Servidores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) em cargos de direção ou coordenação receberam mais de R$ 100 mil em dezembro, quase três vezes o que ganham os ministros do Supremo Tribunal Federal. O subsídio de um ministro do STF é de, oficialmente, R$ 44 mil brutos, teto do funcionalismo, ou aproximadamente R$ 32 mil líquidos, descontado o imposto na fonte.
Um levantamento do jornal O Estado de S. Paulo analisou os salários de mais de 5 mil servidores do TJ-MT no segundo semestre de 2024. Durante esse período, funcionários administrativos, como analistas e técnicos judiciários, receberam até R$ 70 mil líquidos em um único mês. O maior valor registrado nos contracheques de dezembro alcançou R$ 106 mil.
Para executivos de alto escalão em grandes empresas, os salários no topo da carreira variam entre R$ 41 mil e R$ 84 mil, a depender da área de atuação — como finanças, tecnologia e marketing —, segundo dados da consultoria Robert Half.
Em dezembro, a então presidente do TJ-MT, desembargadora Clarice Claudino da Silva, autorizou o pagamento de auxílio-alimentação de R$ 10 mil para os magistrados e de R$ 8 mil para os servidores. O benefício turbinado foi apelidado de “vale-peru”. Depois que o pagamento foi descoberto, a desembargadora pediu a devolução do dinheiro, diante do “momento desafiador” enfrentado pelo Tribunal.
Tribunal divide contracheques em duas partes
Os contracheques dos servidores do Tribunal de Mato Grosso são divididos em duas partes. Há a “folha corrente”, que abrange os salários principais, e a “folha complementar”, na qual são incluídos penduricalhos, como adicional por tempo de serviço e abono de permanência.
O Estadão identificou os 20 maiores salários da folha corrente e os 20 maiores da folha complementar em dezembro de 2024. A diretora-geral do TJ-MT, Euzeni Paiva de Paula, destaca-se nas duas listas. O salário dela na folha corrente foi de R$ 48,1 mil líquidos em dezembro. Já a folha complementar indica mais R$ 40 mil, o que totaliza R$ 88,1 mil. A remuneração-base da diretora é de R$ 23,2 mil.
Além de Euzeni, 23 servidores apareceram nas duas listas: 13 na listagem das maiores folhas complementares e dez na relação das maiores folhas correntes.
Entre os três maiores salários estão a coordenadora de Gestão de Pessoas do TJ, Karine Moraes Giacomeli de Lima, a diretora da Secretaria da Terceira Câmara de Direito Privado, Daniella Del Nery Pereira, e a coordenadora de magistrados, Renata Souza Carvalho Tirapelle.
Os salários foram de R$ 106,8 mil (R$ 39,8 mil da folha corrente e R$ 67 mil da complementar), R$ 99,7 mil (R$ 45,2 mil da folha corrente e R$ 54,4 mil da complementar) e R$ 92,1 mil em dezembro (R$ 64,7 mil da folha corrente e R$ 27,4 mil da complementar), respectivamente.
Ao analisar apenas as folhas de pagamento correntes, que mostram somente os salários-base dos servidores, o Estadão verificou que 37 funcionários do TJ-MT receberam mais do que os ministros do STF (R$ 44 mil) em dezembro.
Um analista judiciário, por exemplo, faz pesquisas legais e participa da redação de documentos processuais e pode gerenciar a divisão de tarefas nas varas ou gabinetes de desembargadores. Já os servidores administrativos também podem ser escreventes, que auxiliam os juízes em audiências e em atividades cartorárias.
Os contracheques dos servidores administrativos, alguns em cargos de confiança, mostram que os salários foram encorpados pela concessão de vantagens pessoais. A rubrica corresponde à somatória de valores pagos por penduricalhos, como vantagem pessoal nominalmente identificada (VPNI), adicional por tempo de serviço, abono de permanência, quintos, décimos, vantagens decorrentes de sentença judicial ou extensão administrativa.
TJ-MT recusa pedido de divulgação de dados
Em dezembro, o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado tentou acessar o detalhamento dos contracheques, ao perceber que alguns servidores estavam recebendo valores acima do subsídio pago aos magistrados. Dirigentes do sindicato alegam que não conseguiram dados referentes ao pagamento de horas extras e vantagens incorporadas a um grupo de funcionários.
O pedido recebeu recusa formal da então presidente do TJ-MT, desembargadora Clarice Claudino da Silva. Segundo ela, a divulgação dos dados poderia “comprometer a integridade e a segurança dos servidores, uma vez que, ao serem apresentados de forma segmentada, exporiam dados pessoais, inclusive com risco de violação de sigilo fiscal”.
A Corte também argumentou que a liberação dessas informações representaria um “ônus desarrazoado” para a administração pública.
O Estadão questionou o Tribunal sobre a divisão das folhas de pagamento, e a Corte respondeu que “o portal segue padrão regulatório de transparência e guarda respeito e harmonia com as informações protegidas pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados)”. O Tribunal também destacou que, em 2024, recebeu o Selo Diamante de Transparência, concedido pelo Tribunal de Contas do Estado.
A reportagem também pediu uma posição sobre a recusa do Tribunal ao sindicato, e a Corte afirmou que a ex-presidente Clarice Claudino da Silva havia solicitado uma auditoria interna sobre a formação de banco de horas “advindas de serviços extraordinários”.
Diante da solicitação de comentários por parte do Estadão, o Tribunal informou que seu presidente, o desembargador José Zuquim Nogueira, decidiu criar uma comissão especial para “apuração dos fatos relacionados ao tema” e determinou um prazo de 30 dias para a apresentação de um relatório final.
“Em havendo indícios de irregularidades na formação do banco de horas, serão adotadas as providências necessárias para a verificação de responsabilidade administrativa”, diz o Tribunal.