A imprensa americana, e também a de outros países do Ocidente, está desnorteada com a vitória acachapante de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos, embora ela estivesse diante do seu nariz. Compreensível: para uma imprensa que se deixa guiar inteiramente pelas suas preferências ideológicas, mas ainda vendendo hipocritamente o mito da sua imparcialidade, o pensamento mágico infantil é o de que os cidadãos perceberão a realidade da mesma forma que ela e farão tudo o que a sua mestra mandar.
O efeito da artilharia pesada da imprensa e da máquina democrata contra Donald Trump durante todos esses anos teve efeito contrário ao pretendido — ajudou a elegê-lo porque o confirmou no seu papel favorito de vítima do sistema e de uma elite política cada vez mais distante da América profunda, cujos valores tradicionais são menosprezados e ridicularizados por quem se julga farol da humanidade. No papel, portanto, de antípoda ao sistema.
As circunstâncias também foram extremamente favoráveis a Donald Trump: a inflação persistente, o preço exorbitante das casas, o sentimento de insegurança nas ruas, alimentado pela política laxista dos governadores democratas, a impressionante ausência de controle nas fronteiras.
Todos esses aspectos foram continuamente negados pela imprensa, em maior ou menor grau, como se a realidade dos cidadãos fosse uma ilusão que pudesse ser desmentida na catedral de estatísticas e análises enviesadas. Não se aprendeu a lição de que, quando há uma discrepância entre a realidade subjetiva de uma grande massa de pessoas e a que se quer objetiva, é preciso rever e relativizar a segunda, não questionar a primeira.
A imprensa americana, mas não só ela, participou ativamente da farsa democrata de tentar esconder a verdadeira condição física e mental de Joe Biden. Quando não foi mais possível continuar essa farsa, participou de uma segunda: a de passar a ideia de que Kamala Harris era uma estadista, imagine só, representaria a mudança requerida pelos cidadãos, apesar de ser vice do presidente campeão de impopularidade.
Kamala Harris não tinha nada a dizer, a mudar, a acrescentar. Restou-lhe o ativo de ser a primeira mulher negra a disputar a Casa Branca. Mas o simbolismo se revelou sem grande valia, e não principalmente por causa da misoginia para os quais analistas apontam o dedo, talvez tão apressadamente quanto o fizeram na construção da candidatura da democrata.
É que chegou a hora de os políticos americanos, principalmente os democratas, pararem de dividir a sociedade dos Estados Unidos por gêneros e etnias de maneira tão esquemática. Os negros, como Kamala Harris, e os hispânicos em situação regular, já na segunda, terceira ou quarta gerações, veem a imigração ilegal com a mesma preocupação dos brancos ou até uma preocupação maior. Os mais pobres e os simplesmente remediados de todas as cores de pele sentem duramente os efeitos da alta de preços.
Donald Trump superou os lugares-comuns nascidos da visão esquemática, inclusive o de que os mais jovens seriam necessariamente contra ele. Pegue-se o caso de Wisconsin, bastante ilustrativo. Nesse estado pêndulo, os resultados mostram que, em relação à eleição de 2020, Donald Trump obteve o dobro de votos dos negros. Entre os eleitores de 18 a 29 anos, ele empatou com Kamala Harris, No universo dos jovens que estavam votando pela primeira vez, o republicano conseguiu arrebanhar impressionantes 58% dos votos.
Donald Trump venceu, e teremos quatro anos de muita estridência tanto da parte dele e dos seus simpatizantes, como do lado dos democratas e da imprensa que lhes serve de linha auxiliar e que terá sempre o manto da sua função fiscalizadora para encobrir outro aspecto não menos vital para a democracia, digamos assim.
Falar de Trump, guerrear com Trump, perseguir Trump, ofender Trump e ser ofendido por Trump, defender Trump, entrar no jogo de Trump, o do conflito permanente, vende mais jornais, dá um empurrão nas assinaturas, aumenta a audiência de emissoras e sites de notícias. Foi o que ocorreu no primeiro mandato do republicano. Há um ganho comercial na derrota ideológica da imprensa, e também por isso não se espere que os jornalistas reflitam sobre os seus erros. “O principal negócio do povo americano é fazer negócios”, disse o presidente Calvin Coolidge, 1925.