Uma equipe de pesquisa na China inovou em seus esforços para salvar uma espécie criticamente ameaçada recorrendo a poemas antigos. Os cientistas analisaram mais de 700 poemas chineses antigos, das dinastias Tang até Qing, que mencionam o boto-do-yangtze para descobrir onde e quando os poetas descreveram ter visto o animal, já que pouco se sabe sobre sua história populacional. A equipe publicou as descobertas na revista Current Biology em 5 de maio.
O boto-do-yangtze enfrentou declínios extremos em sua população nas últimas quatro décadas. Com menos de 1.300 indivíduos restantes na natureza, cientistas no leste da China têm feito enormes esforços para entender melhor o habitat histórico do animal e assim orientar futuras iniciativas de conservação.
As descobertas foram impressionantes: os dados sugerem que a área de distribuição histórica do boto diminuiu 65% nos últimos 1.200 anos, com a redução mais extrema ocorrendo no último século.
“Alguns pescadores mais velhos me contaram que costumavam ver frequentemente botos em áreas onde eles agora desapareceram completamente”, afirma o coautor do estudo Zhigang Mei à CNN por e-mail. “Isso realmente despertou minha curiosidade: onde esses botos viviam historicamente?”
Os botos-do-yangtze vivem apenas na bacia do médio-baixo Rio Yangtze no leste da China. Do início dos anos 1980 até a década de 2010, a população diminuiu drasticamente cerca de 60%, segundo um estudo de 2014, devido a uma combinação de práticas ilegais de pesca, poluição industrial nas vias navegáveis, barragens e mineração de areia nos lagos adjacentes.
Como dados científicos concretos sobre o boto só existem nas últimas décadas, os cientistas têm uma compreensão muito limitada de sua distribuição espacial. Isso cria um problema conhecido como síndrome da linha de base em mudança, explicou Mei, professor do Instituto de Hidrobiologia da Academia Chinesa de Ciências, em Wuhan.
“(Esta pesquisa) responde a questões importantes sobre o que constitui uma população saudável”, afirma, o que ajudará a estabelecer metas realistas de gestão. “Sem linhas de base históricas, existe o risco de diminuir as expectativas ao longo das gerações, aceitando um status cada vez mais declinante como ‘normal’”.
Brincando com poemas
Quando Mei e seus colegas começaram a procurar nos arquivos por respostas, ficaram surpresos. Registros oficiais como gazetas locais e crônicas do condado não tinham informações sobre os botos — apenas sobre megafauna terrestre como tigres e elefantes, espécies que têm frequente conflito com humanos. Os botos, em contraste, têm menos probabilidade de ter encontros próximos com humanos.

Os botos, por outro lado, são menos propensos a ter encontros próximos com humanos. Em vez disso, os avistamentos eram tipicamente feitos por pescadores locais menos educados ou viajantes ricos — que vislumbravam os esquivos botos enquanto viajavam pelo Rio Yangtze de barco — e não eram formalmente registrados, segundo Mei.
Diante desse beco sem saída, os cientistas perceberam que poemas antigos poderiam ser úteis.
“Ficamos impressionados”, diz Mei sobre os esforços dos pesquisadores para explorar a documentação escrita através da literatura.
Os autores analisaram centenas de poemas datados de 830 d.C. que faziam referência aos botos. Para cada poema, os cientistas procuraram evidências de localizações, como descrições de características geográficas únicas da bacia do Rio Yangtze. Em seguida, a equipe pesquisou o período do poema e a história pessoal de cada poeta para garantir sua precisão. Cerca de metade dos poemas continha informações precisas de localização, permitindo que a equipe mapeasse avistamentos para cada dinastia.
A poesia chinesa antiga é frequentemente não-ficcional, incluindo relatos em primeira pessoa da vida cotidiana e observações da natureza, explicaram os autores. É por isso que os poemas serviram como uma métrica razoável para avistamentos de botos-sem-barbatanas em toda a bacia hidrográfica.
“A esmeralda sela as telhas verde-jade enquanto nuvens ociosas do amanhecer flutuam / Manchas de botos desaparecem entre o rápido erguer das ondas”, lê-se em um poema da Dinastia Qing de Gu Silì 顾嗣立 chamado “Atravessando o Rio na Chuva, Olhando para Jinshan”, conforme traduzido pela autora principal do estudo Yaoyao Zhang, uma ecologista do Instituto de Hidrobiologia da Academia Chinesa de Ciências.
“É lindo, na verdade”, afirma Paulo Corti, ecologista da conservação da Universidade Austral do Chile, que não participou da pesquisa. “Eles fizeram algo grandioso com informações muito simples.”
O uso de materiais históricos para a ciência não é incomum — especialmente em paleontologia ou arqueologia — mas é menos utilizado para pesquisas sobre vida selvagem, segundo Corti.
“É uma ferramenta muito útil, especialmente quando você refina a análise, transformando dados qualitativos em quantitativos”, afirmou.
Usando a literatura como dados
Os dados poéticos oferecem apenas uma estimativa. No entanto, é a melhor fonte dos autores do estudo para formular como a distribuição da população do boto-sem-nadadeira-do-Yangtze mudou antes dos tempos modernos.
Tais estudos precisam ser conduzidos cuidadosamente, acrescenta Corti, que escreveu artigos científicos sobre o uso responsável de registros históricos para estudos da vida selvagem após notar que alguns cientistas estavam usando esses dados de forma inadequada.
Uma das principais limitações dos registros culturais é o erro humano, explicou ele. Um pescador ou caçador, por exemplo, é um observador mais confiável do que um explorador estrangeiro propenso a identificar erroneamente animais semelhantes. Por isso, os autores do estudo pesquisaram o histórico de cada poeta, como onde viveram e viajaram, para verificar suas observações.
O boto-sem-nadadeira-do-Yangtze tem aparência distinta, com focinho curto, cor cinza escura e característica ausência de nadadeira dorsal, que o diferencia de seus parentes golfinhos.
Como mamíferos, os botos precisam vir à superfície para respirar, tornando-os visíveis aos humanos, segundo o coautor do estudo Jiajia Liu, professor de ciências da biodiversidade na Universidade Fudan em Xangai. E como os botos sem nadadeira não tinham historicamente importância cultural, era menos provável que os poetas escrevessem sobre eles sem uma observação literal.
Por essas razões, os pesquisadores confiaram nos poemas para obter dados.
Dito isso, os autores reconhecem que algumas referências históricas do boto do rio podem ser confundidas com o agora extinto baiji, um golfinho de água doce que vivia no Yangtze. Mas esta espécie era muito maior, de cor mais clara e ostentava um focinho longo — sua característica mais distintiva, diz Mei.
Objetivos de conservação
De fato, o baiji serve como um alerta para o boto-sem-nadadeira. O golfinho de água doce já estava funcionalmente extinto em 2006 devido a muitas das mesmas ameaças.
A extinção do boto-sem-nadadeira desequilibraria o ecossistema, explicou Liu. Como predador de topo, o boto come peixes que se alimentam de gramíneas aquáticas. O raro mamífero também é um engenheiro do ecossistema, facilitando um processo chamado ciclagem de nutrientes. Ao migrar longas distâncias, o boto-sem-nadadeira transporta nitrogênio e fósforo do fundo do rio para sua superfície, e de jusante para montante.

Agora que há evidências de que o boto-sem-nadadeira vivia não apenas no rio principal, mas também em afluentes e lagos, os cientistas têm uma melhor ideia de onde o boto prosperou historicamente — e se poderia prosperar nesses locais novamente.
Com a reprodução em cativeiro — um processo no qual espécies ameaçadas são criadas em cativeiro e devolvidas à natureza — em andamento desde 1996, os autores esperam que suas novas descobertas possam ajudar a informar futuros esforços de conservação, como identificar áreas onde eles podem ser soltos.
Mas é importante não tirar conclusões precipitadas, alertou Corti. O uso de tais informações para o manejo moderno da vida selvagem requer uma compreensão profunda do comportamento, morfologia, dieta e outros fatores das espécies, de acordo com o ecologista. “Você pode cometer muitos erros” extrapolando dados observacionais históricos para informar decisões futuras de manejo.
“Se você está tentando ver o que aconteceu com a espécie no passado, você precisa saber o que está acontecendo agora”, diz Corti.
Importante, observou Mei, este estudo cria uma ligação entre espécies ameaçadas e cultura, o que poderia atrair a atenção do público. Se o boto-sem-nadadeira-do-Yangtze puder ser uma espécie emblemática, como o panda, isso ajudará a melhorar sua conservação.
Nos últimos anos, a população de botos aumentou pela primeira vez, graças em parte a políticas de conservação como proibições de pesca.
“A conservação não é apenas (para) cientistas”, afirma Mei. “É sobre todos, é sobre nossa cultura.”
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