segunda-feira, novembro 25, 2024
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Organismos terrestres podem nos ensinar sobre vida em Marte

Para entender a vida que mora nas profundezas de Marte, algumas das formas mais antigas de organismos vivos em que vivem bem fundo da Terra podem ser importantes. Marte é vermelho sim, mas também é úmido.

Em 12 de agosto, pesquisadores dos Estados Unidos apontaram evidências de grande reservatório de água líquida no fundo da crosta rochosa marciana. “Se eles estiverem corretos”, diz Karen Lloyd, microbiologista de subsuperfície da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, à BBC, “acho que isso mudará o jogo”.

Dessa forma, abre-se a possibilidade de haver vida subterrânea em Marte. Nas últimas décadas, cientistas revelaram que há enorme biosfera escondida nas profundezas da Terra. Agora, o mesmo pode ser verdade no Planeta Vermelho. A vida marciana, caso exista, pode estar alojada no subterrâneo.

Impressão artística do rover Perseverance se aproximando de Marte (Imagem: NASA/JPL-Caltech)

Vida microbiana em Marte?

  • Por mais de 30 anos, biólogos encontraraam evidências de que a vida persiste no subsolo terrestre;
  • Pesquisadores perfuraram profundamente o fundo do mar e a terra continental, onde encontraram vida em sedimentos profundos e, até mesmo, entre camadas e cristais de rocha sólida;
  • A maioria desses seres vivos são microrganismos unicelulares, especificamente bactérias e arqueas. Esses dois grupos são as formas de vida mais antigas conhecidas por nós existentes em nosso planeta. Eles existem há mais de três bilhões de anos, ou seja, muito antes dos animais e plantas;
  • Já nos últimos 20 anos, também ficou comprovado que biosfera profunda é muito diversa. “Na verdade, há muitos tipos diferentes de organismos vivendo no subsolo profundo”, diz Cara Magnabosco, geobióloga da ETH Zurich (Suíça), à BBC;
  • As bactérias se dividem em grandes grupos, chamados filos. Apenas algumas dezenas deles foram formalmente identificados. Estmia-se, contudo, que haja 1,.3 mil, ao todo;
  • “Praticamente, todos esses filos podem ser encontrados no subsolo”, diz Magnabosco.

Mas eles não são distribuídos uniformemente. Uma meta-análise realizada no ano passado descobriu que a maioria dos ecossistemas sob o solo eram dominados por dois filos: Pseudomonadota e Firmicutes. Outros tipos de bactérias eram muito mais raros, mas incluíam filos jamais vistos até então.

Como onde esses micróbios vivem é completamente escuro, eles não conseguem obter energia diretamente da luz solar, como organismos fotossintéticos que vivem na superfície. “O que é realmente importante notar é que eles não dependem, em geral, do Sol”, diz Lloyd.

Eles também não recebem nenhuma outra alimentação, como nutrientes, advindas da superfície. Muitos desses ecossistemas profundos estão “completamente desconectados da superfície”, explica Magnabosco.

Em vez disso, eles se baseiam em quimiossíntese. Ou seja, os micróbios obtêm energia a partir de reações químicas, absorvendo produtos químicos das rochas e da água ao seu redor. Por exemplo, eles são capazes de usar gases, como metano ou sulfeto de hidrogênio, como material de origem. “O subsolo tem muitas, muitas reações químicas diferentes. Muitos de nós gastamos muito tempo encontrando novas reações que dão suporte à vida”, comenta Lloyd.

Micróbios quimiossintéticos podem parecer alienígenas por serem raros nas superfícies ensolaradas da Terra, esando confinados ao fundo do mar e ao subterrâneo sólido. Contudo, são alguns dos tipos mais antigos de organismos vivos na Terra. Algumas hipóteses sobre a origem da vida indicam que a primeira vida na Terra teria sido quimiossintética. Apesar de micróbios unicelulares dominarem o subsolo, há alguns animais raros.

Um estudo realizado em 2011 identificou vermes nematoides em água de fissura de 0,9 a 3,6 km abaixo do solo em minas sul-africanas. A água parecia estar lá há pelo menos três mil anos, sugerindo que a população de nematoides poderia existir há milênios.

Um acompanhamento de 2015 encontrou platelmintos, vermes segmentados, rotíferos e artrópodes em água de fissura a 1,4 km abaixo da terra. A água foi datada de até 12,3 mil anos. Os animais se alimentavam por meio de fina película de micróbios na superfície da rocha.

Em 2018, Magnabosco e seus colegas estimaram a escala da biomassa vivendo sob os continentes a partir de combinações de dados sobre números e diversidade de células de locais de perfuração em todo o mundo.

Eles estimaram que há de 2 a 6 × 10^29 células vivendo sob os continentes da Terra. Em comparação, existe apenas cerca de 10^24 estrelas no universo observável. “Temos número muito grande de células sob nossos pés”, destaca Magnabosco. Na verdade, informa ela, cerca de 70% de todas as bactérias e arqueas na Terra estão no subsolo.

Rochas em Marte
Restos de leitos de lagos na superfície marciana foram encontrados, embora a água restante esteja bem abaixo do solo (Imagem: NASA)

Qual é o limite da profundidade onde existe vida?

Quão profundamente a biosfera se estende ainda não está claro para os cientistas. A vida tem limite superior de temperatura, imagina-se, mas não se sabe ao certo onde fica. Nada pode viver na superfície da lava derretida, como já é sabido, mas alguns micróbios podem suportar forte calor surpreendente. Um arqueano chamado Methanopyrus kandleri pode sobreviver e se reproduzir a 122 °C.

Sem contar a enorme pressão que ocorre quanto mais fundo. O tipo de rocha também é significativo, pois afeta as reações químicas que podem ocorrer e, sendo assim, os tipos de micróbios quimiossintéticos que podem viver lá.

“Mas não posso lhe dar um número [sobre o quão fundo existe vida] porque ainda não o atingimos, porque simplesmente não perfuramos tão fundo”, explica Lloyd. Ainda assim, os cientistas estimam que o limite pode ser surpreendentemente profundo. Um estudo de 2017 que analisou amostras de vulcão de lama sugeriu que a vida poderia existir a 10 km abaixo do fundo do mar.

Parte da vida desses organismos é vivida de forma extremamente lenta. “Definitivamente, há grandes partes do subsolo, principalmente abaixo dos nossos oceanos, onde nada realmente acontece por milhões de anos”, continua Lloyd.

Sem nutrientes vindos de cima e sem nenhuma maneira de sair do subsolo, os micróbios que moram lugares têm muito pouca comida. “Isso significa que eles, simplesmente, não têm a energia necessária para fazer novas células”, analisa Lloyd.

Em vez disso, eles desaceleram seus metabolismos e estão quase em estase (paralisação do fluxo de sangue). “Na verdade, é bastante razoável que uma única célula possa viver por milhares de anos ou mais”, diz a microbiologista.

É esse tipo de vida — dependente de reações químicas entre rochas e água e, possivelmente, com taxa metabólica extremamente lenta — que pode ser plausivelmente encontrada em rochas ricas em água que se encontram nas profundezas de Marte.

Afinal, Marte tem vida?

Até agora, não há evidências sólidas ou diretas de vida em Marte, apesar de décadas de missões não tripuladas que se desolcaram e estudaram o Planeta Vermelho. A superfície é seca e fria e nenhum organismo vivo nunca apareceu nas fotos tiradas no planeta rochoso.

Contudo, características específicas, como cânions, sugerem fortemente que Marte tinha água corrente na superfície há bilhões de anos. Parte dela, possivelmente, se perdeu no Espaço, mas a equipe de Wright concluiu que grande parte dela está no subsolo.

Lloyd, por sua vez, rememora que “sabemos que a água é um pré-requisito para a vida como a conhecemos”. Então, talvez, a superfície marciana costumava ser habitável e, agora, apenas o subsolo é. Como os micróbios lentos que vivem nas profundezas dos oceanos da Terra, os micróbios marcianos podem estar se agarrando à vida mesmo com poucos nutrientes disponíveis.

Para Magnabosco, “o mesmo tipo de processo que acontece em nosso subsolo pode acontecer em Marte. Se a vida foi capaz de se desenvolver em Marte, há grande chance de ela ainda sobreviver e estar em Marte hoje”.

Apesar de tudo isso, a “evidência” mais sugestiva de vida até o momento são as plumas de metano no ar de Marte, que variam com as estações. Na Terra, o metano costuma ser gerado pelos microrganismos. Então, o gás marciano pode ser resíduo da vida subterrânea. Mas Lloyd pede cautela. “Há muitas razões não relacionadas à vida pelas quais pode haver plumas de metano”, diz.

Além disso, há muitos outros obstáculos à vida no subsolo marciano. “A vida não precisa apenas de água. Ela precisa de energia e de um lugar para estar, então, precisa de um habitat”, explica Lloyd. Ainda não se sabe se os poros na rocha de Marte são grandes o suficiente para micróbios. Da mesma forma, a composição química das rochas profundas é crucial, pois elas seriam a fonte de energia química.

Para Magnabosco, “a maior incerteza” sobre a vida em Marte “é se ela surgiu ou não”. Como não é sabido como os primeiros seres vivos se formaram a partir de material inanimado, não há como saber, hoje, se as condições em Marte foram adequadas para o surgimento da vida. “Se a vida foi capaz de se desenvolver em Marte, ela tem chance muito boa de ainda sobreviver e estar em Marte hoje”, sugere Magnabosco.

Possíveis vulcões de lama avistados na superfície de Marte
Possíveis vulcões de lama foram avistados na superfície de Marte (Imagem: NASA/JPL-Caltech/Universidade do Arizona)

Se a biosfera profunda marciana realmente existe, como pode ser encontrá-la? A ideia mais possível de se imaginar é perfurar o solo de Marte, mas seria necessário adentrar 10 km ou mais, algo difícil até mesmo na Terra. E fazer isso em planeta que não tem ar respirável ou água corrente “é muito, muito mais difícil”, expõe Magnabosco.

No entanto, pode ser possível construir a evidência de apoio. A missão Mars Sample Return, da NASA, traria rochas marcianas de volta à Terra. Essas amostras podem conter traços de vida. “Perseguir o metano seria realmente útil”, diz Lloyd. No momento, não se sabe de onde o gás está vindo. “Se descobrirmos que os bolsões de água estão associados às plumas de metano”, isso seria sugestivo de vida, explica a especialista.

Ainda, se Marte realmente tem água se movendo em suas entranhas, os humanos poderiam tirar vantagem disso. Na Terra, locais que carregam água, como fontes termais, trazem água do subsolo profundo para a superfície. Lloyd aponta: “Marte tem vulcões de lama. Há lugares em Marte onde você pode ir onde você realmente tem amostras profundas do subsolo que foram exumadas e trazidas para a superfície.”

Apesar da empolgação pode ser que se leve anos ou décadas até termos uma resposta. Além disso, “podemos estar procurando por vida que não está viva há muito tempo”, segundo Lloyd. Nesse caso, tudo o que podemos encontrar são evidências fósseis, em vez de organismos vivos. “De qualquer forma, é vida em Marte”, completa.

Via Olhar Digital

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