Assim como em Faroeste Caboclo, música eternizada pela banda brasiliense Legião Urbana, os senadores Arnon de Mello (PDC-AL) e Silvestre Péricles (PTB-AL) travaram um duelo. Enquanto na canção os personagens trocam tiros na Região Administrativa da Ceilândia, a briga entre os parlamentares ocorreu no plenário do Senado Federal.
O duelo ocorreu há 60 anos, em 4 de dezembro de 1963, uma quarta-feira, na nova capital federal, Brasília. Na briga, Arnon de Mello, pai do ex-presidente Fernando Collor, disparou tiros de uma arma de fogo contra o parlamentar Silvestre Péricles. O segundo disparo, no entanto, acertou o abdômen do congressista José Kairala (PSD-AC).
O senador baleado não resistiu aos ferimentos e morreu horas depois do tiro, no Hospital Distrital de Brasília. Kairala não tinha nada a ver com a briga entre os parlamentares Arnon de Mello e Silvestre Péricles. O político acreano era suplente de José Guiomard, que havia tirado licença médica.
Naquele 4 de dezembro de 1963, Kairala estava no seu último dia como substituto de Guiomard. O suplente, que era um comerciante na cidade de Brasiléia, no Sul do Acre, havia levado a família para vê-lo no exercício de senador.
De volta ao cenário da música de Legião, enquanto a briga dos personagens João do Santo Cristo e o ‘tal do’ Jeremias era pelo controle do ponto de tráfico de drogas, o motivo do faroeste ‘parlamentar’ era uma rixa por poder em Alagoas.
Como foi
Falta de diálogo, brigas e ameaças de morte permeavam o clima no Senado Federal naquele dia. Diante disso, o então presidente da Casa, Auro de Moura Andrade, filiado à Aliança Renovadora Nacional, impediu o ingresso de “pessoas suspeitas” no parlamento, espalhou seguranças à paisana pelas dependências do Senado e ordenou a revista de todos que quisessem ingressar nas galerias.
Em meio ao conflito regional entre os dois senadores, Péricles havia prometido matar Arnon, que pôs uma pistola Smith Wesson.38 na cintura e marcou discurso para desafiá-lo. Neste momento, Péricles conversava com o senador Arthur Virgílio Filho (PTB-AM), pai do atual líder do PSDB, Arthur Virgílio Neto.
“Senhor presidente, permita vossa excelência que eu faça meu discurso olhando na direção do senhor senador Silvestre Péricles de Gois Monteiro, que ameaçou de me matar, hoje, ao começar meu discurso”, disse Arnon.
Ao ouvir a ameaça, Péricles partiu para cima de Arnon, gritando “crápula”. Arnon não deixou o rival se aproximar: sacou o revólver, mas antes que atirasse, Péricles, mais rápido, apesar dos 67 anos, jogou-se ao chão, enquanto sacava sua arma. O senador João Agripino (UDN-PB) atracou-se com Péricles para tirar-lhe a arma.
Kairala tentou ajudar, mas foi atingido pelo segundo disparo de Arnon.
O pânico permeava o Senado. Alguns parlamentares corriam para se defender, enquanto outros tentavam apartar o duelo.
Péricles tentava marcar a pontaria da sua arma para acertar Arnon. No entanto, ele não conseguiu parar a o parlamentar paraibano João Agripino, que conseguiu tomar-lhe a arma. Neste momento, oiuviu-se mais um tiro.
A campainha do Senado ecoava no recinto em meio à gritaria. Eis que então o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, reassumiu o microfone dizendo “Basta!” e pedindo que removessem os dois rivais do plenário. Nessa hora, ouviu-se o grito: “Há um ferido, excelência!”.
Morte e punição
Baleado no abdômen, Kairala foi levado ao hospital e operado. O senador acreano recebeu estoques de sangue em transfusões, mas morreu.
Autor do disparo, Arnon chegou a ficar algumas horas preso, mas foi liberado sob alegação de que agiu em legítima defeso. O político disse que vinha sendo ofendido e ameaçado por Silvestre Péricles há anos e que também foi insultado durante discurso no plenário.
Arnon se recusou a reconhecer que partiu da arma dele o tiro que atingiu Kairala. Já Péricles afirmou que poderia ter matado o rival, mas não o fez com medo de atingir outra pessoa em meio à confusão.