quinta-feira, novembro 28, 2024
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Por que defender essa gente?

Por Andre Marsiglia

Todo mundo que acompanha meu trabalho sabe que tenho buscado defender os valores de um Estado cada vez mais sem valor. Nessa toada, tenho criticado os tribunais superiores, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), e feito uma defesa intransigente do Direito. Por óbvio, jamais passarei pano para planejamentos de golpe de Estado, mas não posso passar pano para um Estado que reage golpeando o Direito.

O ponto-chave é que não apenas deveria estar em debate o plano de golpe, mas também que pessoas estão sendo acusadas de um plano que, embora desbaratado apenas agora, é de dois anos atrás e, obviamente, não teve consequências, não podendo ser tratado como se trouxesse um risco atual, como se justificasse as prisões preventivas e medidas urgentes a que temos assistido.

“Não se pode permitir o uso do Direito para fazer política”

Andre Marsiglia

E essa movimentação toda, não sejamos ingênuos, está servindo para justificar a inviabilização da discussão do projeto de anistia que acabaria devolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro à elegibilidade em 2026. Servindo também para garantir adesão pública a uma regulação agressiva das redes sociais, que responsabilizará plataformas pelos conteúdos de seus usuários.

Se politicamente é lamentável a possibilidade de se ter planejado um golpe de Estado no Brasil, não importa se mequetrefe ou não, lamentável também que politicamente esses mesmos fatos sejam usados para inviabilizar a oposição. Não se pode permitir o uso do Direito para inocentar culpados, não se pode permitir o uso do Direito para fazer política. Uma nação madura reage a seus problemas de forma sóbria.

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Um colega professor, que também é defensor público, me disse na semana: “Você acaba com sua carreira defendendo publicamente essa gente”. Curioso pensar que meu colega deve ouvir que o público defendido por ele é também uma “gente” que não merece ser defendida. 

No Brasil, a politização fez com que o Direito se tornasse destinatário apenas dos que pertencem a certo círculo de afinidades econômicas, políticas e ideológicas. Os outros, “essa gente”, que se danem. 

Com uma imprensa que só reproduz versões oficiais, com o debate público sob a lupa de uma Justiça degenerada, com a classe jurídica preocupada apenas com os seus, o Brasil colapsou. Esse é o verdadeiro golpe. O país está entregue, em razão das instituições terem sido completamente corroídas pelos malabarismos jurídicos dos que se dizem seus defensores.


Andre Marsiglia é advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão. Professor de Direito Constitucional e doutorando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista do Instituto Millenium

Via Revista Oeste

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