A diferença nas características pessoais de Donald John Trump (1946) e do ex-presidente Warren Gamaliel Harding (1865-1923), nos anos 1920, não impediu que o governo de ambos tivessem muitas semelhanças.
Governaram os Estados Unidos (EUA) em contextos diferentes, mas os desafios os levaram a utilizar conceitos similares em suas gestões.
Ambos eram do Partido Republicano, é verdade. Mas, mesmo seguindo os preceitos partidários, tiveram uma similaridade incomum em relação a outros governos republicanos que assumiram no lugar de democratas.
Trump, nascido no Queens, era um homem urbano. Ou suburbano de um nível social alto. Apesar de estar em Nova York, a região de Jamaica Estates ainda é um enclave longe do centro, mais parecido com um subúrbio rico do que com a turbulência da cidade grande.
Mas a visão dele já era de um jovem que buscava crescer em meio aos arranha-céus da metrópole.
Em entrevistas e no livro The Art of the Deal, de autoria de Tony Schwartz, publicado em 1987, Trump deixou claro que, apesar de crescer em Nova York, seu contato real com a “cidade” só ocorreu quando ele começou a trabalhar em Manhattan com o pai:
“Cresci no Queens, mas sempre tive os olhos em Manhattan.”
Bajulado pelos pais, como o preferido entre os cinco filhos, era chamado de Killer por seu pai, Fred, que via nesta ânsia competitiva do filho o caminho para suas vitórias.
Os mimos fizeram Trump ter problemas de comportamento na adolescência. Era considerado indisciplinado e impulsivo. Quando adulto, canalizou a rebeldia para questionar o sistema e atingir seus objetivos empresariais e políticos.
A passagem pela New York Military Academy (NYMA), uma escola militar nos arredores de Nova York, o ajudou a adaptar seu ímpeto questionador à disciplina. A decisão de enviá-lo para lá aos 13 anos foi dos pais, principalmente da mãe, Mary, preocupada com sua postura desobediente.
Na NYMA, ele teve desempenho satisfatório, foi promovido a líder de cadetes, e começou a moldar o estilo “vencedor” que levaria para a vida pública.
Já Harding, nascido em Blooming Grove, Ohio, tinha um caráter mais humilde. Cresceu em um ambiente rural, com tarefas agrícolas, o que moldou seu apreço pela vida simples e pelos valores do interior dos EUA. Era chamado de Winnie pela mãe disciplinadora.
Políticas semelhantes de Trump e Harding
Ao chegarem à Casa Branca, porém, estes homens de aspecto tão diferentes governaram com políticas parecidas.
Ao ser eleito em 1920, Harding assumiu em 1921 com o objetivo de promover um “retorno à normalidade” nos EUA, depois dos traumas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da pandemia de gripe espanhola. Ele defendia políticas mais isolacionistas e um governo menos intervencionista.
Trump agiu da mesma maneira ao retornar à presidência. Pode-se dizer que a pandemia de Covid-19 ainda fazia certo efeito. Assim como conflitos militares pelo mundo e o enfraquecimento da economia norte-americana, prejudicada, segundo ele, pela globalização.
Com isso, Trump defende a volta do que chama de “América verdadeira”, com slogans como Make America Great Again e Take America Back. Há uma ênfase clara em políticas nacionalistas e anti-globalistas.
O governo Harding foi marcado por políticas econômicas protetoras da indústria dos EUA, depois da Primeira Guerra Mundial. Seu governo aprovou tarifas altas, como a Tarifa Fordney–McCumber (1922), que aumentou os impostos sobre produtos importados, com o objetivo de proteger os produtores nacionais.
A meta era tornar os EUA mais autossuficientes, com a redução da concorrência externa e promoção do crescimento interno.
Desde o seu primeiro mandato (2017–2021), o presidente Trump é defensor do protecionismo econômico. Assim que se tornou presidente pela primeira vez, impôs tarifas sobre aço, alumínio e produtos chineses, e incentivou a reindustrialização dos EUA.
Em 2025, ao retornar, ele continua com uma agenda de “desglobalização”. Afastou os EUA de acordos comerciais multilaterais e busca trazer de volta cadeias produtivas consideradas estratégicas, como as de semicondutores, energia e produtos farmacêuticos.
Na política internacional, os dois governos convergem. É como se uma espiral do tempo passasse por caminhos iguais, em pontos diferentes.
Se Trump hoje critica as políticas da Organização das Nações Unidas (ONU), Harding fazia o mesmo em relação à Liga das Nações, recém-criada por Woodrow Wilson, presidente norte-americano anterior cuja política se assemelhava à de Joe Biden, antecessor de Trump.
“Confiantes em nossa capacidade de definir nosso próprio destino, e zelando ciumentamente por nosso direito de fazê-lo, não buscamos participar da condução dos destinos do Velho Mundo.”
“Não pretendemos nos enredar. Não aceitaremos qualquer responsabilidade a não ser aquela que nossa própria consciência e julgamento, em cada caso, determinarem.”
Essas frases foram ditas por Harding em seu discurso de posse, em 4 de março de 1921. As informações estão no Projeto da Presidência Americana (The American Presidency Project), da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara (UCSB).
A vitória de Harding sobre James Middleton Cox (1870 – 1957), que tinha o futuro presidente Franklin Delano Roosevelt (1882 – 1945) como candidato a vice, foi interpretada como um mandato claro contra o internacionalismo de Wilson.
Essa discordância em relação a organismos multilaterais tem um eco direto em Trump. O atual presidente retirou os EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS) por duas vezes, durante a pandemia e depois de seu retorno à presidência.
Trump também tece fortes críticas à ONU e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Encerrou ou enfraqueceu acordos multilaterais como o Acordo de Paris e o Trans-Pacific Partnership (TPP).
Ambos os governos também têm a marca das acusações dos adversários. O governo de Harding foi abalado por escândalos de corrupção, como o caso Teapot Dome, envolvendo subornos em concessões de petróleo. A gestão passou a ser chamada de O grupo de Ohio.
Trump foi eleito mesmo com múltiplos processos e investigações, além de ter enfrentado dois pedidos de impeachment, na Câmara dos Representantes, em seu primeiro mandato.
O primeiro pedido de impeachment de Trump foi em dezembro de 2019, pela acusação de abuso de poder e obstrução do Congresso no caso em que ele pediu ao presidente da Ucrânia para investigar o filho do então candidato Biden.
O outro, depois de ter sido acusado de incentivar a invasão do Capitólio, em janeiro de 2021.
Trump foi absolvido nos julgamentos no Senado.