quarta-feira, setembro 25, 2024
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Origem de cavidades em falésias de Madagascar é revelada

No sul de Madagascar, há cerca de mil anos, um grupo misterioso de pessoas construiu câmaras e cavidades impressionantes na rocha de um penhasco. Essas estruturas, localizadas em um lugar chamado Teniky, no Parque Nacional Isalo, intrigam arqueólogos há décadas. 

A arquitetura única encontrada ali não tem precedentes em Madagascar ou nas regiões costeiras da África Oriental. A identidade desses construtores e o momento em que chegaram à ilha continuam sendo um enigma que os pesquisadores tentam desvendar.

Um estudo recém-publicado na revista Azania sugere que esse povo pode ter sido uma comunidade zoroastriana que viveu no país até cerca de mil anos atrás. A localização remota dos terraços rochosos, em torno de 20 quilômetros em terreno acidentado, dificultou a realização de pesquisas arqueológicas ao longo do tempo. 

Em um comunicado, o professor Guido Schreurs, autor do estudo, diz qque além das dificuldades de acesso, a pesquisa em Madagascar requer colaboração com instituições locais e autorizações de diferentes ministérios, o que representa outro desafio.

Pequenos nichos esculpidos em uma rocha de arenito em penhasco de Madagascar. Crédito: Schreurs et al., 2024

Comunidade deixou sítio arqueológico imenso em Madagascar

No início do século passado, os naturalistas franceses Alfred e Guillaume Grandidier propuseram que os nichos em Teniky foram esculpidos por marinheiros portugueses que teriam ficado presos na ilha há cerca de 400 anos. Esses marinheiros teriam cavado nas falésias para construir abrigos enquanto procuravam um porto viável, o que levou à área a ser conhecida como “Grotte des Portugais”. 

No entanto, em 1963, os arqueólogos Ginter e Hébert rejeitaram essa teoria, argumentando que a construção dos nichos exigiria um esforço maior do que seria possível para um grupo de marinheiros. Embora não tenham encontrado artefatos diretamente relacionados aos nichos, eles descobriram fragmentos de jarros chineses datados do século XVI nas encostas ao redor de Teniky.

Em 2019, novas investigações utilizando imagens de satélite de alta resolução revelaram que o sítio arqueológico era muito maior do que se pensava anteriormente. As imagens mostraram muitos terraços e estruturas que haviam sido ignoradas, levando Schreurs e sua equipe a aprofundar suas investigações. 

Escavações realizadas em locais conhecidos como Grande Grotte e Petit Grotte, duas câmaras escavadas na rocha, revelaram dezenas de outros nichos circulares e retangulares. Além disso, foram encontrados mais de 30 hectares de terraços artificiais, bacias de pedra, estruturas circulares e retangulares e fragmentos de cerâmica.

Duas rochas esculpidas encontradas no sítio arqueológico de Teniky, em Madagascar. Crédito: Schreurs et al., 2024

A análise dos fragmentos de carvão e cerâmica encontrados indicou que o local foi ocupado entre os séculos X e XII. Esses fragmentos não foram produzidos localmente, sugerindo que os habitantes de Teniky mantinham conexões com a rede de comércio do Oceano Índico. 

Alguns dos fragmentos eram originários do sudeste asiático e da China, datando dos séculos XI ao XIV, o que eliminou a hipótese de que os marinheiros portugueses tenham sido os criadores das estruturas, já que os primeiros navios portugueses só chegaram ao Oceano Índico em 1498.

Diante desses dados, Schreurs e sua equipe ampliaram sua análise, considerando a possibilidade de que os habitantes de Teniky tivessem origens ligadas à Austronésia, Índia, Arábia e Pérsia, dado os laços genéticos, linguísticos e culturais dos malgaxes com essas regiões.

Ao revisar a literatura, Schreurs notou semelhanças entre os nichos de Teniky e os nichos encontrados em várias regiões do Irã, incluindo a região de Fars, que eram usados em rituais funerários zoroastrianos.

Essas observações levaram o cientista a levantar a hipótese de que a misteriosa população de Teniky poderia ter origens zoroastrianas. No Irã, os nichos esculpidos na rocha eram comumente usados em rituais funerários, servindo como locais para exposição de corpos ou ossários. 

Acredita-se que, após a conquista árabe da Pérsia no século VII, comunidades de muçulmanos, judeus, cristãos e zoroastrianos coexistiam nos portos iranianos, e as conexões comerciais com o Oceano Índico continuaram, levando possivelmente uma comunidade zoroastriana a Madagascar.

No entanto, há um problema na hipótese zoroastriana: a ausência de ossos no local. Nos rituais funerários zoroastrianos, os corpos não eram enterrados imediatamente, mas deixados expostos em nichos de pedra para se decompor naturalmente, restando apenas os ossos, que eram então armazenados em pequenos nichos circulares chamados “astōdans”. A falta de ossos em Teniky levanta questões, mas Schreurs considera a possibilidade de que restos mortais tenham sido removidos por populações subsequentes.

A hipótese zoroastriana ainda está em aberto, e novas escavações estão planejadas para 2025, incluindo uma pesquisa Lidar para identificar estruturas ainda não descobertas.

Via Olhar Digital

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