Até mesmo quem não é ativo nas redes sociais já deve ter recebido um meme do “Taxadd”. O apelido “carinhoso” do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, surgiu no início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando ele começou a anunciar medidas para impulsionar a arrecadação fiscal do país.
A brincadeira, no entanto, só foi viralizar nas últimas duas semanas, quando uma enxurrada de memes tomou conta da internet e conseguiu unir — por milésimos de segundos — esquerda e direita. Montagens, edições de vídeo e até paródias de músicas surgem e viralizam com a mesma rapidez de sua aparição.
O sucesso de Taxadd tem uma explicação simples: o povo não concorda com o aumento dos impostos. Quem costumava comprar na Shein, Shopee, AliExpress e outros sites da China agora terá que pagar 44% a mais em impostos. Na votação da nova reforma tributária, a carne só não foi taxada por causa de uma intervenção de última hora da oposição, que incluiu o alimento na cesta básica.
Neste último exemplo, o governo petista ainda tentou se apropriar do feito para divulgá-lo como se fosse uma medida própria, mesmo que o presidente Lula tenha defendido a taxação de “carnes chiques” algumas semanas antes da análise do projeto.
Em vez de reconhecer seus erros e — quem sabe — entrar na brincadeira, o PT e seus apoiadores preferiram tentar difundir várias narrativas para descredibilizar as brincadeiras feitas pela população.
O secretário de comunicação da sigla, Jilmar Tatto, afirmou que as piadas com a imagem de Haddad não fariam sucesso. Enquanto isso, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que os memes são “material de desinformação” e demonstram um suposto “desespero da oposição” diante do “avanço da economia”.
O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, sugeriu que era necessário descobrir quem “financiava” as brincadeiras. Em 19 de julho, até mesmo Lula saiu em defesa de Haddad durante um discurso e disse que quem não gosta das propostas do ministro deve apresentar suas próprias ideias.
Quando um meme de Haddad como “Taxa Humana” chegou à Times Square, em Nova York, o episódio foi tido como a “principal evidência” da tese de financiamento. No fim das contas, o autor da façanha foi um estudante de 19 anos, que desembolsou US$ 45 para exibir o meme no telão da empresa TSX.
Um dos memes do ‘Ministro Taxadd’, apelido que liga o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), ao crescente aumento de impostos, foi parar em um outdoor na Times Square na tarde desta terça-feira, 16.
A imagem veiculada em um dos pontos da popular avenida de Nova York mostra… pic.twitter.com/i1O8mZSSJZ
— Revista Oeste (@revistaoeste) July 16, 2024
Com todas as tentativas de tentar descredibilizar a crítica por trás dos memes do Taxadd, surge a pergunta: por que a esquerda problematiza os memes?
O humor como ferramenta de protesto
Pesquisadores dizem que o uso do humor como protesto foi — coincidentemente — mais intenso e prolongado durante o regime autoritário da União Soviética (1922-1991) e seu controle sobre os países do Leste Europeu.
De acordo com o artigo Humour and Protest: Jokes under Communism, publicado em 2007, as piadas passaram a ser uma forma de protesto porque era a maneira que a sociedade encontrou para mostrar sua insatisfação com o regime comunista. À medida que os governantes perdiam poder, os cidadãos se sentiam mais à vontade para deixar as piadas de lado e se posicionar abertamente contra o regime, sem medo de represálias.
“As piadas agora se tornaram parte integrante de uma retórica séria de resistência”, diz o artigo. “As piadas não tornam a retórica mais persuasiva ou significativa, mas a animam. Elas não são uma espada, mas são uma decoração atraente na bainha. As piadas de resignação ressentida rapidamente se tornam as piadas que acompanham a resistência ativa.”
Esses cidadãos ridicularizavam não apenas seus governantes, mas também o modelo de sociedade imposto pelo marxismo. As brincadeiras eram restritas ao povo e não apareciam nos meios de comunicação da época.
As piadas sob o comunismo tinham uma importância pessoal, política, intelectual e histórica muito maior do que as piadas políticas em sociedades tradicionais ou democráticas.
“Um velho bolchevique diz a outro: ‘Não, meu amigo, não viveremos o suficiente para ver o comunismo, mas nossos filhos… nossos pobres filhos!’”
“– Qual é a diferença entre um conto de fadas capitalista e um conto de fadas marxista?
– Um conto de fadas capitalista começa com ‘Era uma vez…’, um conto de fadas marxista começa com ‘Algum dia, haverá…‘”
“– Qual é a diferença entre a Índia e a Rússia?
– Na Índia, um homem passa fome pelo povo, e na Rússia, o povo passa fome por um homem [Stalin]”.“– Qual é a diferença entre as Constituições dos Estados Unidos e da URSS? Ambas garantem a liberdade de expressão.
– A Constituição dos EUA também garante a liberdade depois da expressão”.
— Piadas difundidas durante o domínio da União Soviética
Em 1927, o crime de “propaganda anti-soviética” foi incluso no código penal da República Socialista Federativa Soviética Russa e era punido, em alguns casos, com a morte. O humor era tão crucial como protesto que, mesmo sob os riscos, os cidadãos arriscavam-se a fazer piadas críticas.
Esse tipo de protesto continuou até 1989, quando o comunismo começou a cair nos países do Leste Europeu. As piadas se tornaram parte da cultura e algumas ainda são usadas hoje em dia.
Memes versus PT: adversários históricos
Na cultura brasileira, o uso do humor no diálogo sobre política também é comum. Nas décadas de 80 e 90, o jornalista Alexandre Garcia — colunista de Oeste — usou o seu quadro de crônicas no programa Fantástico para trazer uma percepção bem-humorada dos acontecimentos políticos da semana.
Outros programas da TV brasileira, como o Casseta & Planeta e Pânico, também usavam a política como planos de fundo para seus quadros. Porém, com a popularização da internet, este tipo de humor começou a ser frequente nas plataformas digitais.
Talvez seja razoável sugerir que o PT problematize os memes com Haddad e tenha “flashbacks de guerra” devido à avalanche de piadas sobre a ex-presidente Dilma Rousseff durante seu segundo mandato.
Nesta época, redes sociais como Twitter/X, YouTube e Facebook foram tomadas por uma onda de memes que zombava das falas de Dilma e dos recém-descobertos casos de corrupção na Odebrecht.
O sucesso desses memes contribuiu para que muitos brasileiros desenvolvessem uma visão crítica sobre o governo de Dilma e, posteriormente, se manifestassem a favor do pedido de impeachment que retirou a petista do poder.
Até hoje, memes que imitam as falas de Dilma ainda são usados para criticar declarações desconexas. Quando Lula comete gafes, por exemplo, é comum ver alguém afirmar que ele “dilmou” ou que se tornou o “Dilmo da Silva”.
Já em 2022, durante a disputa presidencial entre Lula e Jair Bolsonaro (PL), muitos internautas relembraram a prisão de Lula e criaram memes sobre o ocorrido. Jargões como “picanha e cervejinha” e “faz o L”, usados na campanha de Lula, também se popularizaram de forma irônica entre seus críticos.
A expressão “faz o L” é frequentemente usada em resposta a notícias negativas sobre o governo e também aparece em críticas ao ministro da Fazenda e sua política tributária. Apesar destas piadas terem caído na boca do povo, desde o impeachment de Dilma, o PT não lidava com uma “ameaça memística” tão grande quanto o sucesso de Taxadd.
Quando o humor é usado como protesto, os criticados ficam em uma posição desconfortável: tentar censurar as piadas os torna “ridículos,” e ignorá-las, assim como o motivo das críticas, é ainda mais ridículo. Ambas as reações foram observadas entre os esquerdistas durante a viralização dos memes sobre Haddad.
Até agora, o PT e outras figuras da esquerda não mostram sinais de reconhecer que os memes têm uma base crítica ampla e que o plano fiscal do governo afeta a todos, não apenas os “bolsonaristas,” frequentemente acusados de promover “campanhas de difamação” contra o governo Lula.
Porém, neste caso, a humildade não é necessária: o verdadeiro impacto dos memes do Taxadd será visto no futuro. E se o governo permanecer com a mesma mentalidade, este futuro pode estar mais próximo do que imaginamos.
E mais: “E o governo ainda reclama dos memes?”, de Adalberto Piotto