O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, nesta sexta-feira (8), o julgamento sobre a possibilidade de o Estado ser responsabilizado pela morte de pessoas baleadas durante operações policiais ou militares — nos casos em que não for possível identificar a origem do tiro.
Ainda não há uma definição sobre o tema. O julgamento teve quatro correntes diferentes de votos, e nenhuma alcançou maioria. Em casos como esse, em que há várias posições, o resultado do julgamento fica para um momento posterior.
Segundo apurou a CNN, a expectativa é de que o presidente da Corte, ministro Roberto Barroso, suspenda a proclamação, para ser feita durante uma sessão presencial, com debate entre os ministros.
A análise do caso foi feita em sessão virtual que começou em 1º de março. No formato, não há debate entre os ministros, que apresentam seus votos de forma escrita em um sistema eletrônico.
O processo tem repercussão geral, ou seja, o entendimento que vier a ser tomado deverá ser aplicado a todos os casos semelhantes na Justiça.
Caso os ministros entendam que o Estado deve ser responsabilizado, familiares das vítimas terão o direito de receber uma indenização, por exemplo.
As quatro correntes de votos foram apresentadas pelos ministros Edson Fachin (relator), Alexandre de Moraes, André Mendonça e Cristiano Zanin.
Fachin reconhece que há responsabilidade do Estado mesmo não havendo conclusão sobre a origem do disparo. Ele foi acompanhado por Rosa Weber (já aposentada), Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Alexandre de Moraes entendeu que a responsabilização pressupõe a comprovação de que a bala partiu dos agentes do Estado.
André Mendonça e Cristiano Zanin apresentaram votos em que admitem a responsabilização de morte por bala perdida, mas desde que seguidos alguns critérios.
Dias Toffoli e Nunes Marques seguiu a posição de Mendonça; Roberto Barroso acompanhou Zanin; e Fux acompanhou Moraes.
O caso concreto envolve a morte de um homem de 34 anos, em junho de 2015, atingido por bala de arma de fogo dentro da sua casa, na comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro, durante tiroteio entre traficantes de drogas e militares da Força de Pacificação do Exército que atuava no Complexo da Maré.
A família dele moveu ação contra a União e o governo do Rio de Janeiro pedindo indenização por danos morais, ressarcimento das despesas do funeral e pensão vitalícia.
A ação foi negada em primeira e segunda instância. A Justiça entendeu que não se comprovou que o disparo que causou a morte teria sido realizado por militares do Exército.
O julgamento começou em setembro de 2023. Na ocasião, o relator, Edson Fachin, entendeu que só com uma perícia conclusiva que comprove não haver nexo de causalidade entre a ação do Estado e a morte é possível afastar a responsabilidade do poder público.
Ou seja, para que se possa excluir a responsabilidade estatal é imprescindível que o Estado comprove fatores como motivo de força maior, ou que a morte tenha ocorrido por exclusiva ação da vítima ou de terceiros.
Fachin entendeu que o fato que gerou a morte não é a bala em si, mas a própria operação militar. “Daí porque, para configurar o nexo de causalidade, não é necessário saber se o projétil proveio da arma dos militares do Exército ou dos confrontados, mas, sim, se houve operação da Força de Pacificação do Exército no momento e no local em que a vítima foi atingida por disparo de arma de fogo”, afirmou.
A tese proposta por Fachin foi a seguinte: “Sem perícia conclusiva que afaste o nexo, há responsabilidade do Estado pelas causalidades em operações de segurança pública”.
A ministra Rosa Weber acompanhou o relator. André Mendonça pediu vista.
Na retomada do julgamento, na última sexta-feira (1º), Mendonça apresentou seu voto. Ele disse concordar com a posição de que a ausência de uma perícia sobre a origem do tiro abre margem para a responsabilização do Estado.
Ele, no entanto, propôs uma tese “em linha com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade” e que permite a aplicação de “critérios de responsabilização do Estado de maneira facilitada — sem, contudo, tomar a linha drástica da responsabilização automática”.
Mendonça propôs a seguinte tese: “O Estado é responsável por morte de vítima de disparo de arma de fogo durante operações policiais ou militares em comunidade, quando a perícia que determina a origem do disparo for inconclusiva, desde que se mostre plausível o alvejamento por agente de segurança pública; Poderá o Estado se eximir da responsabilização civil, caso demonstre a total impossibilidade da perícia, mediante o emprego tempestivo dos instrumentos técnicos disponíveis, para elucidação dos fatos”.
Alexandre de Moraes disse, em seu voto, que o nexo de causalidade entre a ação do Estado e a morte em operações policiais é um “pressuposto da responsabilidade civil para fins de afirmação do dever de indenizar”.
Para ele, o Estado não pode ser obrigado a pagar indenização nos casos em que não ficar comprovado que foi a conduta de seus agentes que “resultou do evento danoso”.
“O Estado de Direito não pode permitir tortura; o Estado de Direito não pode permitir bala perdida; o Estado de Direito não pode permitir abuso de autoridade. É uma necessidade imperiosa equilibrar fiscalização, repúdio ao abuso de autoridade e punição dos maus policiais com a continuidade desse serviço essencial que é a segurança pública e proteção à toda sociedade. Mas isso não significa responsabilizar o Estado mesmo quando não comprovado que foi a conduta de seus agentes que resultou do evento danoso”.
Moraes propôs a seguinte tese: “A responsabilidade estatal por morte de vítima, por disparo de arma de fogo durante operações policiais ou militares em comunidade, pressupõe a comprovação de que o projétil partiu dos agentes do Estado”.
Já Cristiano Zanin, apresentando uma quarta posição diferente, votou no sentido de que a perícia inconclusiva sobre a origem de disparo que leve à morte durante operações policiais não é suficiente, por si só, para afastar a responsabilidade do Estado.
Segundo o ministro, cabe ao Estado, no caso acima, comprovar que não há nexo entre sua ação e a morte.
Entre os elementos que possam comprovar isso, há, por exemplo, a demonstração de que os agentes não provocaram as lesões, pois não fizeram uso de arma letal ou que realizaram confronto em outra localidade ou, ainda, por culpa exclusiva da vítima ou de terceiros.
“O que se busca afirmar é que a mera natureza inconclusiva de perícia sobre a origem do projétil, por si só, não é suficiente para afastar a responsabilidade civil do Estado em hipóteses de operações policiais como a tratada nestes autos”, afirmou Zanin. “Não cabe imputar aos autores, familiares da vítima, o ônus de comprovar a origem do projétil como sendo de agente estatal”.
O magistrado propôs a tese: “(i) a responsabilidade civil do Estado, na forma do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, opera sob a teoria do risco administrativo, cabendo a oposição, se o caso, de excludentes de responsabilidade pelo ente federativo; (ii) a perícia inconclusiva sobre a origem de disparo fatal durante operações policiais e militares não é suficiente, por si só, para afastar a responsabilidade civil do Estado”.
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