Um artigo publicado recentemente na revista Astrobiology sugere que os locais mais promissores para encontrar vestígios de vida antiga em Marte podem ser, ironicamente, os menos capazes de preservá-los.
Ao investigar o impacto da radiação cósmica sobre lipídios – moléculas essenciais à vida – expostos na superfície marciana, a equipe descobriu que esses compostos se degradam rapidamente sob bombardeio de radiação, especialmente em ambientes ricos em sal, comuns nos locais considerados habitáveis no passado do Planeta Vermelho.
“Optamos por ambientes ricos em sal, mas eles podem ser os mais prejudiciais sob radiação”, explicou Anais Roussel, astrobióloga da Universidade de Georgetown, nos EUA, ao site Space.com. Segundo ela, esses fatores tornam ainda mais difícil identificar bioassinaturas em Marte, especialmente em áreas expostas à radiação por milhões de anos.
Lipídios são bombardeados de raios gama em simulação de Marte
Os cientistas concentraram seus esforços em dois tipos de lipídios: hopanos e esteranos, derivados de compostos que formam membranas celulares em bactérias e eucariotos, respectivamente.
Esses lipídios, conhecidos por sua resistência na Terra, podem sobreviver por bilhões de anos em condições favoráveis. No entanto, Marte perdeu sua atmosfera e campo magnético há cerca de 4 bilhões de anos, deixando a superfície desprotegida contra os raios cósmicos.
No experimento, as amostras de lipídios foram bombardeadas com raios gama para simular as condições marcianas. Descobriu-se que, em apenas 3 milhões de anos, equivalente ao tempo de exposição na superfície marciana, metade dos lipídios se transformou em moléculas menores irreconhecíveis. Para comparação, as rochas na Cratera Gale, estudadas pelo rover Curiosity, da NASA, estão expostas à radiação há cerca de 80 milhões de anos.
Além disso, os lipídios apresentaram uma taxa de degradação duas vezes maior que a de aminoácidos, blocos fundamentais das proteínas. Segundo Roussel, essa diferença pode ser explicada pelo tamanho maior e formato diferenciado dos lipídios, que os tornam mais vulneráveis à radiação.
Sal pode acelerar degradação de compostos orgânicos
Ambientes ricos em sal, antes vistos como potenciais preservadores de vestígios de vida, também demonstraram ser prejudiciais. Conforme Marte esfriou e perdeu sua água doce, lagos salgados foram os últimos corpos líquidos a resistir. No entanto, o sal pode reagir com compostos orgânicos, acelerando sua degradação.
“Ainda não sabemos exatamente como a estrutura do sal provoca essa degradação”, disse Roussel. Uma possibilidade, segundo ela, é que o sódio e o cloro geram substâncias químicas reativas sob radiação. Outra hipótese envolve água microscópica remanescente, que poderia produzir oxidantes capazes de destruir moléculas orgânicas.
Embora as descobertas pareçam desanimadoras, Roussel acredita que há motivos para otimismo. “Talvez não encontrar evidências até agora não signifique que nunca houve vida em Marte, mas que estamos procurando nos lugares errados ou em profundidades inadequadas”.
O futuro das buscas pode estar nas mãos do rover Rosalind Franklin, da Agência Espacial Europeia (ESA), que será lançado em 2029. Diferentemente do Curiosity e do Perseverance, que são capazes de perfurar apenas cinco centímetros no solo, o equipamento europeu poderá alcançar dois metros de profundidade, onde os sedimentos são mais protegidos da radiação.
Roussel também sugere explorar cavernas ou tubos de lava marcianos, locais potencialmente intocados pela radiação. Apesar dos desafios técnicos, ela acredita que essas áreas podem ser as melhores apostas para encontrar traços preservados de vida.