A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta terça-feira (27), adiar a análise de três recursos que contestam a anulação das provas obtidas a partir do acordo de leniência da construtora Odebrecht (atual Novonor).
Esses elementos, considerados “imprestáveis” para qualquer investigado em todas as instâncias da Justiça, foram usados para basear diversas acusações e processos da operação Lava Jato.
O pedido de adiamento foi feito pelo ministro André Mendonça. Ele sugeriu que o colegiado esperasse a conclusão das tratativas de renegociação dos acordos de leniência, autorizadas por ele depois de uma audiência de conciliação na segunda-feira (26).
Na ocasião, Mendonça deu 60 dias para que empresas discutam uma renegociação dos acordos firmados na Lava Jato. O ministro também determinou, na prática, a suspensão do pagamento das multas dentro desse período.
O magistrado é o relator de uma ação apresentada por PSOL, PCdoB e Solidariedade questionando os termos dos acordos e as multas impostas às companhias.
O pedido de adiamento feito por Mendonça teve a concordância dos demais integrantes da turma: Dias Toffoli (presidente), Gilmar Mendes, Edson Fachin e Nunes Marques.
O colegiado julgaria recursos apresentados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) contra uma decisão de Dias Toffoli.
Toffoli, em setembro de 2023, anulou todas as provas obtidas por meio do acordo de leniência da construtora Odebrecht e dos sistemas de propina e de comunicação interna da empresa.
Esses elementos serviram de base para diversas acusações e processos na operação Lava Jato. O magistrado declarou que essas provas são “imprestáveis” para todos e não podem ser usadas em processos criminais, eleitorais e em casos de improbidade administrativa.
Durante os debates, o ministro Gilmar Mendes falou por cerca de 40 minutos, criticando a conduta de integrantes da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF) e citando diálogos vazados e apreendidos pela operação Spoofing, da Polícia Federal (PF).
Ele também criticou a competência para o Ministério Público fazer acordo de leniência.
O ministro disse que “muitas arbitrariedades” foram reveladas pela operação. “A clandestinidade estava no DNA da Laba Jato, métodos obscuros foram usados para obter na Suíça cópia dos sistemas da Odebrecht”, afirmou.
“O combate a corrupção supostamente justificava cometer crimes”, declarou, em referência a tratativas informais feitas pelos procuradores para se obter dados da construtora que estavam fora do Brasil.
Gilmar também afirmou que os fatos “são de uma gravidade” e que exigiria uma “comissão da verdade”. “O Ministério Público precisaria liderar isso, em defesa do bom nome da instituição”.
Fachin não adiantou sua posição quanto aos recursos que seriam analisados pela turma, mas disse que tem uma posição “distinta”. “Me recordo uma vez mais na histórica manhã de 5 de outubro de 1988, o deputado Ulysses Guimarães afirmou que o Brasil tinha dois cupins, a ditadura e a corrupção. Infelizmente vejo que são dois fantasmas que continuam assombrando o presente e, talvez, assombrem também, lamentavelmente, o futuro”.
Em seu recurso, conhecido como embargos de declaração, a então vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araujo, questiona se dados prestados “aparentemente de modo equivocado” pelo Ministério da Justiça no caso são capazes de afetar a decisão do ministro.
Conforme a PGR, o Departamento de Cooperação Jurídica (DCRI) do ministério disse inicialmente que não havia um pedido de cooperação internacional para compartilhamento de provas entre a Lava Jato e a Suíça, mas depois voltou atrás.
A falta de acordo formal de cooperação internacional é um dos pontos que embasa o entendimento de que as provas obtidas na leniência da Odebrecht são “imprestáveis” e não podem ser usadas para acusar ninguém. Isso porque os dados dos sistemas da companhia estavam na Suíça.
Já o MP-SP argumentou que a decisão de Toffoli é “ampla e genérica”, e que a anulação pode impactar ações movidas pelo órgão paulista.
O recurso foi assinado pelo procurador-geral da Justiça Mario Luiz Sarrubbo, que foi escolhido para assumir a Secretaria Nacional de Segurança Pública pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
A ANPR, questionou, entre outros pontos, a ampliação do escopo da decisão, que determinou a investigação dos membros do Ministério Público e do Judiciário envolvidos no acordo de leniência da empreiteira.
A entidade calculou que mais de 200 membros do MPF, da Advocacia-Geral da União e do Judiciário podem acabar sendo investigados. Só na delação dos 77 executivos da Odebrecht atuaram cerca de 150 procuradores.
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