sábado, novembro 23, 2024
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TikTok vai ser banido ou vendido? Entenda a briga com o governo dos EUA

A Câmara dos Estados Unidos aprovou nesta quarta-feira (13) um projeto de lei para proibir o TikTok no país. A contrapartida para que a plataforma não seja banida é a venda das suas operações nos EUA em até seis meses. O país tem mais de 170 milhões usuários do aplicativo. Entenda abaixo o conflito entre a empresa de tecnologia chinesa e o governo americano.

O que aconteceu

O projeto, chamado de Lei de Proteção dos Americanos contra Aplicações Controladas de Adversários Estrangeiros, teve 352 votos a favor e apenas 65 contra. O apoio mostra que houve forte engajamento bipartidário para aprová-lo. Agora, o PL segue para o Senado, onde tem um futuro um pouco mais incerto. O senador democrata Chuck Schummer, líder da maioria na Casa, não sinalizou até então se deve pautar o projeto tão cedo. Em comunicado, o TikTok afirmou que tem esperança de que o Senado “considere os fatos, ouça os seus eleitores e perceba o impacto na economia — sete milhões de pequenas empresas — e nos 170 milhões de americanos que utilizam o serviço”.

Na semana passada, 50 membros do Comitê de Energia e Comércio da Câmara dos Representantes dos EUA votaram a favor do projeto de lei que proibiu a operação do TikTok caso a plataforma não seja vendida. Com a aprovação (que foi unânime), o texto foi encaminhado ao plenário da Casa para ser votado.

O texto do projeto fala em proteger a segurança nacional dos Estados Unidos da “ameaça representada por aplicativos controlados por adversários estrangeiros”. Isso vale para o TikTok ou qualquer aplicativo ou serviço desenvolvido ou fornecido pela ByteDance Ltd.

Nesta semana, os deputados Mike Gallagher e Raja Krishnamoorthi, ambos por trás do projeto, enviaram uma carta a Shou Zi Chew, CEO do TikTok. No documento, eles exigiram que a plataforma “parasse de espalhar falsas alegações em sua campanha para manipular e mobilizar cidadãos americanos em nome do Partido Comunista Chinês”.

Eles se referiam à campanha “Stop TikTok Shutdown“, que incentivou os usuários a ligarem para representantes das casas legislativas e falar que a proibição prejudicaria milhões de negócios, destruiria o meio de subsistência de diversos criadores de conteúdo e negaria audiência a artistas.

Os políticos alegam que as mensagens são enganosas. Eles afirmam que a lei não visa proibir o TikTok, mas sim dar seis meses para que a plataforma “elimine o controle adversário estrangeiro”.

“Tudo o que o TikTok teria que fazer é separar-se do ByteDance, controlado pelo PCC [Partido Comunista Chinês]. No entanto, se o TikTok optasse por não se livrar deste controle do PCC, o o aplicativo não seria mais oferecido nas lojas de aplicativos dos EUA. Mas o TikTok não teria ninguém além culpar-se – estaria escolhendo este caminho ao optar pelo controle do PCC em vez do controle dos americanos privacidade e segurança nacional. Simplificando, o futuro do TikTok está diretamente nas mãos do TikTok e ByteDance.” Trecho da carta

Na última sexta-feira (8),o presidente Joe Biden já declarou que, caso aprovado, ele sancionará a lei. O ex-presidente Donald Trump, que vai disputar a eleição este ano contra Biden, já se manifestou contrário à proibição. Trump alega que, sem o TikTok, o Facebook — que ele diz ser “inimigo do povo” — acabaria crescendo.

Se a lei for sancionada, a operação deverá ser desvinculada da ByteDance por meio de venda. Se isso não acontecer, a plataforma será removida do AppStore (Apple) e PlayStore (Android).

Luca Belli, professor da FGV Direito Rio e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, diz que a preocupação com os dados pode até fazer sentido, mas esconde algo maior. Os Estados Unidos não têm uma lei federal de proteção de dados como outros países, inclusive o Brasil. “É muito mais honesto que o Congresso Americano adote uma LGPD, mas claramente, em termos políticos, em ano de campanha eleitoral, faz muito mais sentido identificar um ‘grande vilão’ ao invés de fazer um pouco de autocrítica”, explica o especialista.

A ADPPA (Lei Federal Americana de Privacidade e Proteção de Dados) é um projeto de LGPD do país. A lei passou pelo Comitê de Energia e Comércio da Câmara dos EUA em 2022, mas ainda não foi discutida no plenário da Câmara dos Representantes.

A preocupação com os dados dos usuários é importante, mas não deve ser enviesada, avalia o especialista. “O conteúdo do TikTok não é produzido pelo Partido Comunista Chinês, é produzido pelos usuários, todos fora da China. A maioria dos investidores são internacionais e americanos, como o Goldman Sachs, o Morgan Stanley… Realmente, dizer que o aplicativo é utilizado para propaganda chinesa é muito curioso. O fato de que o aplicativo possa ser utilizado para coletar dados, claramente é possível, como qualquer outro”, diz Luca.

Como tudo começou

Os defensores do projeto reiteram que a ideia não é acabar com o aplicativo, mas sim tirá-lo do controle chinês. Políticos alertam para o que seria o “risco de uma transferência em massa” de dados dos usuários americanos para o país comandado por Xi Jinping.

Em março do ano passado, Shou Zi Chew foi até o Congresso, em Washington, para prestar esclarecimentos sobre o funcionamento do TikTok. Os políticos questionaram o executivo sobre a proteção de dados dos usuários durante uma audiência que durou cinco horas. Na ocasião, Chew reiterou que o TikTok sequer opera na China continental (a China Mainlad) e tem sedes em Los Angeles e em Singapura.

Chew precisou repetir, mais de uma vez, que não tem ligação com o governo chinês ou com o PCC (Partido Comunista Chinês). Também precisou esclarecer que não é chinês, e sim singapurense. O CEO declarou que a coleta de dados feita pela plataforma é transparente com os usuários e que o TikTok não coleta mais dados do que outras empresas do setor. Em seu depoimento escrito, antes do início das perguntas, Chew declarou: “Deixe-me afirmar isso de forma inequívoca: a ByteDance não é um agente da China ou de qualquer outro país”.

Os congressistas também criticaram o algoritmo da plataforma, que entregaria vídeos inadequados para crianças e adolescentes. A deputada Cathy McMorris Rodgers, presidente do Comitê de Energia e Comércio da Câmara, disse que a plataforma deveria ser banida do país. “Espero que hoje você diga qualquer coisa para evitar esse resultado? Não estamos acreditando nisso. Na verdade, quando você comemora os 150 milhões de usuários americanos no TikTok [na ocasião], isso enfatiza a urgência de o Congresso agir. São 150 milhões de americanos sobre os quais o Partido Comunista Chinêspode coletar informações confidenciais sobre e controlar o que vemos, ouvimos e acreditamos”, declarou.

Buscando “acalmar” os congressistas, o TikTok criou o Projeto Texas, iniciativa que custou mais de US$ 1,5 bilhão para a proteção de dados dos usuários dos Estados Unidos. Trata-se de um pacote de medidas criado para lidar com os dados dos norte-americanos em servidores domésticos, de forma separada do restante da operação. Em março do ano passado, um ex-funcionário do setor de Confiança e Segurança da empresa revelou ao jornal Washington Post que o projeto “não vai longe o suficiente” e que um acordo verdadeiramente à prova de vazamentos para os dados dos americanos “exigiria uma ‘reengenharia completa'” de como o TikTok opera. A empresa declarou que o ex-funcionário interpretou mal o plano e que por ter sido demitido antes da conclusão do projeto, ele não teria conhecimento do seu atual status.

TikTok será vendido?

O maior mercado do TikTok é os Estados Unidos, mas a empresa nunca falou abertamente sobre a possibilidade de ceder às pressões e vender a operação no país. O ranking da consultoria Brand Finance, do ano passado, colocou a rede social como a mais valiosa do mundo, destronando o Facebook, da Meta. Na ocasião, estimou-se que o valor de mercado da plataforma gire em torno de US$ 65,69 bilhões.

No mesmo dia do depoimento de Chew no Congresso, no ano passado, o Ministério do Comércio da China disse que iria se opor fortemente a uma venda forçada do TikTok. Shu Jueting, porta-voz do ministério, disse que qualquer venda envolvendo a exportação de tecnologia deve estar “de acordo com as leis chinesas”, e que forçar esse tipo de operação iria “minar gravemente a confiança dos investidores de vários países, incluindo a China, para investir nos Estados Unidos”.

Nesta semana, o Wall Street Journal apontou que Bobby Kotick, ex-CEO da Activision Blizzard, teria interesse em comprar a plataforma. Ele teria compartilhado o desejo de adquirir o TikTok com Sam Altman, CEO da OpenAI, dona do ChatGPT, durante um jantar que contava com a presença de Zhang Yiming, cofundador da ByteDance. A transação seria de US$ 100 bilhões, mas a ByteDance negou que a informação seja verdadeira.

O TikTok tem mais de 1 bilhão de usuários ativos por mês em todo o mundo. Segundo a empresa de inteligência de mercado Sensor Tower, foram 733 milhões de downloads no ano passado. A plataforma só ficou atrás do Instagram, que totalizou 768 milhões downloads.

Tentativas anteriores

A briga não é de hoje. Trump pode ter mudado de ideia, mas em 2020, quando ainda era presidente, emitiu um decreto em agosto para proibir o uso do TikTok nos Estados Unidos, alegando que a plataforma ameaçava a segurança nacional. Na época, dois juízes federais anularam a medida, e não houve contestação.

Em maio do ano passado, Montana foi o primeiro estado do país a proibir a plataforma de operar no país. A proibição virou lei após ser assinada pelo governador Greg Gianforte. Seria quase que um “teste” para o banimento nacional, o que congressistas em Washington já estavam pedindo.

A plataforma disse em comunicado que o projeto de lei violava os direitos da Primeira Emenda (que discorre sobre liberdade de expressão) do povo de Montana. A medida começaria a valer, a princípio, a partir de 1º de janeiro de 2024, quando as lojas de aplicativos não poderiam mais disponibilizá-lo para download. Em caso de descumprimento, pagariam uma multa de US$ 10.000.

O TikTok processou o Estado após a assinatura da lei. Até mesmo criadores de conteúdo chegaram a mover uma ação contra Montana. Samantha Alario, Heather DiRocco, Carly Ann Goddard, Alice Held e Dale Stout alegavam que o estado não tinha autoridade sobre questões de segurança nacional.

Em dezembro, no entanto, a decisão foi derrubada. O juiz distrital Donald Molloy emitiu uma liminar favorável ao TikTok dizendo que a proibição estatal “violava a Constituição em mais de uma maneira” e “ultrapassava o poder do Estado”, além de infringir os direitos constitucionais dos usuários. Em janeiro deste ano, o Estado disse que iria recorrer.

Os fundamentos legais que embasam o projeto são extremamente fracos, explica Luca. Do ponto de vista de negócio e comércio internacional, é algo muito difícil de ser sustentado em termos de regulamentação. “O TikTok é uma empresa privada, quer maximizar lucros, ganhar mais, ter mais usuários. (…) Se hoje os EUA obrigassem a Bytedance a vender a empresa TikTok para uma empresa americana, os chineses podem solicitar que as empresas americanas que operam na China a vender suas operações para empresas chinesas”, diz.

No que diz respeito à proteção de dados, ele cita a França como um bom exemplo. O país proibiu não apenas o TikTok, mas também outros aplicativos recreativos nos celulares de funcionários públicos (cerca de 2,5 milhões de pessoas). No ano passado, os Estados Unidos proibiram o uso do TikTok nos aparelhos de funcionários do governo. O Canadá e a União Europeia anunciaram medidas semelhantes.

“Funcionários públicos que podem ter no seu trabalho, na sua função, contato com dados que podem ser sensíveis, que eles sejam proibidos de utilizar aparelhos com qualquer tipo de aplicativo que possa compartilhar e armazenar seus dados em servidores estrangeiros. Acho realmente que a questão seja identificar quais tipos de setores são críticos para garantir a cibersegurança do país. Nem todos os usuários são iguais. Na semana passada, a EDPS (European Data Protection Supervisor) falou que a Comissão Europeia não podia usar os apps da Microsoft porque não são seguros. Então claramente tem uma questão de sensibilidade, acho essencial fazer uma distinção entre setores críticos que merecem uma segurança aprimorada e o usuário clássico.” Luca Belli, professor da FGV Direito Rio e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV

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