Preocupados com o fenômeno da desertificação, que tem causado um aumento na região climática semiárida no Brasil, pesquisadores brasileiros estão pesquisando plantas com potencial para gerar bioenergia. Entre as elegíveis, a escolhida foi a Agave sisalana, cujas folhas são usadas na fabricação do sisal.
O Brasil é o maior produtor mundial da fibra de sisal, e o cultivo de agave se concentra no sertão brasileiro, em uma área de 80 milhões de hectares de terra subutilizada semiárida da região Nordeste. Atualmente, a cultura é uma das únicas fontes de renda para a população local.
Apesar de ser resistente à seca e ter alta produtividade, mesmo sem irrigação, a agave tem seu crescimento limitado pela falta de ferramentas genéticas avançadas. Segundo um comunicado, o cultivo hoje aproveita só 4% da planta, produzindo uma imensidão de resíduos, que são abandonados no campo.
Para reverter essa situação, o projeto Brazilian Agave Development (BRAVE), uma parceria entre a Unicamp, a Shell e outras instituições de ensino e pesquisa, pretende aproveitar totalmente o potencial econômico e produtivo da planta como uma solução de mitigação das mudanças climáticas.
Agave e mudanças climáticas
As mudanças climáticas têm “esticado” a região semiárida brasileira. Conforme o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a região quente e seca cresce 7,5 mil quilômetros quadrados por ano desde 1990.
Nesse cenário desolador, os pesquisadores decidiram transformar a agave, um enorme grupo de plantas suculentas com mais de 200 espécies, na nova “cana do sertão”. A ideia é aproveitar o potencial da planta, que é usada no México para fazer tequila, na produção de biocombustíveis.
A favor da agave, os cientistas apontam várias vantagens, como sua resistência à seca e às mudanças climáticas, menor demanda hídrica, e raízes profundas, que ajudam a estabilizar o solo e reduzir a erosão. Além disso, a agave já está adaptada à vegetação nativa da caatinga.
Na questão ambiental, a agave também prevalece, pois reduz a pressão sobre os já escassos recursos hídricos, demanda menos produtos químicos, causa menor degradação do solo e é eficiente na captura de CO2.
Viabilizando a produção de biocombustíveis
Durante a apresentação recente dos resultados do projeto, durante o evento FAPESP Week Italy, os biólogos Marcelo Falsarella Carazzolle e Gonçalo Pereia, ambos da Unicamp, explicaram que a equipe coletou diferentes espécies de agave em todo o Brasil, e até no México e Austrália.
Uma das principais dificuldades encontradas na pesquisa foi que a Saccharomyces cerevisiae, um fungo (também chamado de “levedura da cerveja”) usado na produção do etanol, não consegue metabolizar a inulina, um polímero da frutose, o que demanda o uso de hidrólise para liberar açúcar.
Esse desafio técnico na produção de biocombustível a partir da agave foi superado por meio do desenvolvimento de uma linhagem geneticamente modificada para essa finalidade. Tanto essa nova linhagem como leveduras geneticamente modificadas foram patenteadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Para acelerar o ainda lento crescimento da agave, “Estamos patenteando um composto que dobra [a taxa de crescimento]”, afirma Carazzolle. O objetivo final do projeto é viabilizar, além do etanol, também a produção dos gases biometano e bio-hidrogênio, e do biochar, um sólido rico em carbono.