A legislação que vai regulamentar a inteligência artificial (IA) no Brasil será “viva” e passará por constantes mudanças, mesmo depois de ser aprovada. A fala é do senador Eduardo Gomes (PL-TO), que é relator de um projeto de lei (PL) que regulamenta o uso de IA. O texto deve ser votado pelo Senado ainda neste primeiro semestre, conforme o parlamentar.
“A expectativa é que termine essa regulação até o fim do ano”, disse Gomes em entrevista a Oeste. “Embora a gente tenha plena consciência de que essa é uma matéria que vai ter que ser visitada permanentemente, pois regula um setor que está em constante mudança. É como se a gente tivesse a obrigação de perseguir uma legislação que não existe, que é diferente, que é uma lei viva. Que garanta direitos, mas que estabeleça deveres.”
No fim de abril, o parlamentar apresentou um relatório preliminar sobre o texto, que ainda pode ser alterado. No documento, entre outras coisas, ele propõe a criação de um Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial, além de estabelecer proibições de aplicação e critérios sobre o uso das ferramentas a serem disponibilizadas.
Ex-líder do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro no Congresso Nacional, o senador criticou a polarização no Parlamento, principalmente quando se refere a regulamentações, como a IA. Apesar disso, o parlamentar destacou que não se pode combater a polarização, “pois é o exercício da democracia”.
Aos 58 anos, o parlamentar ainda foi o relator de um PL que regulamenta o streaming no Brasil, texto que será apensado ao PL 8.889/17 na Câmara dos Deputados. Na Casa Baixa, a oposição é crítica do PL 8.889.
Já Gomes ponderou que o texto do Senado é mais “equilibrado” e disse ter sido procurado pelo relator do PL do Streaming na Câmara, André Figueiredo (PDT-CE). “O relator me telefonou, mas a gente não se encontrou ainda, pois mudou um pouco o calendário”, explicou. “Mas não tenho dificuldade nenhuma de conversar assim que ele me chamar.”
Ex-deputado federal e ex-vereador, Eduardo Gomes está em seu primeiro mandato como senador e diz ter uma atuação voltada ao municipalismo em Tocantins. Em entrevista a Oeste, o senador, que pode tentar a reeleição em 2026, falou sobre o futuro do ex-presidente Bolsonaro, as expectativas do PL na Casa, sucessão na presidência no Congresso e mais. Confira os principais trechos:
O senhor é o relator do projeto que regulamenta a IA no Brasil. Como está atualmente o texto? Recebeu sugestões?
O relatório está extremamente consultivo. A cada etapa do relatório, desde a formação da comissão de juristas, da formação da comissão especial, até as consultas públicas e a apresentação do texto para sugestão, foram mais de 2 mil sugestões de todas as correntes, de todas as agências reguladoras, do governo, da oposição, dos sindicatos, de grupos independentes da internet, da população e ainda teremos uma audiência pública no plenário de debates. A força desse relatório é a capacidade de ouvir a todos rigorosamente e, no momento adequado, tomar a decisão. Estou muito tranquilo com relação a isso. A gente tem feito a análise também e a observação de regulações já definidas no mundo inteiro, como na União Europeia, nos EUA, onde há um decreto que regulamenta a IA e na China. Estamos acompanhando todos os países que disponibilizaram algum tipo de legislação e de regra. Embora a gente esteja acompanhado para encontrar o nosso próprio modelo de regulação. Não é uma matéria fácil, mas está sendo encarada com muita seriedade e transparência.
Há previsão de votação do texto?
Em nosso calendário no Senado, está prevista a votação ainda neste semestre. Aí vai à Câmara e volta. A expectativa é que termine essa regulação até o fim do ano. Embora a gente tenha plena consciência de que essa é uma matéria que vai ter que ser visitada permanentemente, pois regula um setor que está em constante mudança. É como se a gente tivesse a obrigação de perseguir uma legislação que não existe, que é diferente, que é uma lei viva. Que garanta direitos, mas que estabeleça deveres.
A oposição na Câmara aparenta ter uma certa dificuldade em permitir a tramitação de temas que envolvam regulamentação nas redes sociais. Esse projeto pode ficar parado ao chegar lá?
Hoje em dia, no Congresso, até o ‘bom-dia’ é polarizado. Vivemos um momento de muita polarização. Ao mesmo tempo, não podemos combater isso, pois é o exercício da democracia. É o questionamento, a polarização. O principal é tratar com respeito. E que prevaleçam a liberdade de expressão, o exercício pleno do mandato, e, por isso, que a gente precisa o mais rápido possível definir a noção de autoridade, por que, em um processo de regulação, o cidadão está regulado, mas a autoridade também. E precisa deixar isso claro. Se não, a gente viverá um momento de seletividade perigoso para a democracia, que é o mesmo crime interpretado de duas formas. Então, com relação a fake news e uso de IA, as regras precisam ser bem claras, por isso que demora tanto para fazer e achar um modelo.
O senhor está disposto a conversar com a bancada do PL na Câmara para explicar ponto a ponto a proposta?
Não tenho nenhuma dificuldade. Tenho boa relação com todos os deputados, e a gente precisa dar segurança também, por que a maioria dos parlamentares do PL na Câmara é voltada às redes sociais. Então, é um direito deles estabelecer segurança da atividade. Há um equívoco na análise do processo de rede social e de IA. Não existe um crime novo atrás de uma lei nova. São os crimes antigos em uma lei antiga, pois enquanto não tiver uma regulação específica, o que vale é o crime comum. O que é crime fora da internet é crime dentro da internet. Quando a gente defende a liberdade de expressão, ela é precedida dos direitos e dos deveres da Constituição.
O senhor relatou um projeto que regulamenta o streaming no Brasil. Ele deve ser apensado ao PL do Streming, que tramita na Câmara, muito criticado pela oposição. Quais diferenças entre os dois textos?
O projeto que saiu do Senado teve cerca de 70 audiências públicas, 17 votos favoráveis na CAE e um voto contrário, que, depois, foi restabelecido um erro do senador Sergio Moro, ou seja, o texto recebeu unanimidade com senadores de todos os partidos. Quando o texto chega à Câmara, não é mais prerrogativa nossa discutir o trâmite interno da Casa. O que ouvimos é que o texto que saiu daqui estava equilibrado, e acho que, no fim, se quiserem aprovar qualquer matéria, o equilíbrio precisa constar até o final.
Como o senhor avalia o papel que o ex-presidente Bolsonaro vai ter na política em 2026?
Tanto 2026, quando 2024, o presidente Bolsonaro é a maior liderança popular do país indiscutivelmente. Sem estruturas de poder, sendo extremamente questionado, muitas vezes, até perseguido. O presidente tem percorrido as ruas do país e, as últimas dez maiores e populares manifestações contaram com a presença e a liderança dele. Enxergamos resignação, força para lutar, mas, principalmente, uma resposta amplamente positiva da população. Bolsonaro está agora inelegível, mas, se existe recurso, existe possibilidade de reavaliação do quadro. Há uma coisa que não muda, o presidente Bolsonaro é o único desde a redemocratização que, pós-sistema eleitoral, teve um aumento na sua popularidade.
Com o apoio de Bolsonaro, o Senado deve ser composto de parlamentares mais conservadores em 2026?
A partir da eleição municipal deste ano, há uma tendência amplamente vitoriosa da centro-direita. Se tiver mais líderes políticos cuidando dos destinos das cidades com a sintonia, uma política mais liberal, de desenvolvimento e uma política de mais garantias, há uma tendência de que esses políticos ligados a essas estruturas tenham mais êxito em 2026. Essa polarização não é só briga, mas é um processo de liderança. Lidera a corrente da esquerda o presidente Lula e lidera a centro-direita o presidente Bolsonaro.
O PL tem 13 senadores, atualmente. O partido espera filiar mais ainda neste ano?
Existe uma expectativa firme de chegarmos ao final do ano com 17 senadores, mas não posso dizer quem é. Mas voltaremos a ser a maior bancada do Senado.
Sucessão na presidência do Congresso. O PL estuda ter candidato próprio ou apoiará outro nome?
O PL ainda não se reuniu para deliberar sobre o tema. Mas sentimos que o grupo de centro-direita é muito maior do que o PL. O número de senadores que possuem uma relação com o presidente Bolsonaro é mais do que o dobro da bancada. Significa que podemos fazer uma aliança. A gente não tem ainda notícia das candidaturas, a não ser a do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que tem trabalhado muito, e tenho visto uma movimentação muito forte em torno dele.