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“Tudo está melhor do que antes“: como a Síria está reabrindo para o turismo

No dia 8 de dezembro de 2024, Damasco foi tomada pelos rebeldes sírios. Com o colapso do governo de Bashar al-Assad, a ditadura de 24 anos chegou ao fim humilhante quando ele fugiu para Moscou. Agora, a bandeira verde, branca e preta da “Síria Livre” tremula sobre a cidade, e empresários como Alsmadi querem revitalizar o turismo em um país devastado pela guerra.

“Saudações da Síria Livre! Estou em Damasco neste momento. O inverno está lindo, e tudo está melhor do que antes”, disse Ayoub Alsmadi, fundador da Syria Scope Travel, ao CNN Travel. “Todo mundo está muito otimista desde a queda do regime de Assad.”

Pela primeira vez desde 2011 – quando a Síria mergulhou em uma guerra civil que matou centenas de milhares de pessoas – companhias aéreas internacionais como Qatar Airways e Turkish Airlines retomaram seus voos para Damasco.

Apesar de diversos governos desaconselharem viagens ao país – o Departamento de Estado dos EUA alerta sobre os riscos de terrorismo, agitação civil, sequestros e conflitos armados, enquanto o Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido recomenda que cidadãos britânicos saiam da Síria por qualquer meio possível – agências especializadas em turismo de aventura já estão organizando excursões para os próximos meses.

Seis semanas após a queda de Assad, Alsmadi recebeu seu primeiro grupo de turistas na fronteira entre o Líbano e a Síria, em meados de janeiro. “Por causa da guerra, o mundo inteiro sabe da existência da Síria”, disse ele de Damasco.

“Agora que Assad se foi, tenho certeza de que o turismo crescerá rapidamente. E assim que os governos pararem de dizer ‘não vá para a Síria’, o turismo vai explodir.”

Antes da Guerra

“Em 2010, mais de 10 milhões de turistas visitaram a Síria”, conta James Wilcox, fundador da Untamed Borders, empresa especializada em destinos extremos, que já programou sua primeira excursão à Síria para abril de 2025.

“O turismo é uma ferramenta poderosa para ajudar um país a se reerguer após anos de guerra. Ele traz esperança, especialmente para uma nação onde tantos setores foram dizimados pelo conflito.”

Antes da guerra civil, o turismo representava cerca de 14% do PIB sírio. Com um patrimônio histórico que remonta à antiguidade, o país atraía visitantes para locais como Palmyra, cidade greco-romana quase destruída pelo Estado Islâmico, e castelos medievais como Krak des Chevaliers.

Damasco, uma das cidades continuamente habitadas mais antigas do mundo, também se destacava, assim como a costa mediterrânea síria, antes famosa por suas praias ensolaradas de águas azul-turquesa.

Adnan Habbab, diretor da Nawafir Travel and Tours, inaugurou em 2010 o Beit Zafran Hotel de Charm, em um casarão otomano do século XIX no centro histórico de Damasco, patrimônio da Unesco. Na época, a demanda era alta, e todos os quartos estavam sempre lotados. Mas, um ano depois, com a guerra, ele teve que fechar as portas.

O hotel permaneceu fechado até 2017, quando os combates se estabilizaram. Embora o regime de Assad tenha retomado o turismo na época, as viagens eram rigidamente controladas: grupos eram seguidos pela polícia secreta, e guias turísticos que fugissem do discurso oficial podiam ser presos.

“Sempre que eu levava turistas à Síria, a inteligência batia à minha porta para saber quem eram eles”, conta Habbab, que hoje trabalha em Amã, na Jordânia. “Queriam saber para onde foram, o que fizeram, o que comeram, com quem falaram. O governo de Assad via todos os turistas como espiões até prova em contrário. Foi um período muito difícil para trabalhar com turismo.”

Mesmo com essas dificuldades, a vontade de reconstruir a indústria turística nunca desapareceu. Alsmadi, que cresceu em Damasco durante a guerra e perdeu sua casa nos bombardeios, se formou em Gestão de Turismo pela Universidade de Damasco, em 2019.

“O turismo é sempre o primeiro setor a ser atingido pela guerra e o último a se recuperar”, diz Alsmadi. “Mas é minha paixão. Adoro história, amo idiomas, e fico feliz por ter ficado na Síria. Quero ajudar a reerguer o turismo.”

Agora que sua agenda está lotada de reservas, ele acredita que esse momento chegou. Habbab, que reabriu seu hotel e já organiza excursões para a primavera de 2025, compartilha do otimismo.

“A verdade é que hoje os turistas podem andar livremente por aqui”, afirma. “Os sírios estão se reconstruindo, lojas e negócios estão reabrindo. Tenho muita esperança de que o futuro será muito mais brilhante do que os últimos 53 anos de escuridão sob os Assad.”

É cedo demais?

Viajantes que cogitam visitar a Síria não estarão apenas preocupados com a segurança, mas também podem se questionar sobre a ética de visitar um país que, até muito recentemente, estava consumido pela guerra.

O governo provisório é formado por uma coalizão de grupos rebeldes liderados pelo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), organização que o Secretário de Relações Exteriores do Reino Unido classificou como terrorista e um “braço da Al-Qaeda”.

Enquanto isso, ex-integrantes do regime de Assad ainda estão sendo perseguidos por toda a Síria. A Cruz Vermelha estima que 90% da população síria vive na pobreza, com 76% enfrentando escassez de alimentos devido a anos de conflito e sanções internacionais.

Mesmo diante desse cenário, operadoras internacionais de turismo demonstram otimismo em relação a uma retomada rápida. Dylan Harris, fundador da agência britânica Lupine Travel, acabou de retornar de uma viagem de 10 dias à Síria para avaliar a segurança antes das excursões programadas para maio.

“Nas áreas que visitamos, a situação está mais segura do que nos últimos 14 anos”, afirmou Harris. “Sabemos que ainda é muito cedo e que tudo pode mudar rapidamente. O país está estável no momento, mas teremos uma visão mais clara em março ou abril, quando o governo de transição estiver no poder há alguns meses.

“A esperança é que eles aceitem compartilhar o poder e formem uma coalizão inclusiva para redigir uma nova constituição e organizar eleições. Mas se o HTS seguir um caminho diferente, o futuro será sombrio, e o risco de um novo ciclo de guerra civil será alto.”

Wilcox, da Untamed Borders, concorda que os atuais níveis de “estabilidade relativa” são um bom sinal, mas alerta que diferentes grupos dentro da Síria vão querer ter voz no futuro do país.

Com anos de experiência organizando viagens para ex-zonas de conflito, como Somália e Chechênia, ele afirma que sua empresa aplicará esse conhecimento ao reabrir suas excursões na Síria, buscando “reduzir os riscos a um nível aceitável”.

Empresas como Lupine e Untamed Borders planejam contar com operadores locais experientes e uma ampla rede de contatos para acompanhar de perto qualquer mudança repentina no cenário político e minimizar riscos para os viajantes.

Harris, da Lupine Travel, acredita que, apesar dos anos de conflito e dos alertas internacionais contra viagens à Síria, o setor pode se recuperar rapidamente.

“A infraestrutura ainda está de pé. A maioria dos pontos turísticos escapou relativamente ilesa da guerra, e muitos hotéis sobreviveram”, diz ele. “Os guias e motoristas também estão lá — durante o conflito, muitos se mantiveram trabalhando como fixers para a imprensa.”

Novo tipo de turismo

Antes da guerra, os turistas que visitavam a Síria eram, em sua maioria, apaixonados por história. Quando o turismo foi retomado em 2017, muitos dos visitantes eram interessados no chamado “dark tourism” — viagens a locais marcados por tragédias.

Habbab acredita que essa tendência continuará. As excursões planejadas para 2025 já incluem visitas à prisão de Saydnaya, um dos principais centros de tortura e execução do regime de Assad, além das cidades de Aleppo e Homs, quase destruídas pelos combates.

Para ele, esses locais têm um papel fundamental na preservação da memória histórica e podem ajudar o mundo a compreender melhor a crise dos refugiados sírios, que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), forçou 14 milhões de pessoas a deixarem suas casas.

Precisamos transformar essas prisões em museus“, defende Habbab. “Isso é algo que jamais deve ser esquecido. Assim, as pessoas entenderão por que tantos sírios arriscaram a vida fugindo para a Europa ou para a América do Norte. Eles tinham razões para temer.”

Da mesma forma, Alsmadi quer levar turistas a Palmyra, cidade histórica cujas ruínas devastadas contam a trajetória da Síria. “As pessoas vão querer saber sobre a guerra”, diz ele ao CNN Travel. “Por isso, levo grupos a Palmyra. O ISIS destruiu os templos em 2014, mas agora estão sendo reconstruídos. Palmyra é a história viva da Síria.”

O turismo como força para o bem

Operadoras de turismo também destacam que, se a Síria continuar estável, um setor turístico revitalizado poderá ajudar o país a reconstruir laços internacionais e reerguer sua economia.

“É totalmente compreensível que as pessoas tenham receios sobre viajar para a Síria, considerando sua história recente”, afirma Shane Horan, fundador da Rocky Road Travel, especializada em destinos como Iraque, Afeganistão e Iêmen. A agência organizou um tour privado na Síria para fevereiro e lançará viagens em grupo a partir de abril.

“No entanto, incentivamos os viajantes a enxergar o turismo como parte do processo de cura do país. Visitar a Síria agora é uma oportunidade única de testemunhar sua resiliência e contribuir diretamente para sua recuperação.”

Gareth Johnson, cofundador da Young Pioneers Tours, acredita que o turismo pode ter um impacto positivo em países pós-conflito. Sua empresa está planejando excursões que coincidem com eventos culturais, como o Carnaval de Marmarita, um festival cristão realizado em agosto.

“Assim como em qualquer destino que visitamos, o contato direto entre pessoas gera benefícios reais”, diz Johnson.

“Não podemos esquecer que a Síria foi um dos países mais sancionados do mundo, e o turismo não só trará compreensão, mas também empregos, dinheiro e uma economia que beneficiará toda a população. Esses são aspectos que os sírios não apenas desejam, mas que realmente merecem.”

Habbab disse ao CNN Travel que, pela primeira vez em décadas, os sírios têm esperança — e ele quer que o mundo compartilhe desse sentimento.

“Venha para a Síria e você estará presenciando a história”, afirma, animado. “O país inteiro está em clima de festa. Os milhões de turistas que vieram antes, tenho certeza de que gostariam de voltar. Se você quer nos visitar, será bem-vindo. Pode apoiar o povo sírio, impulsionar a economia, incentivar a reabertura de hotéis e negócios e, acima de tudo, celebrar essa nova fase conosco.”

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Via CNN

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