“Extramente Inadequado!”, série de sucesso no Japão e que, agora, está na Netflix, está fazendo com que os jovens japoneses repensem seu pensamento sobre a geração anterior.
Na trama, um professor de educação física viúvo, mal-humorado e excêntrico tenta controlar sua filha rebelde em 1986, até que embarca em um ônibus e vai parar em 2024, onde a cultura do país é bem diferente da sua.
Por que “Extremamente inapropriado!” mudou o jeito de pensar dos jovens japoneses?
- A geração atual de jovens japoneses costumam criticar os mais velhos por seu sexismo casual, expectativas excessivas de trabalho e falta de vontade de abrir mão do poder;
- Só que o seriado local colocou os jovens a filosofar se seus progenitores e antepassados não acertaram em algumas condutas;
- Em “Extremamente Inapropriado!”, há uma comparação da era Showa, que perdurou entre 1926 e 1989, com o reinado do imperador Hirohito durante a Segunda Guerra Mundial, com a era atual, chamada de Reiwa e iniciada em 2019, com a assunção de Naruhito a imperador;
- Na época do personagem principal, muitas ideias e comportamentos são considerados politicamente incorretos e inapropriados nos dias atuais;
- Por exemplo: era aceitável espancar estudantes com tacos de beisebol, fumar no transporte público e tratar as mulheres como cidadãs de segunda classe;
- Quando ele chega a 2024, ele vê que o Japão que ele conhecia mudou completamente, inundado pela onda de smartphones, redes sociais e ambiente de trabalho no qual há grande monitoramento contra o assédio.
O programa homenageia a saga cinematográfica “De Volta para o Futuro”, no qual o jovem Marty McFly, que vive nos anos 1980, volta ao passado, mais especificamente nos anos 1950, durante a adolescência de seus pais (no primeiro filme).
Como pontua o The New York Times, o escritor, Kankuro Kudo, 53 anos, e a produtora-executiva, Aki Isoyama, 56 anos, são membros da Geração X, na casa de 50 e poucos anos, cuja nostalgia de seus tempos de juventude toca o drama cômico, cujos personagens podem se transformar em números musicais considerados malucos por muitos.
De forma pouco sutil, a série comenta ainda a evolução para escritórios mais inclusivos e acolhedores, mas dando a entender que deixam o trabalho de lado por conta de regras rígidas relacionadas a horas extras e onde funcionários se desculpam repetidamente por violarem “regras de conformidade”.
Essa representação fazem os japoneses refletirem, pois, principalmente nas redes sociais, há reclamações sobre como o politicamente correto vem sendo usado como um “clube” para restringir a liberdade de expressão, ou para diluir programas de televisão e filmes.
“Extremamente Inapropriado!” resgatou o quão desenfreadas eram definições na era Showa, o que tem agradado a muitos japoneses.
Enquanto “Extremamente Inapropriado!” foi considerada pelos críticos como sendo “retrógrada”, telespectadores mais jovens afirmam que o seriado os fez questionar as normas sociais que consideravam corretas, além de se se perguntarem sobre o que se perdeu.
Um exemplo é Rio Otozuki, 25 anos, que, em post na web para entretenimento, afirmou que o programa “deve ter deixado muitos espectadores pensando interiormente que a era Showa era mais divertida”.
Inicialmente, a moça ficou chocada com certos comportamentos dos anos 1980 vistos em “Extremamente Inapropriado!”, segundo ela. Em entrevista, a jovem afirmou estar feliz por não crescer naquela época após ver o assédio sexual e medidas disciplinares extremas, retratadas como “tão normais naquela época”.
Otozuki também se questionou se as pessoas se sentiriam com maior capacidade para fazer suas próprias escolhas. Ela rememorou um programa de variedades exibido na série, no qual jovens mulheres brincam em roupas bem pequenas e competem para deixar os seios escaparem de suas camisas, enquanto um apresentador homem rasteja entre suas pernas e faz comentários sexualmente sugestivos.
A princípio, a jovem não achou legal, mas, no fim, entendeu que, se as estrelas “percebessem que seus corpos são suas ferramentas e quisessem usá-los para entretenimento”, então, ela aceitaria a abordagem exibida no programa fictício.
Por sua vez, Kaori Shoji, crítica de arte que passou sua adolescência nos anos 1980, afirmou adorar “Extramente Inapropriado!”, tendo apreciado, em particular, a maneira como a série iluminou os efeitos assustadores do policiamento mais rigoroso dos locais de trabalho de hoje.
Todo mundo está apenas jogando para ver quem consegue ser a pessoa menos ofensiva que já existiu na Terra. Todo mundo só troca banalidades e futilidades porque tem medo de dizer alguma coisa. Certamente, isso não pode ser bom para um local de trabalho.
Kaori Shoji, crítica de arte
Indo ao futuro
Além de Ichiro (Sadao Abe), outros personagens, como uma socióloga feminista e seu filho adolescente, volta ao passado, enquanto a filha de Ichiro passa um episódio da trama no futuro, no qual conhece uma produtora de televisão e mãe solteira, que tenta equilibrar seu trabalho com sua vida pessoal.
Ambas as épocas são risíveis, mas têm seus extremos: um produtor de rede de TV moderna interrompe o talento da emissora no ar de poucos em poucos segundos para considerar seus comentários inadequados; um grupo de jovens indica a Ichiro que a pontuação que ele usa em suas mensagens de texto é ofensiva.
Isoyama afirmou que queria criar um show de TV que refletisse “sensação de desconforto em relação à conformidade e às tendências da era moderna”.
“É claro que sentimos que as coisas estão caminhando em uma direção melhor”, acrescentou a produtora-executiva em entrevista na sede da TBS, emissora original do programa, em Tóquio (Japão). “Mas nos sentimos desconfortáveis e estávamos conversando sobre isso.”
Isoyama afirmou ter se surpreendido com a popularidade da série. “Queria que as pessoas discutissem. E, claro, queria que a geração mais jovem perguntasse aos seus pais: ‘A era Showa foi realmente assim?’”.
Já Kumiko Nemoto, 53 anos, professora de gestão na Universidade Senshu, em Tóquio (Japão), onde se concentra em questões de gênero, o programa propõe-se apenas “voltar e abraçar o Japão dos anos 1980 como se fosse a melhor época”.
Ela não concordou com a representação dos jovens modernos como “muito confusos e hipersensíveis em relação ao assédio”. Para ela, as personagens femininas pareciam estereotipadas, com a socióloga feminista contemporânea retratada inicialmente “como uma ‘feminazi’”, mas, em análise final, como “boa mãe”.
No fim do programa, há a mensagem de que não podemos nos encontrar meio-termo, fazendo com que o professor mal-humorado evolua mais.
Shoji viu a série como “conto-de-fadas” que imagina o que aconteceria se pais da geração anterior “tivessem segunda chance” de serem mais gentis e mais conscientes acerca dos sentimentos dos outros.
Anna Akagi, 23 anos, escritora freelancer, afirmou que o programa a fez pensar que, talvez, os tempos não tenham mudado muito. Coisas que as pessoas expressavam publicamente, sem nenhuma vergonha, agora, apenas migraram para postagens anônimas na internet, ela opinou.
“Talvez a forma tenha mudado, mas as coisas que existiam em Showa existem em Reiwa de uma maneira diferente”, finalizou Akagi.