O travessão, um dos sinais de pontuação presentes na língua portuguesa, virou alvo de polêmica nas redes sociais. Alguns usuários associaram a presença do recurso nos textos ao ChatGPT, tirando a originalidade.
No entanto, o travessão é sinal gráfico antigo na linguagem humana. Os primeiros registros do travessão na língua portuguesa datam do século 16. Por conta disso, é incorreto associar a criação do recurso à inteligência artificial.
No livro “Moderna Gramática Portuguesa – 40ª edição” (Editora Nova Fronteira), Evanildo Bechara explica os usos corretos do travessão. O gramático, atualmente com 97 anos, é considerado um dos principais estudiosos da área no Brasil. Professor titular e emérito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da UFF (Universidade Federal Fluminense), ele também é membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Galega da Língua Portuguesa, além de doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra.
Em sua obra, Bechara destaca que o travessão pode ser utilizado para substituir vírgulas, parênteses, colchetes, dois-pontos ou para assinalar uma expressão intercalada.
Ainda de acordo com o docente, é importante que quem está escrevendo não confunda o recurso com o hífen ou traço de divisão empregado na partição de sílabas (como ocorre, por exemplo, em: ab-so-lu-ta-men-te).
Expressão intercalada
Na expressão intercalada, o recurso pode ser aplicado, entre outros casos, quando o autor deseja inserir uma explicação. Isso ocorre no trecho “E logo me apresentou à mulher — uma estimável senhora — e à filha”, da obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis.
Travessão dupla
A norma também prevê que o travessão duplo seja uma opção para isolar determinado trecho de uma frase que tenha o objetivo de explicar ou dar destaque. Um exemplo disso é: “A viagem foi adiada — por problemas — para o próximo ano”.
Pausa mais forte
Outra possibilidade do uso do travessão é nos casos em que é desejado uma pausa mais forte durante a leitura de um texto. Veja um exemplo dado pelo docente: “… e se estabelece uma cousa que poderemos chamar — solidariedade do aborrecimento humano”.
Mudança de interlocutor
Um dos usos mais recorrentes do travessão é na mudança de interlocutor durante um discurso, como ocorre neste trecho de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”:
“— Ah! respirou Lobo Neves, sentando-se preguiçosamente no sofá.
— Cansado? perguntei eu.
— Muito; aturei duas maçadas de primeira ordem (…)”.
Nesse caso, pode, ou não, combinar-se com as aspas.
Ênfase
O travessão também serve para enfatizar um trecho em determinada oração. Um exemplo disso ocorre em um trecho de “Poemas Malditos”, de Álvares de Azevedo. Veja:
“Junto ao leito dormem meus poetas — Dante, Bíblia, Shakespeare e Byron — na mesa confundidos”.