O filme “Ainda Estou Aqui“, premiado no Festival de Veneza, é baseado no livro de mesmo nome, escrito por Marcelo Rubens Paiva. Na obra, ele conta o desaparecimento de seu pai, o ex-deputado federal Rubens Paiva, e a busca de sua mãe, Eunice Paiva, por respostas.
O longa mostra os momentos antes do desaparecimento forçado pela Ditadura Militar, que ocorreu em 20 de janeiro de 1971. Os militares foram até a casa de Marcelo e sua família para levar Rubens Paiva para ser interrogado. O ex-deputado nunca mais foi visto pelos filhos.
Eunice Paiva, esposa de Rubens, também foi levada presa, mas foi liberada após 12 dias. Ela então passou a se dedicar em encontrar a resposta sobre o paradeiro do marido.
A atriz Fernanda Torres, que vive Eunice no longa, resumiu ela como “uma mulher essencial” em entrevista à CNN. “A Eunice era uma mulher essencial”, explicou Torres. “Ela não gastava o tempo dela com nada que não fosse objetivo, contundente, persuasivo, com extrema delicadeza – ela combateu o estado autoritário através de uma imensa delicadeza combativa.”
Já em entrevista ao Canal Brasil que a figura histórica “é uma mulher que o Brasil tinha que conhecer, porque ela é quase uma tradução do Brasil”. “A Eunice e o Brasil são sinônimos”, disse na época.
Quem foi Eunice Paiva, de “Ainda Estou Aqui”?
Eunice Paiva nasceu em São Paulo e cresceu no bairro do Brás, segundo informações do dossiê Memórias da Ditadura, reunido pelo Instituto Vladimir Herzog.
Eunice se casou Rubens Paiva e os dois tiveram cinco filhos: Marcelo Rubens Paiva, Vera Paiva, Maria Eliana Paiva, Ana Lúcia Paiva e Maria Beatriz Paiva.
A família morava no Rio de Janeiro quando, em janeiro de 1971, os militares foram até sua casa e levaram ela, o marido e a filha Eliana ao Destacamento de Operações e Informações (DOI) do Exército. Eliana ficou presa por 24 horas, enquanto Eunice permaneceu por 12 dias, submetida a interrogatório.
Depois de ter sido liberada pelos militares, Eunice Paiva então começou a busca pelo paradeiro do marido, que nunca mais foi visto.
Uma das filhas do casal, Vera Paiva, disse em depoimento ao Instituto Vladimir Herzog que acha que o que fez a mãe continuar na luta após o desaparecimento de Rubens Paiva foi “o resgate da memória” do ex-deputado “como alguém que foi vítima de um terror do estado” e “cuja a vida foi ceifada desnecessariamente”, além de “foi saber o que de fato aconteceu”. “Ela tinha certeza que levaram ele para vê-la para eventualmente fazê-lo falar”, contou Vera.
“E [continuou sua luta ao longo dos anos em busca] da reparação pelo que aconteceu, que foi entendido por ela como violência de Estado”, descreveu uma das filhas de Eunice.
Ela começou a cursar direito em 1973 e se tornou advogada com forte atuação nas políticas indígenas do país. Paiva também atuou como uma das pessoas que pressionaram o governo para a promulgação da Lei nº 9.140, instituída pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995, que determinou que as pessoas desaparecidas pela Ditadura Militar fossem consideradas mortas e fosse possível, finalmente, que as certidões de óbito fossem emitidas.
Após 25 anos, ela conseguiu apenas em 1996 que o país emitisse o atestado de óbito de Rubens Paiva.
Ainda segundo o Instituto Vladimir Herzog, Eunice Paiva fundou o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMA), em prol da defesa e autonomia dos povos indígenas, em 1987. Em 1988, foi consultora da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição Federal Brasileira.
A Comissão Nacional da Verdade, órgão criado para apurar os crimes da Ditadura Militar no país, foi criada em 2012 e, após pesquisa e depoimentos colhidos, elaborou um relatório que buscava responder as famílias dos desaparecidos.
Segundo informações da Comissão da Verdade, Rubens Paiva foi torturado de forma “extremamente violenta”, que “pode ter sido a causa principal da morte”. Isso só se tornou público e a resposta só foi dada à família de Rubens Paiva em 2014.
Eunice Paiva morreu em 13 de dezembro de 2018, aos 86 anos – apenas quatro anos após ter recebido a resposta oficial do que aconteceu com o marido. Coincidentemente, ela também morreu na data que marcou os 50 anos desde a promulgação do Ato Institucional de Número 5 (AI-5), considerado o mais violento da Ditadura Militar e que foi utilizado para legalizar a tortura durante o regime.
Eunice Paiva lutou contra o Alzheimer nos seus últimos 14 anos de vida.
Assista ao trailer de “Ainda Estou Aqui”: