Quando cientistas anexaram um rastreador a um tubarão-sardo-fêmea grávida em outubro de 2020 para aprender mais sobre o habitat da criatura, eles não esperavam que o dispositivo capturasse evidências de como tubarões maiores caçam uns aos outros.
Mas, quando o rastreador registrou uma atividade inesperada em março de 2021, os cientistas perceberam que um predador maior da mesma espécie havia comido o animal da pesquisa. A equipe compartilhou essas descobertas inesperadas em um novo estudo publicado na última terça-feira (3) na revista Frontiers in Marine Science.
“Este é o primeiro evento documentado de predação de um tubarão-sardo em qualquer lugar do mundo”, disse Brooke Anderso, autora principal do estudo e bióloga de pescarias marinhas do Departamento de Qualidade Ambiental da Carolina do Norte.
Os tubarões-sardo, encontrados nos oceanos Atlântico e Pacífico Sul, além do Mar Mediterrâneo, podem atingir pouco mais de 3,7 metros de comprimento e pesar até 230 quilos.
Esses animais grandes e esquivos podem viver entre 30 e 65 anos, mas as fêmeas só podem se reproduzir a partir dos 13 anos. Elas dão à luz quatro filhotes a cada um ou dois anos.
A perda de habitat, a pesca excessiva e o fato de serem capturados acidentalmente em redes de pesca ameaçam as populações de tubarões-sardo. Os representantes do noroeste do Atlântico estão listados como vulneráveis na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza.
“Em um único evento, a população não apenas perdeu uma fêmea reprodutora que poderia contribuir para o crescimento populacional, mas também perdeu todos os seus filhotes em desenvolvimento”, disse Anderson. “Se a predação for mais generalizada do que se pensava, isso poderia ter grandes impactos na população de tubarões-sardo, que já está sofrendo devido à pesca excessiva histórica.”
Agora, os pesquisadores acreditam ter identificado dois suspeitos — um tubarão-branco e um tubarão-mako de nadadeira curta — nesse mistério científico, o que pode mudar a forma como os cientistas pensam sobre a interação entre esses grandes peixes.
Acompanhando os tubarões
Quando Anderson e seus colegas estavam marcando tubarões-sardo perto de Cape Cod, em Massachusetts, em 2020 e 2022, a intenção era rastrear para onde as fêmeas grávidas iam, a fim de identificar áreas onde os peixes e seus filhotes recém-nascidos necessitam de esforços de conservação e proteção.
Ela e sua equipe estudam os tubarões-sardo há mais de uma década e se tornaram especialistas em marcá-los para pesquisa.
Os pesquisadores usaram varas de pescar e molinetes para capturá-los e trazê-los a bordo do barco. Bombas de água salgada foram colocadas nas bocas dos peixes para permitir que respirassem.
“Eles realmente se acalmam muito bem, o que facilita o processo de marcação”, disse Anderson. “Nós marcamos dezenas de tubarões-sardo nos últimos dez anos e, atualmente, estamos analisando os dados para determinar os habitats mais importantes para a população, que podem ser priorizados para conservação e direções de manejo.”
Cada tubarão foi equipado com dois rastreadores de satélite: um transmissor montado na nadadeira e uma etiqueta de arquivamento de satélite removível.
O equipamento montado na nadadeira transmite a localização atual do tubarão para satélites quando elas estão acima da superfície do oceano. As etiquetas removíveis medem a profundidade e a temperatura do oceano, armazenando os dados até se soltarem, flutuarem para a superfície e transmitirem suas informações.
O fato de que o tubarão-sardo grávido foi presa de um tubarão maior acabou se tornando uma descoberta científica adicional, disse Anderson.
O peixe marcado pela equipe, com 2,2 metros de comprimento, permaneceu principalmente submerso por cinco meses, nadando a profundidades de 100 a 200 metros à noite e 600 a 800 metros durante o dia. A temperatura do oceano variou entre 6,4 e 23,5 graus Celsius.
Mas, 158 dias após o tubarão ser marcado e liberado, a etiqueta removível começou a transmitir dados de uma área ao sudoeste das Bermudas, sugerindo que ela havia se soltado do tubarão e estava flutuando na superfície do oceano.
Por quatro dias, em março de 2021, a etiqueta registrou uma temperatura constante de 22 graus Celsius a uma profundidade entre 150 e 600 metros. Em seguida, a etiqueta flutuou para cima.
A equipe reuniu vários fatores que indicavam que o tubarão havia sido comido, e a etiqueta foi excretada por um predador maior que devorou o animal, explicou Anderson.
“O primeiro e mais importante dado foi o súbito aumento de temperatura registrado pela etiqueta, mesmo a 600 metros de profundidade”, disse ela. “Isso indicou imediatamente que a etiqueta estava agora dentro do estômago de um predador de sangue quente, como um tubarão lamnídeo. Houve também uma leve mudança no padrão de mergulho registrado pela etiqueta, o que indicou que a etiqueta estava agora rastreando outro animal (o predador).”
A etiqueta removível se soltou oito meses antes do esperado, e o equipamento montado na nadadeira do tubarão nunca mais transmitiu nenhum dado.
“Se o tubarão-sardo grávido ainda estivesse vivo, esperávamos que ela tivesse retornado à superfície do mar e a etiqueta na nadadeira transmitisse sua localização”, disse Anderson.
Suspeitos incomuns
Os tubarões-sardo pertencem a uma família chamada de lamnídeos, que também inclui o tubarão-branco e o tubarão-mako. Diferente de outros peixes, a maioria dos lamnídeos é endotérmico, o que significa que conseguem manter seus corpos mais quentes do que a temperatura da água.
“O tubarão-sardo consegue fazer isso melhor do que quase todos os seus parentes e adora as águas frias do Canadá e da Nova Inglaterra durante todo o ano”, explicou Anderson.
Para determinar o que poderia ter comido o tubarão-sardo enquanto nadava perto das Bermudas, a equipe reduziu a lista de grandes predadores que nadavam na mesma região e que eram grandes o suficiente para caçá-los — incluindo seus parentes, o tubarão-branco (Carcharodon carcharias) e o tubarão-mako de nadadeira curta (Isurus oxyrinchus).
Os makos de nadadeira curta são conhecidos por caçar pequenos tubarões, botos, tartarugas marinhas, aves marinhas, peixes ósseos e cefalópodes. Já os brancos se alimentam de baleias, golfinhos, focas e arraias.
A equipe de Anderson suspeita que o tubarão-branco seja o principal culpado, considerando que os makos de nadadeira curta costumam fazer mergulhos rápidos entre a superfície e as profundezas durante o dia, algo que a etiqueta removível não registrou.
“Muitas vezes pensamos nos grandes peixes como predadores de topo, mas com os avanços tecnológicos, começamos a descobrir que as interações entre grandes predadores podem ser ainda mais complexas do que se pensava”, disse Anderson. “Está claro que precisamos continuar estudando essas interações, por exemplo, para estimar com que frequência grandes tubarões caçam uns aos outros e descobrir quais impactos em cascata essas interações podem ter no ecossistema.”
Não é a primeira vez que um grande animal é devorado por outro, mas a documentação desses eventos é rara.
Tubarões caçando tubarões nos mares abertos
Algumas das maiores espécies de tubarões não têm receio de caçar outros tubarões, o que é uma parte fascinante do mundo dos tubarões que muitas vezes passa despercebida, disse o biólogo de tubarões Dr. Adrian Gutteridge, gerente de avaliação de pescarias do Marine Stewardship Council, uma organização internacional sem fins lucrativos, e membro do Grupo de Especialistas em Tubarões da União Internacional para a Conservação da Natureza.
Gutteridge, que não esteve envolvido no estudo, concorda que o tubarão-branco é o culpado mais provável.
“Esse tubarão-sardo, com 2,2 metros, pode ter parecido formidável, mas os tubarões-brancos já medem cerca de 1,5 metro ao nascer”, disse Gutteridge. “Quando atingem seu tamanho total, de quatro a cinco metros, eles são totalmente capazes de derrubar outros peixes. Portanto, este tubarão-sardo ter encontrado seu fim nas mandíbulas de um tubarão-branco maior não é tão surpreendente, mas sim um lembrete de que os brancos estão no topo da cadeia alimentar.”
A marcação por satélite está ajudando os pesquisadores a rastrear e descobrir berçários desses peixes, movimentos sazonais e padrões comportamentais, o que é especialmente crucial para proteger populações vulneráveis, disse Gutteridge.
Durante décadas, os sardo do Atlântico noroeste foram caçados para consumo. Felizmente, essa população está se estabilizando e aumentando, mas a proteção contínua é vital para permitir que essa recuperação continue, afirmou Anderson.
Agora, a equipe quer descobrir com que frequência outros tubarões caçam os tubarões-sardo. “Desvendar os mistérios do oceano aberto sempre foi um desafio”, disse Anderson. “É possível que, quanto mais peixes grandes conseguirmos marcar e rastrear, mais comportamentos como esse serão revelados.”