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Origens da seleção de Israel remontam à Palestina dos anos 1930

Era março de 1934. Na cidade do Cairo, no Egito, a seleção da Palestina, então uma administração do Império Britânico no Oriente Médio, duelaria contra o selecionado local no que era a primeira de duas partidas para definir quem iria para a Copa do Mundo na Itália, ainda naquele ano.

O Egito já havia participado de três Olimpíadas, enquanto os palestinos disputavam, naquele dia, o seu primeiro jogo contra uma seleção nacional. Os egípcios, assim, fizeram valer sua força: vitória por 7 a 1. Semanas depois, em Tel Aviv, nova goleada: 4 a 1 e passaporte carimbado rumo ao Mundial da Itália.

Classificada às oitavas de final da Copa Asiática nesta terça-feira (23), a Palestina era, em 1934, habitada majoritariamente por árabes muçulmanos. Porém, a seleção que representava a Palestina britânica — ou Mandato Britânico da Palestina — era, naquela altura, formada dentro de campo integralmente por judeus, especialmente após a migração em massa para o território desde o fim do século 19.

O Mandato da Palestina perdurou de 1920 até a proclamação da independência israelense, em 1948, e compreendia o que hoje são Israel e os territórios palestinos — Cisjordânia e Faixa de Gaza. A região ficara sob domínio britânico após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), com a dissolução e partilha do Império Otomano, derrotado no conflito.

Para além da guerra, o mandato britânico na região havia sido instituído em meio ao crescente ódio aos judeus na Europa e o consequente advento da ideologia sionista, que pregava o direito à autodeterminação do povo judeu e a criação de um Estado para ele na região da Palestina, onde na Antiguidade existira o Reino de Israel e Judá.

Enquanto o antissemitismo se espalhava pela Europa Continental, judeus encontravam certa tranquilidade no Império Britânico, então potência mundial dominante e que, justamente em 1920, se tornaria o maior império em extensão terrestre da história.

“Havia políticos em Londres simpáticos ao movimento sionista por motivações religiosas e simbólicas”, afirma Luiz Salgado Neto, doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Era o resultado da oposição dos anglicanos ao catolicismo, o que fez os primeiros se aproximarem do judaísmo.

Em 1917, antes mesmo do fim da Primeira Guerra Mundial, o então chanceler britânico, Arthur James Balfour, escreveu uma carta ao banqueiro Lionel Walter Rothschild, então presidente da Federação Sionista Britânica, demonstrando apoio da realeza para a demanda de construir um “Lar Nacional para o Povo Judeu” na Palestina.

O Império Otomano vinha em declínio desde o século 19, com perdas territoriais, disputas internas e crises econômicas, o que o levou a ser apelidado de “homem doente da Europa”, expressão atribuída como de autoria de Nicolau I, czar russo entre 1825 e 1855.

Assim, autoridades britânicas ansiavam pelo “espólio” que poderia vir com uma derrota otomana, o que aproximou os sionistas, de olho da Palestina, dos interesses do Império Britânico, que sabia que o Oriente Médio também era cobiçado por seus aliados russos e franceses, avalia Luiz Salgado.

Balfour e outros agentes do governo britânico também acreditavam que o sinal dado aos sionistas engajaria as grandes e influentes comunidades judaicas dos aliados Império Russo — em números absolutos, morada da maior diáspora judaica do mundo naquela época — e dos Estados Unidos, segundo o historiador.

“Muitos agentes governamentais britânicos consideravam que todos os judeus do mundo estavam comprometidos de corpo e alma com o movimento sionista, o que não é verdade, além de nutrirem uma visão estereotipada e preconceituosa de que os ‘judeus endinheirados’ iriam apoiar financeiramente o esforço de guerra”, diz.

Seleção da Palestina posa para foto antes de amistoso contra o Líbano, em Tel Aviv, em 1940
Última partida da seleção da Palestina britânica foi vitória por 5 a 1 em amistoso contra o Líbano / Reprodução/IFA

Judeus financiados por organizações sionistas, que compravam terras na Palestina, intensificaram a migração para o território após o estabelecimento britânico, que ao mesmo tempo apoiava o movimento e buscava equilibrar-se entre os interesses dos nacionalistas árabes, também seus aliados no Oriente Médio contra os otomanos.

Os judeus que chegavam à Palestina traziam consigo a cultura do futebol que haviam adquirido no Leste Europeu, de onde eles mais migravam, fugindo de perseguições sistemáticas — os pogroms — e da vida miserável nos guetos.

Em 1925, sionistas tentaram integrar uma associação da Eretz Israel (Terra de Israel, em tradução do hebraico) à Federação Internacional de Futebol (Fifa), que recusou a solicitação por entender que ela não era representativa da Palestina (leia-se: não incluía os árabes muçulmanos locais).

Uma segunda tentativa foi feita em 1928, sob o nome da Associação Palestina de Futebol (PFA). Entre os 15 presentes na primeira reunião da diretoria da associação, havia apenas um árabe, representante de um clube de Jerusalém. Foi o suficiente para que a Fifa concedesse a filiação em 1929.

Com o tempo, porém, a maioria judaica sionista e diaspórica na organização esvaziou a influência dos árabes, cujos clubes ficaram relegados apenas às divisões inferiores do campeonato local.

Na primeira partida daquela Seleção Palestina, um amistoso em 1930 contra um combinado de jogadores do Cairo, havia apenas um representante de clubes árabes na equipe, composta majoritariamente por judeus e também por militares britânicos que atuavam no território.

Insatisfeita, a minoria árabe se rebelou e, em 1931, fundou a sua própria federação. Chancelada pela Fifa, a PFA seguiu, agora totalmemte sob controle dos sionistas, que adotaram o hebraico como a única língua oficial da organização.

O estabelecimento de instituições culturais e sociais por e para judeus estava alinhada aos interesses sionistas, que buscavam a criação de uma unidade cultural entre os recém-migrados judeus na Palestina, que vinham de diferentes lugares, onde falavam diversas línguas — do iídiche ao alemão, do polonês ao russo, afirma Luiz Salgado.

“Como parte de um movimento nacionalista, os líderes sionistas buscaram criar não apenas os fundamentos institucionais para o futuro Estado, mas também o substrato cultural do futuro país”, pontua o historiador.

Jornal em hebraico noticia realização de partida entre Palestina e Grécia pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1938
Na imagem: jornal em hebraico noticia realização de partida entre Palestina e Grécia pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1938 / Reprodução/IFA

Após o fracasso em 1934, uma segunda tentativa da PFA de classificar sua seleção para uma Copa do Mundo ocorreria em 1938. Novamente, sem êxito: derrotas por 3 a 1 para a seleção da Grécia, em casa, e por 1 a 0, em Atenas.

A PFA queria ter enviado sua seleção para a primeira Copa do Mundo, no Uruguai, em 1930, mas foi barrada pelas autoridades britânicas, cujas federações — escocesa, galesa, inglesa e norte-irlandesa — viviam em pé de guerra com a Fifa, com a qual tinham rompido anos antes.

Devido ao protagonismo judeu na PFA, a Associação de Futebol de Israel (IFA) se coloca como sucessora da instituição, posição esta que também é seguida pela Fifa. Porém, a atual Associação Palestina de Futebol também se entende como a continuação histórica da federação da Palestina britânica.

Em seu site, a atual PFA, que só entrou nos quadros da Fifa em 1998, quatro anos depois da criação da Autoridade Nacional Palestina, o mais próximo que já se chegou da instituição de um Estado palestino pós-1948, diz que a equipe dos anos 1930 foi “a primeira seleção árabe-asiática a participar das eliminatórias da Copa do Mundo”.

Da independência do país até hoje, Israel só disputou uma Copa do Mundo, em 1970, no México, quando caiu na fase de grupos. Já a Seleção Palestina ainda busca uma primeira participação em um Mundial.

Via CNN

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