Em uma postagem no Twitter/X, o jornalista David Ágape revelou os detalhes da terceira fase da investigação Twitter Files Brasil. O texto, divulgado na noite desta segunda-feira, 22, mostra que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também exigiu o bloqueio de perfis e sites de esquerda.
O Twitter Files Brasil consiste na divulgação de arquivos internos da plataforma que atestariam decisões ilegais por parte do TSE e de seu presidente, ministro Alexandre de Moraes, que também integra o Supremo Tribunal Federal (STF).
Na primeira versão, publicada em 3 de abril, Ágape e o jornalista norte-americano Michael Shellenberger afirmaram que Alexandre de Moraes exigiu da plataforma dados pessoais de internautas que publicaram conteúdos nocivos aos olhos do ministro.
Nesse caso, a maior parte dos usuários alvo do TSE era composta de parlamentares, jornalistas e figuras da direita brasileira. Dentre elas, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ).
Contudo, conforme a recente terceira edição, perfis e sites de esquerda também viraram alvo das ações de censura do TSE.
O tribunal, segundo o jornalista, exigiu os dados de usuários que publicaram determinadas hashtags (marcações que direcionam a discussões e/ou postagens de determinados assuntos) sob pena de multa diária de R$ 50 mil, no caso de descumprimento.
“Foram potencialmente alvo de coleta de dados privados no Twitter personalidades da esquerda, como a deputada federal e pré-candidata a prefeita de São Paulo Tabata Amaral (PSB), e a ex-prefeita da cidade Luiza Erundina (Psol-SP)”, disse Ágape, ao ressaltar que tal conduta viola o Marco Civil da Internet, segundo a equipe jurídica da plataforma.
Além disso, o TSE exigiu o bloqueio do perfil do Partido da Causa Operária (PCO) e de outras personalidades de esquerda.
TSE exigiu dados de usuários que compartilhavam hashtags específicas
Os arquivos mostram que as autoridades eleitorais, durante os mandatos de presidência do TSE dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, queriam coletar, em massa, informações sobre três hashtags.
Uma delas era #VotoDemocráticoAuditável, a favor de recibos impressos nas urnas eletrônicas. A outra, #VotoImpressoNão (contra os recibos). Ainda havia a #BarrosoNaCadeia (impulsionada depois de o ministro inserir Bolsonaro nos inquéritos sigilosos do STF).
O TSE tinha o objetivo de identificar quem criou as hashtags, averiguar a sua progressão cronológica até o intervalo mínimo de 15 em 15 minutos e “manipular” o algoritmo de recomendação para diminuir o alcance de alguns perfis e contas.
“Eles entenderam que não conseguimos afirmar quem foi o primeiro usuário de uma hashtag; que não conseguimos fornecer informação de IP (código identificador do computador) a partir de tuítes específicos; que não há relatórios detalhados do uso da hashtag“, explicou Diego de Lima Gualda, ex-diretor jurídico do Twitter/X, em e-mail em 21 de março de 2022. “A Corte enfatizou que são circunstâncias excepcionais e que está tentando antecipar atividades ilegais empotencial.”
Nove dias depois, Gualda mandou uma atualização para a equipe. Em 29 de março de 2022, receberam mais uma ordem judicial a ser obedecida em uma semana, sob pena de descumprimento de R$ 50 mil por dia.
A Corte exigiu o relatório de progressão mensal das três hashtags durante o ano anterior, junto de planilhas com “dados de inscrição e IPs dos usuários que usaram a hashtag“.
Apesar de o TSE ter revogado a decisão anterior de fornecer dados de internautas a respeito dos “primeiros usuários” da hashtag #BarrosoNaCadeia e #VotoImpressoNão, Gualda explicou que a medida não excluiu a coleta em massa dos usuários da hashtag usada pela esquerda.
Twitter questiona exigências da Corte
Na avaliação do Twitter/X, não havia um “comportamento coordenado inautêntico” das contas visadas pela PF. Muitas estavam, inclusive, inseridas no Inquérito das Fake News.
Segundo os documentos das primeiras versões do Twitter Files Brasil, as plataformas Meta (Facebook) e Google adotaram “medidas extraordinárias” para colaborar mais com as autoridades, ao contrário do Twitter/X.
Esse e outros pedidos do TSE foram considerados pela equipe jurídica do Twitter/X como “questionáveis à luz das leis e precedentes dos tribunais do Brasil, pois estariam em violação aos direitos dos usuários de privacidade e devido processo legal”.
As exigências do TSE despertaram a atenação da norte-americana Karen Colangelo, diretora jurídica sênior do Twitter/X, especializada em litígio global.
Em 18 de agosto de 2022, dois dias depois de Alexandre de Moraes tomar posse como presidente do tribunal, Karen perguntou a Gualda se buscar apelação legal contra as ordens do ministro poderia causar problemas ao Twitter/X no futuro.
“Correto”, confirmou Gualda. Em outras palavras, se apelassem, o caso escalaria para o STF “com chances muito baixas” de sucesso. “Essa requisição ainda vai fazer que potencialmente quebremos o sigilo de uma a duas centenas de contas”, contrapôs Karen. “Consideramos esse número muito significativo e excepcional, com base nos casos típicos com que tivemos de lidar no Brasil.”
Gualda também explicou que “a requisição inicial da PF era tão ampla que dezenas de milhares de contas seriam implicadas”. A última pergunta da diretora jurídica esboça a preocupação da equipe do Twitter/X: “Em que ponto traçaremos o limite?”.
Como revelado antes pelos jornalistas, o consultor jurídico sênior Rafael Batista disse, em 25 de outubro de 2021, que o TSE não apresentou “provas da ilegalidade no uso das hashtags, o que poderia caracterizar monitoramento e pesca probatória”.
Além disso, incorreria em “divulgação em massa e indiscriminada de dados privados de usuários, o que caracteriza uma violação da privacidade e outros direitos constitucionais”.
Tabata Amaral, Luiza Erundina e outros alvos do TSE
Agosto de 2021 foi um mês em que o TSE e a PF intensificaram os trabalhos. Isso porque, naquela ocasião, o Congresso estava na quarta tentativa de discutir o voto impresso.
Por esse motivo, segundo Ágape, a suposta investigação da Corte Eleitoral e a corporação monitoravam o uso das hashtags sobre voto impresso.
No período em que o TSE pediu a coleta de dados, personalidades de esquerda usaram a hashtag alvo das investigações. A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) postou no Twitter/X, em 10 de agosto de 2021, uma captura de tela do registro de seu voto “não” à Emenda Constitucional (PEC) do voto impresso, com a hashtag #VotoImpressoNão.
Na mesma data, a deputada federal Luiza Erundina (Psol-SP) também publicou na rede social uma comemoração pelo resultado da votação: “Vitória da democracia! #VotoImpressoNão”.
Fez o mesmo a indígena Joênia Wapichana, ex-deputada federal (Rede-RR) e atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), incluindo um vídeo de sua participação no debate na Câmara dos Deputados.
Muitas outras personalidades e influenciadores da esquerda, incluindo parlamentares estaduais e a conta anônima de oposição a Bolsonaro @jairmearrependi (431 mil seguidores), postaram a hashtag no período.
Os deputados federais Alessandro Molon (PSB-RJ), relator do Marco Civil, e Sâmia Bomfim (Psol-SP) também postaram, mas fora do período supostamente monitorado pelas autoridades.
Censura ao perfil do Partido Comunista do Brasil, o PCO
Em 6 de junho de 2022, a equipe jurídica do Twitter/X recebeu um e-mail a respeito da ordem direta de Alexandre de Moraes de censura contra o Partido da Causa Operária (PCO).
A ordem do ministro veio no contexto do Inquérito das Fake News, que já completou cinco anos. A autora da mensagem informa que Alexandre de Moraes mandou suspender imediatamente a conta @PCO29.
Além disso, o magistrado ordenou que o criador da conta fosse identificado e que preservassem o conteúdo divulgado no perfil.
A advogada respondeu que o Twitter/X obedeceria parcialmente à ordem, ao fornecer informações básicas de inscrito (BSI, na sigla em inglês). Contudo, iria recorrer, sem obediência imediata, ao pedido de suspensão da conta, “dado que o PCO é um partido político legal e registrado no Brasil”.
PCO sofre censura por criticar Alexandre de Moraes e o STF no Twitter/X
Entre as declarações do PCO que chamaram atenção de Moraes estão “skinhead de toga retalha o direito de expressão e prepara um novo golpe nas eleições. (…) Dissolução do STF”.
O partido também afirmou que era preciso adotar uma política “concreta” contra a “ditadura do STF”. A sigla também sugeriu a “dissolução total” do tribunal e a eleição dos juízes com “mandato revogável”.
“TSE quer impor censura a manifestações políticas em show”, acusou o PCO, no Twitter/X. “Fascista, Alexandre de Moraes é um dos pilares da ditadura do Judiciário e vai presidir o TSE nessas eleições.”
Nos documentos de ordens judiciais de Moraes contra o Twitter/X revelados pelo Comitê Judiciário da Câmara dos Estados Unidos na semana passada, o PCO aparece em duas medidas aplicadas durante as eleições de 2022.
A primeira é um mandado de intimação emitido por Alexandre de Moraes “de ofício”, ou seja, iniciada pelo próprio juiz sem que houvesse pedido externo, em 17 de junho de 2022.
De acordo com os arquivos, o ministro ordenou o bloqueio das redes sociais do PCO, incluindo Twitter/X, dentro de um prazo de 24 horas. Em caso de não cumprimento, foi estipulada uma multa diária de R$ 20 mil.
O segundo documento revela que, somente em 28 de fevereiro de 2023, quase quatro meses depois das eleições, as restrições impostas às redes sociais do PCO foram finalmente revogadas.
A decisão do ministro se justificou a partir do argumento de que o PCO havia parado de divulgar conteúdos considerados ilícitos e que poderiam comprometer a integridade do processo eleitoral. No entanto, a decisão ainda impôs uma multa diária de 10 mil reais em caso de futuros descumprimentos.