O SS 433 é um sistema estelar binário composto por um buraco negro e uma estrela, que orbitam entre si durante 13 dias.
Enquanto o buraco negro suga material da superfície da estrela, dois jatos de partículas carregadas (ou plasma) são lançadas a um quarto da velocidade da luz, perpendicularmente ao plano do disco de gás quente que alimenta o buraco negro.
Os jatos do SS 433 são detectáveis apenas no rádio em raios-x, mas eles desaparecem ao longo do tempo e se tornam muito fracos para serem vistos. No entanto, eles reaparecem de forma brilhante a distância de cerca de 75 anos-luz do local de lançamento. Até hoje, os cientistas não entendiam o motivo disso.
E esses jatos de partículas?
Jatos semelhantes também aparecem emanando do centro de galáxias ativas (um exemplo são os quasares), que, contudo, são maiores que os emanados na SS 433. Dessa forma, podemos assumir que os jatos da SS 433 são microquasares.
No título, você leu que uma pesquisa revelou segredos sobre a aceleração de partículas. E o que isso tem a ver com os jatos de partículas carregadas que saem da SS 433?
É que, até 2018, nenhuma emissão de raios-gama tinha sido detectada em microquasares. Naquele ano, porém, isso mudou, significando que, em algum lugar dos jatos, partículas são aceleradas para energias extremas.
- A detecção foi realizada pelo Observatório de Raios-Gama Cherenkov em Águas de Alta Altitude (HAWC, da sigla em inglês);
- A quantidade detectada emanou altíssima energia;
- São décadas de pesquisa, mas os cientistas ainda não têm certeza de onde nem como a aceleração dessas partículas ocorre.
Estudo desses jatos em SS 433
Apesar de os jatos emitidos na SS 433 serem microquasares, ou seja, 50 vezes menores em relação as da galáxia ativa mais próxima (Centaurus A), a SS 433 se encontra na Via Láctea, mil vezes mais próxima de nós.
Sendo assim, é mais fácil de estudar esses jatos, pois seu tamanho aparente no céu é muito maior. Nossa geração atual de telescópios de raios-gama também ajuda muito nesse estudo.
A partir daí a observação da SS 433 começou a ser realizada pelo Observatório H.E.S.S. Um total de 200 horas de dados foram captadas, além de uma clara detecção de emissão de raios-gama dos jatos de partículas carregadas advindas do sistema estelar binário.
Como dito, como a tecnologia utilizada atualmente é bem superior ao que se tinha antigamente, as observações identificaram, pela primeira vez, a origem dessa emissão dos raios-gama dentro dos jatos. Isso, porém, trouxe um resultado bem intrigante.
Onde a emissão de raios-gama acontece?
Segundo a Phys.org, nas observações, ficou comprovado que não há emissões de raios-gama na região binária central, mas, sim, nos jatos extremos e de forma abrupta. Elas ocorrem em distância de cerca de 75 anos- em ambos os lados da estrela binária.
Contudo, quando observada a partir de diferentes energias, percebe-se uma mudança na posição da emissão dos raios-gama.
Ou seja, os fótons de raios-gama com energias mais altas (mais de 10 teraelétron-volts) são detectáveis apenas no ponto onde os jatos reaparecem abruptamente. Já as regiões com emissões de raios-gama com energias menores aparecem mais ao longo de cada jato.
“Esta é a primeira observação da morfologia dependente de energia na emissão de raios gama de um jato astrofísico”, comunicou Laura Olivera-Nieto, do Max-Planck-Institut für Kernphysik em Heidelberg (Alemanha), líder do estudo.
Ficamos inicialmente intrigados com essas descobertas. A concentração de fótons de alta energia nos locais de reaparecimento dos jatos de raios-x significa que uma aceleração eficiente das partículas deve estar ocorrendo ali, o que não era esperado.
Laura Olivera-Nieto, do Max-Planck-Institut für Kernphysik em Heidelberg (Alemanha), líder do estudo
A partir de simulações, os cientistas determinaram a velocidade estimada dos jatos externos. Com base na diferença entre essa velocidade e a velocidade na qual os jatos são lançados, foi possível determinar que o que acelerou ainda mais as partículas foi um forte choque, ou seja, uma brusca transição nas propriedades do meio.
O choque também pode explicar o reaparecimento dos jatos em raios-x, pois os elétrons acelerados também produzem radiação de raios-x.
Quando essas partículas rápidas colidem com uma partícula de luz [fóton], elas transferem parte de sua energia, que é como produzem os fótons gama de alta energia observados com o H.E.S.S. Este processo é chamado de efeito Compton inverso.
Brian Reville, líder do grupo de Teoria Astrofísica do Plasma no Instituto Max Planck de Física Nuclear em Heidelberg (Alemanha)
Tem havido muita especulação sobre a ocorrência de aceleração de partículas neste sistema único – não mais: o resultado do H.E.S.S. realmente identifica o local da aceleração, a natureza das partículas aceleradas e nos permite sondar o movimento dos jatos de grande escala lançados pelo buraco negro.
Jim Hinton, Diretor do Instituto Max Planck de Física Nuclear em Heidelberg e Chefe do Departamento de Astrofísica Não-Térmica
“Há apenas alguns anos, era impensável que medições de raios-gama baseadas no solo pudessem fornecer informações sobre a dinâmica interna de tal sistema”, acrescenta a co-autora Michelle Tsirou, investigadora de pós-doutoramento no DESY Zeuthen.
Apesar das descobertas, ainda não há sugestões sobre a origem dos choques onde os jatos ressurgem. “Ainda não temos um modelo que consiga explicar uniformemente todas as propriedades do jato, pois nenhum modelo ainda previu essa característica”, explica Olivera-Nieto.
Essa é a próxima etapa da pesquisa, algo que vale a pena, dada a distância da SS 433 com a Terra. Espera-se que os resultados possam ser “levados” para as observações de jatos mil vezes maiores de galáxias e quasares ativos. Isso ajudaria a resolver os inúmeros enigmas relacionados à origem dos raios cósmicos que detém mais energia.
A pesquisa foi publicada na Science.