez mais questionados.

A coquetelaria contemporânea exige intencionalidade: cada técnica, ingrediente ou escolha visual precisa ter função.

O futuro da coquetelaria não está na extravagância, mas na coerência


Thiago Bañares

Também se observa um movimento contra o uso gratuito de ingredientes exóticos que não têm ligação com o conceito do bar ou com o terroir local. Em contrapartida, cresce o interesse por insumos regionais, sazonais e sustentáveis.

A procedência dos ingredientes passou a importar tanto quanto seu sabor, e o bartender ganha um papel semelhante ao de um chef: alguém que traduz o tempo, o lugar e a cultura em forma líquida.

O futuro da coquetelaria, portanto, não está na extravagância — mas na coerência. A próxima geração de bares será aquela que conseguirá equilibrar criatividade e contexto, técnica e sensibilidade.

Serão espaços onde beber será mais do que um ato de consumo: será uma experiência estética, sensorial e afetiva. Onde o luxo estará menos na ostentação e mais na simplicidade bem pensada, bem executada e, acima de tudo, verdadeira.

*Os textos publicados pelos Insiders e Colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do CNN Viagem & Gastronomia.

Quem é Thiago Bañares


Thiago Bañares
Thiago Bañares é o nome à frente das casas paulistanas Tan Tan, Kotori e The Liquor Store • Tati Frison

Bañares, formado em gastronomia pela FMU (SP), foi considerado pelo ranking “Bar World 100”, organizado pela importante publicação Drinks International, uma das 100 pessoas mais influentes da indústria global de bares. Seu restaurante/bar Tan Tan figura – pela terceira vez consecutiva – na lista dos melhores bares do mundo no “The World’s 50 Best Bars”. Ele comanda o também premiado Kotori, considerado o 50° melhor restaurante da América Latina pelo “Latin America’s 50 Best Restaurants”; e está à frente do intimista The Liquor Store, casa que privilegia a conexão entre cliente e bartender e que entrega coquetéis preparados com excelência.

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Via CNN

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