A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/2023, que anistia partidos políticos de pagarem multas por descumprirem a cota de repasse de recursos a negros e mulheres, pode impor limites ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no que se refere à criação de normas sobre “políticas afirmativas” às minorias.
Há duas semanas, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), “desenterrou” o texto, que estava parado na Casa desde o fim do ano passado. Apesar de ser incluída na ordem do dia, PEC da Anistia não foi sequer discutida em plenário. Depois de ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, o texto foi analisado por uma comissão especial na Câmara em 2023, mas não chegou a ser votada no colegiado. O prazo encerrou e isso deu prerrogativa a Lira para levar a proposta para análise no plenário.
Na quinta-feira 19, o relator do texto na comissão especial, deputado federal Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP), divulgou o parecer mais recente. O texto ainda pode ser alterado em plenário, pois Lira ainda não definiu quem será o relator. Na última versão do texto, Rodrigues incluiu um artigo que prevê que a “criação de quaisquer políticas afirmativas às minorias para eleições tem obrigatoriedade de cumprimento somente se definidas por lei aprovada pelo Congresso Nacional”.
Na avaliação de especialistas ouvidos por Oeste, caso esse trecho da PEC da Anistia esteja na versão final da matéria e seja aprovado, irá impor limites a eventuais normas do TSE. Ex-ministro da Corte, o advogado Admar Gonzaga considera que o dispositivo é uma “reação do legislador à instauração dessas políticas de gêneros por meio de resoluções e interpretações da norma”.
“Com certeza esse dispositivo encaminha para uma proibição dirigida à Justiça Eleitoral”, disse Gonzaga. “Será que a Justiça Eleitoral vai fazer uma autocontenção em continuar encaminhando essas politicas publicas?”
Conforme o ex-ministro, em geral, o autor da norma eleitoral, leia-se os parlamentares, é o principal destinatário da norma e pode usar isso em benefício próprio. “Ele legisla para ele mesmo concorrer, faz de uma forma que continue a beneficiar aquela condição que o elegeu.”
Por exemplo, se não existir uma lei que estabeleça uma porcentagem de cotas destinada a negros e mulheres e só existir uma norma do TSE, o partido não seria obrigado a cumpri-lá. Contudo, o atual texto da PEC da Anistia regulamenta, ainda que de uma forma diferente, as cotas para as minorias.
Apesar de destacar que não é atribuição do Judiciário legislar, Gonzaga reconheceu que, muitas vezes, o TSE trata de questões que o Congresso não atua por falta de vontade. “Mas são questões importantes”, explicou, ao mencionar que o dispositivo da fidelidade partidária surgiu por uma ação do PFL. À época, ele era advogado da sigla.
“A fidelidade partidária passou a surgir em resposta a uma consulta pelo TSE”, contou Gonzaga. “Depois que veio a lei.” A fidelidade partidária é a obrigação que os parlamentares possuem com seus partidos, de acordo com regras estabelecidas previamente.
Advogado eleitoral, Alberto Rollo também considera que o trecho da PEC possa restringir o TSE de “pensar sobre políticas afirmativas”. “O que tem alguma razão, se pensarmos do ponto de vista de competência”, explicou. “É o Congresso que faz as normas e o TSE julga se cumpriu ou não. O TSE não pode criar normas, tem limitações.”
Já Gonzada tem dúvidas se o Judiciário ficará satisfeito com o entendimento do Congresso, caso a PEC da Anistia seja aprovada nesses moldes. “Pode alegar inconstitucionalidade da lei”, explicou, destacando que é função do Congresso fazer regras que atendam às necessidades sociais.
O que mais prevê a PEC da Anistia
Defendida principalmente por presidentes dos partidos, a PEC da Anistia é consenso entre o PT e o PL. O texto retira punições a partidos que não cumpriram a cota de recursos públicos para candidaturas conforme os critérios de cor e gênero. Inicialmente, o texto impedia a punição para quem descumprisse a cota de 30% de gênero — mais usada para mulheres. Contudo, o relator retirou esse trecho.
O texto deixa também de responsabilizar os partidos por falhas nas prestações de contas. Na última versão da matéria divulgada, o relator incluiu alguns dispositivos que regulamentam um programa de refinanciamento das dívidas dos partidos e que concede imunidade tributária às legendas.
Segundo Rodrigues, a ideia é “reforçar” a imunidade tributária, que, na prática, cancela as “sanções aplicadas e processos em curso que desrespeitam esse princípio constitucional, especialmente em casos em que a ação de execução supera o prazo de cinco anos, assegurando justiça e equidade”.
O novo texto propõe ainda a criação de um Programa de Recuperação Fiscal (Refis) direcionado a partidos políticos. O Refis é um benefício para o pagamento à vista ou parcelado de dívidas e multas. A ideia é “facilitar a regularização de débitos tributários e não tributários, excluindo juros e multas acumulados e permitindo o pagamento dos valores originários com correção monetária em até 180 meses”.
A PEC da Anistia também prevê que os partidos usem recursos do Fundo Partidário para parcelar multas eleitorais e sanções/débitos que não estejam relacionados às eleições.
Mesmo passando por modificações, ainda não há previsão para a votação da matéria na Câmara. Contudo, conforme apurou Oeste, o texto só deve andar quando houver um consenso com o Senado, onde alguns parlamentares sinalizaram insatisfação com a “impunidade” que seria concedida às legendas.
A PEC define um porcentual de 20% de recursos para negros e pardos, enquanto hoje o TSE estipula uma regra de acordo com a proporção de candidatos, o que representou cerca de 50% no ano passado. O texto ainda estabelece prazos para os repasses Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário às cotas de gênero e raça, sendo eles:
- Mínimo de 75% do total deverá ser repassado às candidaturas de mulheres e candidaturas de pessoas pretas e
pardas até 20 dias antes da data do primeiro turno da respectiva eleição; e - Máximo de 25% do total deverá ser repassado às candidaturas de mulheres e candidaturas de pessoas pretas e pardas até 05 dias antes da data do segundo turno da respectiva eleição.