(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 25 de maio de 2025)
É sempre muito mais confortável, ou menos incômodo, desviar o olhar das coisas que incomodam — o aleijado que pede esmola no sinal de trânsito, o carente que precisa do seu tempo, as fotos de gente morrendo de fome da Somália. Talvez nenhum de todos esses movimentos de autodefesa esteja sendo praticado com tanta aplicação no Brasil de hoje quanto a indiferença diante da injustiça mais indiscutível que já foi montada na história deste país: os processos de Brasília para julgar o “golpe armado” de janeiro de 2023.
Pense em qualquer violação da lei que possa ser cometida contra o réu de um processo penal — o STF já cometeu. Pense em ofensas diretas ao raciocínio lógico, em falsificação de fatos ou em mentiras fisicamente comprovadas — o STF, a PGR e a Polícia Federal estão usando cada uma dessas baixezas para fabricar realidades e montar fábulas contra os acusados. Pense, enfim, que os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, as bombas atômicas da acusação, não disseram absolutamente nada de útil em seus depoimentos. É melhor ficar de olhos fechados.
Os processos de Brasília tiveram, têm e vão continuar tendo um problema insolúvel: não houve, simplesmente, a tentativa de golpe de Estado que se pretende punir. Como não houve golpe, não há nenhuma prova séria de que tenha havido. Como não há golpe e nem há provas, não há culpados. Culpados de que, se não houve crime? A saída que o ministro Alexandre de Moraes e o STF acharam para essa dificuldade foi um decreto simples: tudo o que a polícia diz, e a PGR repete, é prova.
A PF diz, por exemplo, que um oficial do Exército ficou rondando a casa do ministro Moraes, dia tal, a horas tantas, com más intenções — e por isso o homem está preso há seis meses, a caminho de 30 anos de cadeia. E a prova? O STF diz que foi isso o que aconteceu, porque a PF diz que foi. Estão querendo o que mais? A defesa provou, com posicionamento do celular do acusado, que ele estava na festa de seu aniversário no momento em que, segundo a polícia, estaria na campana do ministro. A PF sequer incluiu isso no seu relatório.
É tudo assim — e daí para pior, até o absurdo em estado puro. Talvez nada demonstre tão bem essa fraude gigante quanto a cena do ministro Moraes interrogando o delator que ele próprio e a PF apresentam como a sua testemunha-chave. Moraes diz que o delator tem de “sanar lacunas” na sua delação — ou sana, ou vai à cadeia, ele, o pai, a mulher e a filha. Ou seja: a principal peça da acusação não vale juridicamente nada.
O “golpe armado” é um morto que o STF se condenou a manter vivo. A cada dia vai se enterrar mais, exibindo ao mundo sua infâmia.