O governo interino de Portugal anunciou um amplo processo de expulsão de imigrantes em situação irregular, com previsão de atingir 18 mil pessoas nos próximos meses, conforme anunciou o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, neste sábado, 3.
A primeira etapa já está em andamento: 4,5 mil imigrantes foram notificados esta semana e terão 20 dias para deixar o país voluntariamente. Caso não cumpram o prazo, serão alvo de “afastamento coercivo”, ou seja, deportação forçada.
A medida é resultado direto da estrutura criada para resolver o acúmulo de processos pendentes da Agência para a Integração, Migração e Asilo (Aima). Segundo Amaro, “são os primeiros 4.574, porque nós temos já um total de 18 mil decisões de recusa que a seguir vão levar a essas notificações também”.
A mudança no tratamento dos processos se relaciona à revogação, pelo governo anterior, do mecanismo de “manifestação de interesse” como critério suficiente para a permanência no país. Esse modelo, segundo Amaro, era uma “porta escancarada onde não se verificava nada”.
O ministro destaca que muitos dos imigrantes agora notificados já tinham ordens de afastamento emitidas por outros países europeus ou possuíam registros criminais que os impediriam de permanecer no chamado espaço Schengen — zona de livre circulação na Europa onde não há necessidade de apresentar passaporte ou realizar controles de fronteira interna.
“Pode ser também, e acontece, e muitos destes casos são autoridades de outros países [que] deram-lhes ordem de afastamento”, explicou Amaro. “Noutros casos, por decisões criminais, foram emitidas proibições de entrada. E essas pessoas ficaram em Portugal e aproveitaram o tal mecanismo da manifestação de interesse.”
António Leitão Amaro sobre a existência de imigrantes ilegais e a necessidade de garantir o seu retorno. Retorno esse que foi posto em causa na AR pelo PS e pelo Chega.
No dia 18 de Maio pensem bem em quem vão votar se querem acabar com esta bandalheira na imigração. pic.twitter.com/mxB6eHcRdy
— politicando (@politicandopt) May 3, 2025
O cenário nos serviços de atendimento a imigrantes continua caótico, conforme relata a RTP. Todos os dias, forma-se uma longa fila de estrangeiros em busca de respostas e documentação. Ao todo, 110 mil processos ainda estão em fase de decisão — ou seja, o número de expulsões pode superar as 18 mil iniciais.
Apesar do endurecimento da política migratória, o governo tenta mostrar que o objetivo não é barrar a imigração como um todo, mas sim organizar o processo e dar prioridade a quem cumpre os requisitos.
“A estrutura de missão tinha como função dar dignidade a quem esperava, os imigrantes que estavam indocumentados porque o Estado não lhes respondia, mas estavam a cumprir as regras, vinham para trabalhar, entregavam a documentação”, afirmou Amaro. Segundo ele, mais de 100 mil pessoas já receberam os seus cartões de residência “porque cumpriram as regras”.
Desde 2019 não se registrava um número tão elevado de notificações para expulsão. Naquele ano, foram 4.834. O número caiu nos anos seguintes, mas agora volta a subir expressivamente, o que reforça a política de “imigração regulada e no cumprimento das regras” praticada pelo atual governo.
Decisão sobre deportações gera reação em Portugal
A decisão, no entanto, tem causado reações da oposição e de entidades que apoiam imigrantes no país. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa alertou para os riscos de se interpretar a medida como um retrocesso migratório. “Há erros que não se podem cometer”, disse.
“Se fala em dez, 20, 30, 50, 100, 4.500, é sempre penoso para os próprios, mas não pode ser apresentado como um ‘o que importa é que desapareça a imigração de Portugal’”. E concluiu: “Isso é um colapso na economia e na sociedade portuguesa.”

O presidente do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, afirmou que o governo da Aliança Democrática (AD) tenta “ocupar a agenda política com um tema que é apenas um resultado do trabalho da Aima, que já vinha do tempo de governo do PS”.
Já o líder do partido de direita Chega, André Ventura, afirmou que o país teve “120 mil pessoas a entrar sem qualquer cadastro ou verificação cadastral”, ressalta. “Vir falar disto é uma piada de mau gosto, é eleitoralismo de mau gosto, mas sobretudo é gozar com um tema sério.”
O porta-voz do partido Livre, Rui Tavares, criticou a condução do tema. “Estamos perante um governo que neste momento está a utilizar a comunicação do Estado e os meios do Estado ao sabor das conveniências partidárias”, disse.

Enquanto isso, associações de imigrantes e trabalhadores estrangeiros protestaram contra o que consideram uma injustiça. Os imigrantes relatam atrasos nos processos de regularização, falta de resposta por parte das autoridades e dificuldades para atender às exigências do governo.
“Trabalho há mais de quatro anos aqui em Portugal e não tenho direito”, desabafou um imigrante à reportagem da RTP. “Não chega a minha carta de residência, porque não respondem no e-mail, porque não respondem à minha advogada.”
As críticas se concentram na forma e no momento em que as deportações são executadas. As associações alegam que muitos dos afetados “estão a trabalhar, pagam impostos e não estão envolvidos em criminalidade”, e que a ausência de documentos se deve principalmente a falhas do sistema.
Uma das queixas mais recorrentes diz respeito ao prazo exíguo. “Por exemplo, eles deram uma notificação de dez dias para submeter o recorde criminal do país, em dez dias não é possível”, destacou um representante da comunidade.
Para Farid Patwary, diretor da Associação Solidariedade Imigrante, o governo falhou no processo de análise. “Agora, este processo que fez de análise, acho que não fez bem, não entrou com lei, clarificou nada, acho que passou uma coisa e fica agora confuso”, disse.