Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante a eleição presidencial mais dividida desde a redemocratização, o ministro Alexandre de Moraes tem defendido enquadrar o funcionamento das redes sociais para estabelecer uma regulamentação no funcionamento das plataformas.
O argumento do magistrado é que as redes não são “terra sem lei”, e que práticas consideradas ilícitas no mundo real precisam ter o mesmo tratamento no ambiente virtual.
Um dos pontos encampados por Moraes é a equiparação das redes sociais aos meios de comunicação para fins de responsabilização por conteúdos publicados e monetizados por usuários.
Na abertura dos trabalhos do TSE em 2024, na quinta-feira (1º), ele defendeu que os provedores de redes sociais e de serviços de mensagens privadas devem ser responsáveis por “aqueles conteúdos em que seus algoritmos impulsionam, indicam, levam aos eleitores e, com isso, eles [provedores] obtêm um ganho econômico”.
Na ocasião, Moraes cobrou do Congresso uma regulação, em lei, do uso e do funcionamento da inteligência artificial e das redes sociais. Também elencou pontos que entende que as plataformas devem ser responsabilizadas, no contexto eleitoral:
- conteúdos direcionados por algoritmo ou via impulsionamentos publicitários pago por usuários;
- contas inautênticas e redes de distribuição artificial;
- caso não derrubem de forma “imediata” de conteúdos e contas com discurso de ódio e discursos antidemocráticos;
- uso de inteligência artificial sem a comunicação de que o conteúdo passou por uma produção e que não corresponde à realidade fática.
“Faz-se necessária uma regulamentação. Não só por parte da Justiça Eleitoral, porque esta será feita, como foi feita em 2022. Há uma necessidade de regulamentação geral, por parte do Congresso Nacional, em defesa da democracia”, afirmou.
Não é possível mais permitir o direcionamento de discursos falsos, o induzimento de discursos de ódio, a desinformação maciça sem qualquer responsabilidade por parte das chamadas big techs. As big techs devem ser responsabilizadas, assim como os veículos de comunicação de massa
Alexandre de Moraes
A referência a 2022 não foi à toa. A disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) foi a mais acirrada desde o fim da ditadura militar. A campanha foi marcada por ataques mútuos dos candidatos e pelo questionamento do processo eleitoral por bolsonaristas.
Para o pleito, o TSE se viu obrigado a avançar em direção a uma norma que pudesse dar conta de controlar a disseminação de fake news nas redes sociais e conteúdos que colocavam em dúvida a urna eletrônica e a própria legitimidade do sistema.
Dez dias antes do segundo turno, por iniciativa de Moraes, a Corte aprovou uma resolução que aumentou poderes do TSE para remover, de ofício, conteúdos com “fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”.
A medida divergiu especialistas, mas foi considerada um passo fundamental para evitar a propagação de narrativas conspiratórias ou golpistas contra o sistema eleitoral.
Moraes expôs seu ponto de vista e opiniões sobre o tema em diversas manifestações públicas em eventos ou sessões de julgamento. Leia abaixo algumas delas.
O presidente do TSE defendeu uma “regulamentação minimalista” das redes sem retirar a liberdade das pessoas que se manifestem dentro da lei.
“A liberdade de expressão não pode ser usada como escudo protetivo para prática de atividades ilícitas”, declarou o magistrado, durante o evento “Fórum Internacional Justiça e Inovação”, realizado pelo STF e pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em junho de 2023.
Segundo o ministro, as plataformas digitais precisam de mais transparência, critérios e de respeito aos direitos fundamentais. Ele também sugeriu a ampliação de conteúdos em que as redes sejam obrigadas a remover independentemente de provocação, como “casos clássicos e objetivos de discurso de ódio”. Como exemplos, citou discursos nazistas, fascistas e de incitação a golpes ou intervenção militar.
“Deve haver uma transparência maior nos algoritmos, porque todas as big techs se recusam. Porque, obviamente, há um interesse econômico. Se há interesse econômico, se é um meio de se ganhar dinheiro, é preciso sair da ideia de que eles são meros depositários e intermediários. É um negócio e precisa ser tratado como tal”, disse Moraes durante seminário em São Paulo, em março de 2023.
Como regra geral, o ministro defende que as regras na internet devem ser compatíveis com as leis fora dela.
Se você não pode, no mundo real, ofender, agredir verbalmente, então você também não pode no mundo virtual. Se você não pode propagar ideias nazistas, se você não pode propagar ideias atentatórias contra a democracia no mundo real, porque é crime, deve ser crime também no mundo virtual. Não é porque você pode, covardemente, se esconder no anonimato, criando robozinho e perfil fake, que você não pode ser responsabilizado. Há necessidade dessa responsabilização
Alexandre de Moraes
Moraes entende que a forma atual de funcionamento das redes sociais permite a “instrumentalização” das plataformas para fins antidemocráticos e golpistas. Na sua interpretação, foi o que ocorreu nos atos de 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas.
O ministro considerou como “falido” e “absolutamente ineficiente” o atual modelo de regulação de conteúdos na internet.
“O modelo atual, por mais que alguns queiram defender, é absolutamente ineficiente, destrói reputação, destrói dignidades, faz e fez com que houvesse aumento no número de depressão em adolescentes, suicídio de adolescentes”, declarou durante audiência pública realizada no STF para discutir pontos do Marco Civil da Internet.
O Marco Civil da Internet é uma lei de 2014 que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.
Atualmente, a norma só responsabiliza as plataformas quando não houver cumprimento de decisão judicial determinando a remoção de conteúdo postado por usuários. A exceção é para divulgação de imagens ou vídeos com cenas de nudez ou atos sexuais de caráter privado. Nesses casos, a plataforma deve remover o conteúdo a partir de notificação extrajudicial.
Moraes também já considerou que a desinformação nas redes sociais tem gerado “verdadeira lavagem cerebral” em alguns grupos da sociedade. A fala foi feita em seminário em Brasília, no final de novembro.
O grande problema da desinformação é o embaralhamento das informações. As pessoas passam a ter acesso a informações falsas da mesma maneira que informações verdadeiras. Isso acabou trazendo, pela experiência brasileira, infelizmente, uma verdadeira lavagem cerebral em determinados setores
Alexandre de Moraes
Um dos temas mais recentes a acender o sinal de alerta da Justiça Eleitoral é a inteligência artificial (IA), principalmente com a popularização de recursos na internet que oferecem a tecnologia ao usuário considerado “comum”.
Sobre o tema, Moraes já disse ser a favor do que chamou de “sanções severas” a candidatos que usarem ferramentas de inteligência artificial de forma fraudulenta, buscando impactar o resultado das eleições.
Para o magistrado, se for comprovado uso malicioso da IA para causar desinformação, é preciso cassar o registro de candidatura ou o mandato (caso o candidato já tenha sido eleito). O ministro também disse ser necessário a declaração de inelegibilidade.
“Esse é o único recado que podemos dar para que a inteligência artificial não anabolize essas milícias digitais na utilização da desinformação para captar a vontade do eleitor, desvirtuando o resultado de uma eleição”, afirmou em evento sobre inteligência artificial, desinformação e democracia, organizado pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, no começo de dezembro.
De acordo com o ministro, o uso da IA “pode realmente mudar o resultado eleitoral, principalmente em eleições extremamente polarizadas”.
O TSE propôs regras para disciplinar o uso de inteligência artificial já no pleito de 2024. Uma minuta de resolução divulgada no começo do ano foi discutida no final de janeiro. A norma ainda precisa ser aprovada no plenário para valer.
Conforme a proposta apresentada pelo TSE, o uso na propaganda eleitoral de conteúdo “fabricado ou manipulado” por inteligência artificial, total ou parcialmente, deve ser acompanhado de “informação explícita e destacada de que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e qual tecnologia foi utilizada”.
O descumprimento dessa regra, segundo a proposta, pode levar à detenção de dois meses a um ano ou pagamento de multa, além da possibilidade de “aplicação de outras medidas cabíveis quanto à ilicitude do conteúdo”.
O TSE também propõe proibir o uso em propaganda eleitoral de “conteúdo fabricado ou manipulado de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados com potencial de causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral, inclusive na forma de impulsionamento”.
A minuta de resolução considera como fabricação ou manipulação de conteúdo político-eleitoral a criação ou edição de “conteúdo sintético que ultrapasse ajustes destinados à melhoria da qualidade da imagem ou som”.
Outro ponto da minuta diz respeito ao dever das plataformas digitais em remover os conteúdos considerados ilícitos que sejam impulsionados. Nesses casos, após notificação, o provedor de internet responsável pela circulação do material “adotará as providências para a apuração e indisponibilização”.
A proposta do TSE também considera responsabilidade das plataformas para adoção de medidas para restringir a circulação de “conteúdo ilícito” que atinja a “integridade do processo eleitoral”, como meios de notificação e canal de denúncias.
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