O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início, nesta segunda-feira, 18, à tentativa de conciliação entre a Paper Excellence e a J&F na disputa jurídica pelo controle da brasileira Eldorado Celulose. Audiência conduzida pelo ministro Kassio Nunes Marques, definiu que o conflito será encaminhado para o Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (Nusol) do tribunal, relata a Folha de S.Paulo.
Apesar da tentativa de mediação, as perspectivas de entendimento entre as partes ainda estão distantes. Os dois lados, porém, manifestaram interesse em prosseguir com as conversas.
A mediação do Nusol buscará um entendimento para que a Eldorado saia da indefinição jurídica, que prejudica a administração e os investimentos. E poderá servir como modelo para definir como deverão atuar empresas estrangeiras no setor de papel e celulose no Brasil.
O conflito teve início em 2018, quando a Paper entrou com um processo no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) por suspeitar que a J&F não iria cumprir o contrato assinado em 2017 pela compra da Eldorado Celulose, com sede em Três lagoas (MS).
Em 2017, a Paper adquiriu 49,41% da Eldorado, por R$ 3,8 bilhões. Pelo contrato assinado naquele ano, ela ficaria com 100% das ações, por etapas, em um ano. Pagaria, no total, R$ 15 bilhões.
A J&F, depois de pedir um acréscimo nos valores iniciais, de acordo com a Paper, realmente não se interessou mais em prosseguir no negócio. Um dos motivos para a desistência alegado pela J&F foi o fato de que, segundo a empresa, a transferência das ações feria a legislação do Incra, Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993.
A negociação foi interrompida quando a J&F, holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, detinha os outros 50,59% das ações da Eldorado.
A Eldorado possui plantações de eucalipto em diferentes municípios da região. Desde então, Paper e J&F trocam acusações mútuas. Cada uma considera que não houve o cumprimento de cláusulas contratuais.
Além disso, a J&F indicou limitações impostas pela legislação brasileira quanto à propriedade de terras rurais por empresas estrangeiras, que paralisaram a transação.
Objetivos da Paper e da J&F
Na audiência, a J&F, prossegue a Folha, se mostrou interessada em adquirir a totalidade das ações da Paper na Eldorado, para reverter a compra. Em nota, relatou que possui recursos disponíveis para apresentar uma proposta “compatível com o mercado” e que “garanta alta rentabilidade” para a Paper. Dessa maneira, conforme mencionou, o litígio ficaria encerrado, com a retomada do controle total da Eldorado.
A Paper, controlada pela holandesa CA Investment, vinha questionando a atuação da Eldorado em prol da J&F, em meio à briga jurídica.
Na disputa, a J&F entrou com pedido no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para que a Paper tivesse suspenso o direito a voto na Eldorado. A alegação era que a Paper estava criando barreiras para dificultar o funcionamento ou crescimento de concorrentes no mercado. No domingo 17, por meio do seu superintendente-geral, Alexandre Barreto, o Cade acatou o pedido da J&F, em mais um capítulo da disputa.
Em etapas anteriores, ambas haviam conquistado vitórias. A Paper venceu em instâncias que reconheceram e validaram as sentenças arbitrais da Câmara de Comércio Internacional (CCI). Essas decisões visavam a assegurar o cumprimento do contrato de venda.
Em fevereiro de 2021, um juiz da Vara Empresarial de São Paulo homologou a sentença arbitral da CCI, ao reconhecer que a Paper cumpriu suas obrigações contratuais. Determinou ainda que a J&F deveria transferir o controle da Eldorado.
Em outubro de 2024, o CCI novamente deu parecer favorável à Paper, para que a Eldorado pagasse à empresa os dividendos referentes a 2023.
Entre 2021 e 2023, o TJSP também tomou decisões favoráveis à Paper, ao negar recursos apresentados pela J&F para suspender os efeitos da homologação arbitral. Isso reforçou a obrigatoriedade do cumprimento do contrato de compra e venda.
A J&F, porém, obteve outras vitórias que travaram o contrato. O Tribunal Federal da 4ª Região (TRF4) concedeu uma liminar em 2022 que impediu a transferência das ações da Eldorado para a Paper.
Questão das terras
O órgão atendeu a uma ação popular que questionava a compra, sob o argumento de ilegalidade na posse de terras rurais por estrangeiros, sem a aprovação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nem do Congresso Nacional.
Para a J&F, a Paper não tinha autorização legal para concluir a compra da Eldorado. A empresa dos irmãos Batista considera que foram, com isso, violadas cláusulas contratuais que exigem o cumprimento de legislações e autorizações vigentes.
O Incra, por meio de processos administrativos e jurídicos, também questionou a regularidade da transação, devido ao que considerou limitações legais impostas pela Lei da Terra.
Na semana passada, o Incra encerrou um processo administrativo sobre a venda da Eldorado para a Paper Excellence e recomendou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à Junta Comercial de São Paulo que o negócio não fosse formalizado.
No STF, a Paper Excellence apresentou um compromisso formal de abrir mão das terras em posse da Eldorado assim que assumir o controle definitivo da empresa.
A companhia estrangeira declarou que o compromisso foi registrado no Incra, na Advocacia-Geral da União (AGU) e apresentado ao STF.
Desde 2015, há um ação, em análise pelo STF, que propõe igualar empresas brasileiras de capital estrangeiro às nacionais. Isso permitiria investimentos internacionais em terras rurais. A ação foi proposta pela Sociedade Rural Brasileira (SRB).
Segundo a Paper, porém, a aquisição de terras não é seu foco de atuação. A empresa considera que a discussão foi introduzida pela J&F para dificultar a transferência de controle, depois de a companhia dos irmãos Batista já ter assinado o contrato.