As dificuldades enfrentadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva na relação com o Congresso Nacional refletiram na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu o pagamento das emendas parlamentares impositivas. Essa afirmação é do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), relator do Orçamento 2025. Na decisão, que seguiu à decisão monocrática do ministro Flávio Dino, relator da ação, a Corte alegou falta de transparência no empenho dos valores.
Dino era ministro do governo Lula até o início deste ano.
“Quando o governo enfrenta dificuldades para manter uma base coesa e para dialogar de forma eficaz, ele tenta cruzar a Praça dos Três Poderes e encurralar o Congresso”, disse Coronel em entrevista a Oeste. “Mas isso não vai nos intimidar. O Congresso continuará sendo altivo e capaz de tomar as decisões que sejam as melhores para o país, considerando o contexto em que estamos. Independentemente das pressões, estamos aqui para defender os interesses da população e garantir que o Poder Legislativo exerça seu papel com autonomia e responsabilidade.”
Antes da suspensão das emendas impositivas, Dino já havia mantida a suspensão das chamadas “emendas Pix”. Tal modalidade permite que deputados e senadores destinem emendas individuais ao Orçamento da União por meio de transferências especiais. Pela medida, os repasses não precisam de indicação de programas e celebração de convênios. Mas o pagamento é criticado pela falta de fiscalização dos recursos.
Depois do imbróglio com as decisões do STF, os Três Poderes se reuniram para chegar a um acordo sobre o pagamento das emendas parlamentares. Em nota conjunta, o trio definiu alguns termos para o empenho dos valores. As “emendas Pix”, por exemplo, foram mantidas, mas com a exigência de identificação antecipada do objeto de destinação, com prioridade para obras inacabadas e fiscalização por parte do Tribunal de Contas da União (TCU).
Apesar de destacar que sempre há espaço para melhorias no empenho dos recursos públicos, Ângelo Coronel ressaltou que “não existe Poder mais transparente que o Legislativo”. Além disso, criticou a fiscalização por parte do TCU. “A ideia de que a Controladoria-Geral da União e o TCU fiscalizem diretamente todos esses recursos é inviável”, afirmou. “O próprio TCU já reconheceu isso e determinou, no início do ano, que a aplicação desses recursos seja auditada pelos tribunais de contas estaduais — o que faz muito mais sentido, considerando as particularidades regionais envolvidas.”
A Oeste, o relator do Orçamento 2025 disse que a peça pertence ao “povo”, enfatizou a a importância da cautela com decisões que “limitam” a ação do Parlamento, defendeu o empenho impositivo das emendas e destacou que nenhuma decisão será “imposta” ao Congresso. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A quem pertence o Orçamento do Brasil, quem é o dono do Orçamento?
Ao povo, que, por meio do voto, escolhe 513 deputados e 81 senadores para representá-los e defender seus interesses. Esses parlamentares conhecem cada canto deste país, cada necessidade e particularidade das regiões que representam. Eles têm a responsabilidade e a competência para determinar como os recursos devem ser alocados, sempre para atender às demandas específicas de cada comunidade. O papel do Executivo é propor o Orçamento, mas é o Legislativo que tem a tarefa de analisá-lo, modificá-lo e aprová-lo. O Legislativo também fiscaliza e avalia se o Executivo está cumprindo corretamente as metas e as prioridades estabelecidas. Ao contrário de decisões tomadas de forma isolada e distante em gabinetes em Brasília, os parlamentares estão constantemente em contato com suas bases eleitorais. Eles vivem a realidade do povo, entendem o que é necessário e qual o melhor investimento para cada localidade. Isso garante que o Orçamento seja realmente uma ferramenta para melhorar a vida dos brasileiros, refletindo as necessidades e os desejos da população. O Orçamento é a voz do povo transformada em ação. Ele não pertence a um grupo ou Poder específico, mas a cada cidadão que, ao votar, confia a seus representantes a missão de administrar o país da forma mais justa possível.
Como o senhor avalia a decisão do ministro Dino e, posteriormente, do plenário do STF, sobre as emendas?
Qualquer tentativa de limitar a atuação do Parlamento em sua legítima função de alocar recursos, especialmente em nome de princípios abstratos que não consideram a complexidade e as particularidades de nosso país, deve ser vista com cautela. A decisão do ministro Dino e do plenário do STF deve ser analisada à luz das transformações que o Congresso passou nos últimos anos. Desde 2011, quando o ministro Dino deixou de exercer efetivamente um mandato parlamentar, a participação do Congresso no Orçamento evoluiu de forma significativa. Hoje, a execução das emendas parlamentares, tanto individuais quanto de bancadas, é obrigatória, e as comissões legislativas têm um papel mais ativo na definição dos destinos dos recursos públicos. Isso reflete um avanço, assegurando que os representantes eleitos pelo povo tenham uma voz mais decisiva na alocação dos recursos. Entendo que, para alguém que esteve afastado do Legislativo por tanto tempo e que pouco vivenciou o atual cenário como parlamentar, pode haver uma certa falta de compreensão sobre a importância dessas mudanças. No entanto, com o tempo e o diálogo, essa incompreensão será superada. É um avanço revisitarmos a busca da transparência e do controle do dinheiro público. A minha atuação parlamentar preza por esses princípios. No entanto, o debate precisa se dar em todo o Orçamento público, e não direcionado apenas para as emendas parlamentares. Seria estranho cobrar de Chico e esquecer de Francisco.
O senhor defende o empenho impositivo das emendas?
Sem dúvida. É fundamental para garantir a independência do Poder Legislativo, uma independência que é, inclusive, uma previsão constitucional. Antes dessa mudança, os parlamentares precisavam praticamente mendigar recursos para suas bases eleitorais, dependendo da boa vontade do Executivo. Isso limitava a liberdade dos representantes do povo em tomar decisões com base em sua consciência e nos interesses de seus eleitores, sem o temor de sofrer represálias de quem se considerava dono dos recursos públicos. Agora, com a obrigatoriedade na execução das emendas, o parlamentar pode agir com autonomia e responsabilidade, assegurando que as necessidades da população sejam atendidas da melhor forma. Talvez isso ainda não esteja claro para todos. Então, é preciso dizer: essa obrigatoriedade é muito importante para a democracia e para o nosso país. Ela assegura que as decisões sobre onde investir uma parte dos recursos públicos sejam feitas por aqueles que estão mais próximos do povo e que conhecem de perto as reais necessidades dos representados.
Há falta de transparência no empenho das emendas?
Sempre há espaço para melhorias na gestão pública dos recursos, especialmente na definição de como e onde eles serão aplicados. No entanto, quando se trata da transparência nas emendas parlamentares, não podemos dizer que há falta de transparência. O Portal da Transparência, gerido pelo próprio Poder Executivo, oferece quase todas as informações sobre as emendas. É possível saber exatamente para onde o dinheiro foi e em que foi gasto. Se por acaso alguma informação está faltando, essa é uma questão que o Executivo precisa propor e corrigir. Mas quero deixar claro que não há nenhuma intenção por parte do Parlamento de esconder informações de interesse público. Ao contrário, não existe Poder mais transparente que o Legislativo. Somos constantemente escrutinados por tudo o que falamos e decidimos. Nosso compromisso é com a transparência e com o povo brasileiro, e trabalhamos diariamente para garantir que os recursos sejam aplicados da maneira mais eficiente e clara possível.
Como o senhor avalia o acordo firmado entre os Três Poderes sobre as emendas?
Sempre há espaço para melhorias, e é exatamente isso que estamos fazendo em relação às emendas parlamentares. Estamos em constante evolução. Existem pontos que, se o Congresso entender que contribuem positivamente, poderão ser chancelados pelos plenários da Câmara e do Senado, soberanos em suas decisões. Nenhuma decisão será imposta ao Senado e à Câmara sem ser devidamente discutida e avaliada por seus membros. Além disso, estamos atentos para garantir que o mesmo rigor seja aplicado e exigido dos demais Poderes. A transparência, a rastreabilidade e a correção são valores que devem ser perseguidos por todos, sem exceção.
O impasse com relação às chamadas emendas Pix foi resolvido completamente nesse acordo?
As transferências especiais foram uma solução criada pelo Legislativo para enfrentar a burocracia excessiva e a demora na chegada dos recursos ao seu destino. Antes, quando destinávamos recursos para uma obra, o processo era longo e complicado: firmava-se um convênio, fazia-se uma licitação, e, muitas vezes, o parlamentar que alocava o recurso no início do mandato não via o benefício chegar à população antes do fim do seu mandato. Agilizamos esse processo, e é justamente dessa agilidade que o Estado precisa. É claro que sempre há espaço para melhorias, como tenho destacado. Podemos e devemos evoluir. Mas dizer que esses recursos são mal aplicados são apenas palavras ao vento. O que sustenta a afirmação de que o Executivo aplica os recursos com mais qualidade? Como isso é medido? Onde estão esses números? Apelidar essa modalidade de transferência de emendas Pix só atesta a eficiência do processo. Precisamos de mecanismos para garantir que os recursos estejam sendo utilizados da melhor forma possível. Porém, a ideia de que a Controladoria-Geral da União e o TCU fiscalizem diretamente todos esses recursos é inviável. O próprio TCU já reconheceu isso e determinou, no início do ano, que a aplicação desses recursos seja auditada pelos tribunais de contas estaduais — o que faz muito mais sentido, considerando as particularidades regionais envolvidas. O importante é que o dinheiro chegue rapidamente onde é necessário e que o impacto positivo na vida das pessoas seja garantido.
O senhor acredita que há interferência do Executivo nas decisões do STF com relação às emendas?
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Não tenho dúvidas disso. Quando o governo enfrenta dificuldades para manter uma base coesa e para dialogar de forma eficaz, ele tenta cruzar a Praça dos Três Poderes e encurralar o Congresso. Mas isso não vai nos intimidar. O Congresso continuará sendo altivo e capaz de tomar as decisões que sejam as melhores para o país, considerando o contexto em que estamos. Independentemente das pressões, estamos aqui para defender os interesses da população e garantir que o Poder Legislativo exerça seu papel com autonomia e responsabilidade.