A história e o folclore do futebol passam pela trajetória de Mario Jorge Lobo Zagallo, único indivíduo quatro vezes campeão da Copa do Mundo — duas como jogador (1958 e 1962), uma como técnico (1970) e outra como coordenador técnico (1994).
Como atleta, o ícone esportivo nascido em Atalaia, no estado do Alagoas, em 9 de agosto de 1931, levantou cinco vezes o título carioca e duas vezes o Rio-São Paulo, em trajetória que começou influenciada pelo pai, Haroldo, jogador de futebol e ídolo do CRB.
Na carreira de técnico, Zagallo levou o Botafogo ao título brasileiro de 1968 e a dois campeonatos cariocas. O Velho Lobo também venceu um estadual com o Fluminense e dois com o Flamengo.
Ainda pela Seleção Brasileira, comandou a equipe no título da Copa América de 1997, quando fez um de seus maiores desabafos, com uma frase que entrou para a história.
Às vésperas do torneio, o Brasil vinha sendo criticado por suas falhas defensivas, principalmente após perder um amistoso, por 4 a 2, diante da Noruega. Dois jornalistas, em especial, tiravam Zagallo do sério: Juca Kfouri e Juarez Suarez.
O então técnico da Seleção sofreu calado, mas pôde, finalmente, soltar a voz ao final da partida na qual o Brasil venceu a Bolívia por 3 a 1, ficando com o título da Copa América.
Ainda enquanto comemorava, Zagallo foi cercado por repórteres. Diante da imprensa, exaltou o espírito da equipe, olhou fixamente para a câmera e disse: “É para você, não preciso dizer mais nada. Vocês vão ter que me engolir!”.
A frase logo se tornou icônica e grande parte do púbico associou a indireta aos jornalistas críticos ao estilo do Velho Lobo.
Ninguém se torna técnico da noite para o dia, e Zagallo passou a comandar times, depois de uma carreira vitoriosa atuando como um ponta direito moderno, que subvertia conceitos do futebol, na época, voltando para marcar e refazer a linha de defesa.
Como jogador, teve passagens por América-RJ, clube do coração, Flamengo — onde foi tricampeão carioca — e Botafogo.
Seu desempenho incansável durante os 90 minutos de jogo lhe rendeu o apelido de formiguinha, e foi desta forma que ele conseguiu vaga como titular da seleção de 1958, desbancando o até então intocável Pepe.
A verdade é que Zagallo se encontrava longe de estar garantido para a Copa da Suécia, uma vez que a disputa por vaga na posição em que jogava era forte, com Pepe e Canhoteiro como os favoritos do técnico Vicente Feola.
Mas uma lesão, nos meses anteriores ao torneio, tirou Pepe e abriu espaço para Zagallo, que aproveitou as oportunidades e impressionou Feola e garantiu a titularidade na seleção. Segundo o próprio jogador, sua grande diferença dos demais era que enquanto seus semelhantes corriam 50 metros, ele corria os 100 metros do campo.
Na Copa do Mundo, formou a linha de ataque que se provaria letal nos campos da Suécia: Pelé, Garrincha, Vavá e Zagallo. No jogo decisivo da Copa, o Velho Lobo marcou gol na partida que deu ao Brasil o primeiro título mundial de sua história.
No Mundial seguinte, o Velho Lobo repetiu a dose, ao ser titular em todas as partidas do torneio, que teve o mesmo final: título para o Brasil. Nos campos chilenos, ele superou seu desempenho na Suécia e foi eleito para a seleção da Copa.
Como jogador, se aposentou no Botafogo em 1965, clube onde também iniciou a carreira de técnico, nas categorias de base. Em 1967, se tornou técnico principal do time pelo qual conquistou o campeonato brasileiro um ano depois.
Se, como jogador, Zagallo nunca atuou em clubes de fora do país, como técnico viajou o mundo, desbravando fronteiras do esporte e abrindo portas para outros treinadores brasileiros.
Inicialmente, não era Zagallo quem deveria dirigir o Brasil em 1970, mas sim João Saldanha, que comandou a Seleção durante todos os jogos das eliminatórias. Porém, o “João Sem Medo” entrou em rota de colisão com o governo brasileiro da época, que tinha influência sobre a Seleção, a utilizando-a como peça de propaganda e “sugerindo” a escalação de alguns jogadores.
Após atritos públicos, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD, antiga CBF) decidiu demitir Saldanha, que sempre se mostrou opositor ao regime e não aceitou as ingerências da instituição. Zagallo então, foi chamado ao resgate.
O time já tinha base montada, mas foi Lobo que transformou a equipe em uma máquina, ao apostar em Tostão e dar a Pelé a tranquilidade para que ele fizesse a Copa da sua vida.
Nos gramados do México, o time encantou o planeta, vencendo cada adversário que cruzasse seu caminho. Com Pelé dono do time, Jairzinho anotando gols em todas as partidas da Copa e outros três “camisas 10” em campo — Rivellino, Tostão e Gérson — o Brasil levou o tri e a Jules Rimet para casa.
Foi o primeiro título de Zagallo como técnico da Seleção. Como jogador, estava em campo nas outras duas conquistas anteriores da amarelinha.
Após o triunfo de 1970, Zagallo ainda dirigiu a Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1974, que terminou com a eliminação do Brasil pela Laranja Mecânica de Johan Cruyff.
Com a eliminação, ele se tornou um andarilho do futebol, tendo trocado de time 12 vezes em um período de 17 anos.
Nesse meio tempo, foi um dos técnicos que entrou na onda dos petrodólares, quando equipes do Oriente Médio começaram a importar treinadores brasileiros para elevar o nível do futebol local.
A ligação com os árabes lhe rendeu uma saia justa em 2003: viajando com a seleção para enfrentar o México em um amistoso, Zagallo foi parado durante a escala do voo em Los Angeles. O motivo? Seu visto havia sido expedido na Arábia Saudita.
A ligação com o país do Oriente Médio fez com que o técnico fosse interrogado por quase uma hora, separado da delegação em solo americano.
Além de Zagallo, Rubens Minelli e Carlos Alberto Parreira foram tentar a sorte no deserto. Este último foi o sucessor do Velho Lobo no comando da seleção do Kuwait em 1978, por sugestão do próprio.
Os dois tinham uma relação muito próxima desde a Copa de 1970, quando Parreira foi preparador físico da equipe, e voltariam a trabalhar juntos em 1991 para trazer o tetra ao Brasil.
Após o fracasso da Seleção Brasileira de 1990, o nome escolhido para a reconstrução do time foi o do treinador que levou o modesto Bragantino à final do Campeonato Brasileiro de 1991.
Carlos Alberto Parreira chegou à Seleção e trouxe consigo Zagallo, que seria seu braço direito durante a campanha vitoriosa da Copa de 1994, no Estados Unidos.
Depois do título em solo norte-americano, Parreira saiu e coube ao Velho Lobo assumir a Seleção. A simbiose entre os dois voltou a render frutos, graças a uma nova geração de ouro, com craques da estirpe de Ronaldo, Rivaldo, Cafu e Roberto Carlos, todos sob a dura batuta de um mais do que experiente Zagallo.
De sua segunda passagem pelo Seleção, destacam-se os títulos da Copa das Confederações de 1997 e da Copa América no mesmo ano, ofuscados pela derrota de 3 a 0 para a França na final da Copa do Mundo de 1998.
A pedido de Parreira, então técnico da seleção, Zagallo ainda voltou à equipe em 2006, no Mundial da Alemanha.
Este foi o último trabalho do Velho Lobo no futebol, uma trajetória que se confunde com a própria vida de Mario Jorge, o homem que se dedicou intensamente ao esporte bretão e, mais do que isso, à seleção brasileira.
Além da ser conhecido pela trajetória vitoriosa como jogador e técnico, Zagallo era famoso pelo apego ao número 13, superstição que carregou para o resto da vida.
A relação com o algarismo nasceu por influência da esposa, Alcina de Castro, que era devota de Santo Antônio, santo católico que ocupa o dia 13 de junho no calendário das comemorações da Igreja. Seu casamento, em 1955 foi comemorado no dia 13 de janeiro. A partir de então, Zagallo adotou o numeral como cabalístico.
Os dois foram casados por 57 anos e tiveram quatro filhos: Mário César, Paulo Jorge, Maria Cristina e Maria Emília. Alcina morreu, aos 80 anos, em 2012, vítima de complicações por insuficiência respiratória.