O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, disse nesta quinta-feira (30) que a Corte é um dos “principais guardiões” da imprensa e que tem assegurado o exercício da liberdade de expressão contra a censura prévia.
“Nós todos aqui no Supremo Tribunal Federal consideramos que a imprensa profissional é um dos alicerces da democracia”, afirmou, ao abrir a sessão plenária. “Consideramos que a liberdade de expressão é verdadeiramente essencial para a democracia”.
A fala foi feita como um “breve esclarecimento” sobre a decisão da Corte do dia anterior.
Na quarta-feira (29), os ministros definiram critérios para que veículos de comunicação possam ser responsabilizados civilmente por declarações feitas por entrevistados em reportagens jornalísticas.
Ficou definido que a empresa jornalística poderá ser responsabilizada quando houver publicação de entrevista em que o entrevistado acusar falsamente outra pessoa sobre a prática de um crime se:
- à época da divulgação da entrevista, havia “indícios concretos” da falsidade da imputação.
- o veículo deixou de observar o “dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
A responsabilização envolve eventuais indenizações por danos morais. O caso tem repercussão geral, então essa tese deverá ser seguida por todas as instâncias da Justiça em processos do tipo.
Segundo Barroso, essa decisão reiterou a vedação expressa a qualquer tipo de censura prévia à imprensa.
“Reiteramos nossa jurisprudência e, em seguida, assentamos que, como regra geral, um veículo de comunicação não responde por declaração prestada por entrevistado, salvo se tiver atuado com dolo, má-fé ou grave negligência”, declarou.
“Não há nenhuma decisão cerceadora de liberdade de expressão. Reafirmamos nosso compromisso com a liberdade de expressão que, no entanto, não é o único valor que deve permanecer numa sociedade civilizada”.
Segundo o presidente da Corte, ao não existir a censura prévia, “toda e qualquer pessoa, inclusive pessoa jurídica, pode eventualmente ser responsabilizada por comportamento doloso, má-fé ou grave negligência”.
Barroso ainda afirmou que a imprensa continua tendo no STF um “parceiro”.
A tese aprovada ontem pelo STF foi elaborada pelo ministro Alexandre de Moraes, com sugestões pontuais de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
A tese aprovada diz o seguinte:
“A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (1) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (2) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
Os ministros já haviam decido em agosto sobre a possibilidade de veículos terem a responsabilidade sobre declarações de entrevistados. Não houve, no entanto, uma proposta de tese geral que tivesse conseguido o apoio de uma maioria.
A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro, disse que a tese aprovada tem um grau e responsabilização “minimamente condizente” com as preocupações da entidade de resguardo da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão.
Ela afirmou que a proposta é uma “composição de princípios que talvez não traga tantos prejuízos para a atividade jornalística”.
“Esse dever de cuidado que os ministros citam na tese é, na verdade, o fato de você ouvir o outro lado. É você dar espaço para o contraditório, na medida em que o seu entrevistado impute o que posteriormente for chamado de falso crime”, afirmou.
Castro chama atenção para os casos de entrevistas ao vivo, em que muitas vezes não é possível abrir espaço imediatamente para o exercício do contraditório.
“A gente tem que ter uma atenção redobrada com as entrevistas ao vivo. Porque nem sempre, durante o ao vivo, vai ser possível você imediatamente fazer esse contraditório. Mas acho que o caminho fica aberto e das teses é uma composição de princípios que talvez não traga tantos prejuízos para a atividade jornalística”.
A presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Katia Brembatti, afirmou que a tese fixada pela Corte desperta “motivos para comemorar e para lamentar”.
Ela destacou que organizações da atividade de imprensa fizeram uma longa articulação com o Supremo sobre o tema, e que o resultado acabou pode ser visto como um avanço.
“A gente ainda tem muito para negociar com o STF para conseguir entender alguns aspectos da decisão de hoje, por exemplo, o que é chamado de indícios de falsidade, como isso vai ser interpretado pelo Judiciário, principalmente nos pequenos municípios”, declarou.
Ela também disse que houve uma “forte atuação das organizações de defesa do jornalismo para sensibilizar os ministros e a sociedade para os riscos ao nosso papel de informar”.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ), por sua vez, disse considerar a tese do STF “foi um avanço positivo diante da grave ameaça à liberdade de imprensa”.
“A modulação dos votos reforça a natural responsabilidade dos veículos com o que divulgam, mas ainda pairam dúvidas sobre como podem vir a ser interpretados juridicamente os citados ‘indícios concretos de falsidade’ e a extensão do chamado ‘dever de cuidado’.”
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