sábado, setembro 28, 2024
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Rio Grande do Sul: o pior está por vir?

*Coronel Paulo Mendes

A tragédia de proporções inigualáveis que atingiu o Rio Grande do Sul faz com que seja relevante uma reflexão no sentido de arguirmos como será depois da atual fase dos resgates que hoje vivemos, na qual, por óbvio, a prioridade é salvar vidas, sejam elas humanas ou não.

Quando se fala em tragédias climáticas, uma é diferente da outra, mas é senso comum que as imagens do Rio Grande do Sul muito se assemelham com o que vimos em New Orleans (EUA), quando aconteceu o Katrina. Lá, depois de passada a inundação, havia um efetivo humano de milhares de pessoas completamente sem água e sem comida que, no desespero, saiam para as ruas, furtando e roubando da maneira que lhes fosse possível.

A violência urbana aumentou consideravelmente, motivada principalmente pela falta de abrigos e pela fome. Logo, é lícito e razoável pensarmos em um quadro futuro de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), onde militares possam ir para as ruas atuar em operações tipo polícia, impedindo o incremento dos saques e outros crimes que possivelmente poderão ocorrer.

É natural, também, que as pessoas não queiram se afastar geograficamente das regiões onde sempre moraram; há um fator anímico nisso, completamente justificável. Há que haver um projeto de reconstrução, de médio e longo prazo, que deve buscar manter as pessoas onde elas moravam, contribuindo para sua saúde emocional.

Não se pode esquecer que, quando a água baixar, a sujeira e a contaminação, inclusive advinda de cadáveres de animais mortos, poderão ensejar uma crise sanitária. Nos EUA, foram inúmeros os casos de leptospirose, tétano, hepatite A e doenças diarreicas agudas (principalmente causadas por consumo de água contaminada). Além disso, o ambiente com destroços e entulhos aumenta o risco de acidentes com animais peçonhentos, como aranhas, escorpiões e cobras.

A saúde mental, tanto dos atingidos, quanto dos policiais, bombeiros, militares e voluntários envolvidos na crise é outra questão importante. Um evento traumático como esse, que atingiu os gaúchos, pode causar grave sofrimento nas pessoas, afetando de forma significativa a qualidade de vida. Em alguns casos a desordem tende a persistir podendo evoluir para um quadro de transtorno de estresse pós-traumático, gerando consequências danosas, incluindo o desenvolvimento de outras psicopatologias imediatas ou no longo prazo. No Katrina, a ideação suicida foi uma realidade dura e presente no pós-tragédia.

Certamente, na sequência dos eventos no Rio Grande do Sul, haverá a necessidade da instalação de um “centro de comando pós-tragédia” para administrar o número de refugiados que será muito grande. Essas pessoas vão precisar passar por uma triagem, na qual seu estado de saúde seja avaliado, tanto sob o viés físico quanto mental. Por óbvio, uma força de trabalho de profissionais de saúde, equipamentos de diagnóstico e tratamento; bem como um adequado estoque de medicamentos será necessário. Isto não se resolverá com a rede de saúde atualmente existente.

Por derradeiro, e com máxima honestidade intelectual, digo que agora é a hora de todos “entrarem em jogo”, independentemente de previsões legais e percepções políticas diferenciadas. Não devemos ser alarmistas, atitude que é inócua, mas sim devemos ser prudentes, lúcidos e tentar planejar as ações para o pior cenário, o qual oxalá não aconteça.


* O coronel Paulo Mendes é gaúcho de Erechim. Na carreira militar, formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras em 1995. De 2019 a 2022, foi assessor militar na vice-presidência da República, atuando na análise de temas institucionais.

Via Revista Oeste

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