Tudo sobre Artemis
A interferometria, técnica que combina a luz de múltiplos telescópios terrestres para simular um único equipamento de grande porte, já demonstrou sua eficácia em diversos estudos científicos. Agora, pesquisadores estão explorando a possibilidade de expandir essa tecnologia para a Lua, utilizando as futuras missões Artemis, da NASA.
Denominado Artemis-enable Stellar Imager (AeSI), o projeto, detalhado em um artigo que está disponível em versão de pré-impressão no repositório online arXiv, propõe instalar um interferômetro óptico/ultravioleta na superfície lunar para realizar estudos avançados sobre sistemas exoplanetários e outros fenômenos astronômicos.
O projeto AeSI já foi aceito na Fase 1 do programa Conceitos Avançados e Inovadores (NIAC) da NASA, que financia ideias revolucionárias com potencial para transformar a exploração espacial. A proposta é vista como uma oportunidade de levar a ciência a novos patamares, proporcionando imagens de altíssima resolução e detalhamento de objetos celestes, algo até então impossível com a infraestrutura existente.
Por que colocar um telescópio na Lua
Em entrevista ao site Universe Today, a astrofísica Gioia Rau, do Centro Espacial Goddard, da NASA, destacou a importância do projeto. “A motivação por trás deste estudo é avaliar se podemos construir e operar, em colaboração com o Programa Artemis, um observatório grande e de abertura esparsa (interferômetro) na superfície lunar e determinar se ele é competitivo com uma opção de voo livre desenvolvida anteriormente”.
Segundo ela, o AeSI visa estudar o Universo em altíssima definição, capturando comprimentos de onda ultravioleta e ópticos com uma resolução angular cerca de 200 vezes superior à do Telescópio Espacial Hubble. “Esse tipo de observação não é possível da Terra devido à distorção causada pela atmosfera. Mesmo no espectro visível, a interferência atmosférica limita o desempenho dos interferômetros terrestres, o que faz do espaço um ambiente ideal para esse tipo de estudo”.
A ideia de instalar um interferômetro na Lua não é nova. Há muito tempo os cientistas propõem enviar interferômetros UV/ópticos para o espaço, mas a ausência de infraestrutura lunar sempre limitou essas possibilidades.
Por isso, até então, os especialistas preferiram trabalhar com satélites, conhecidos como “free-flyers“, que são mais simples de operar. No entanto, com o avanço do Programa Artemis e a possibilidade de levar infraestrutura robusta para a Lua, o cenário mudou, e a instalação de um observatório lunar passou a ser considerada uma possibilidade real.
O AeSI seria composto por um interferômetro de um quilômetro de diâmetro, instalado perto do polo sul lunar, área prevista para o pouso das missões Artemis, especificamente a terceira. Essa localização estratégica permitiria ao equipamento realizar observações precisas de estrelas e seus campos magnéticos, clima espacial e, mais importante, a habitabilidade de exoplanetas em sistemas distantes.
Além de oferecer uma ciência mais avançada, o projeto AeSI também é escalável. A proposta prevê que ele possa ser expandido para incluir até 30 ou mais elementos, formando um único e poderoso interferômetro.
Robôs podem ajudar a superar desafios
No entanto, alguns desafios precisam ser superados para que a ideia se concretize. Entre eles estão a poeira lunar, conhecida por ser abrasiva e prejudicial aos equipamentos, e a atividade sísmica, que poderia comprometer a precisão dos instrumentos.
Para lidar com esses problemas, a equipe de pesquisadores sugere o uso de robôs auxiliares, que seriam responsáveis por ajudar na construção e manutenção do observatório.
De acordo com a Dra. Rau, o estudo inicial mostrou que o projeto é tecnicamente viável. O estudo de Fase 1 fornece recomendações importantes para futuras pesquisas e desenvolvimento de tecnologias, necessárias para superar os obstáculos técnicos e tornar o AeSI uma realidade.
A trajetória do AeSI dentro do programa NIAC começou de forma promissora. A Fase 1 do projeto foi aprovada com uma taxa de sucesso inferior a 4%, destacando a relevância da proposta. Agora, o próximo passo é buscar financiamento para a Fase 2, que permitirá o aprofundamento do estudo e o desenvolvimento de soluções para os desafios identificados.
“A Fase 2 se concentraria em desenvolver e refinar ainda mais o estudo inicial de nove meses que estamos fazendo na Fase 1”, disse Rau. “Acreditamos que nosso conceito visionário tem o potencial de revolucionar a pesquisa científica e fornecer uma oportunidade significativa para demonstração de tecnologia na superfície lunar, portanto, realmente esperamos obter mais apoio do NIAC e ou outras fontes de financiamento”.
Um dos objetivos do AeSI é contribuir para a pesquisa sobre habitabilidade de exoplanetas. Atualmente, mais de 5.700 mundos foram confirmados fora do Sistem Solar, sendo que cerca de 70 estão na chamada “zona habitável” de suas estrelas, onde as condições são favoráveis à existência de água líquida. O AeSI permitirá uma análise detalhada dessas estrelas e suas interações com os planetas ao redor, ajudando a entender melhor os fatores que influenciam o surgimento e a sustentação da vida.
Ao realizar observações ultravioleta e ópticas com resolução angular sem precedentes, o AeSI abrirá novas fronteiras na astrofísica. Ele permitirá uma investigação mais profunda dos componentes mais energéticos do Universo, como estrelas magnéticas e galáxias distantes, oferecendo uma compreensão mais rica do cosmos e contribuindo para futuras descobertas científicas.